05 Novembro 2018
O arcebispo argentino Víctor Fernández afirmou que os bispos falam "muito pouco sobre os problemas sociais" e os convocou a romper o medo e a se colocar ao lado dos mais frágeis.
A informação é publicada por Página|12, 03-10-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
"Nós, bispos atuais, falamos muito pouco sobre os problemas sociais". A frase é do arcebispo de La Plata, Víctor Fernández, que recorreu à autocrítica para questionar a posição da Igreja diante da crise política e econômica que o país vive. E mais: o prelado defendeu que quando os homens da instituição religiosa o fazem é “com timidez, com medo”. Ao mesmo tempo, duvida que "alguém se torne padre para defender a macroeconomia liberal".
Fernández, que este ano sucedeu ao ultraconservador Héctor Aguer à frente da arquidiocese platense, opinou que “hoje no poder mundial – político e midiático – há um forte predomínio de um pensamento neoliberal que certamente rejeita que a Igreja fale de questões sociais e prefere que ela fique fechada na sacristia".
Nesse sentido, considerou que “nós, bispos atuais, falamos muito pouco sobre os problemas sociais” e que, quando “o fazemos” é “com timidez, com medo de fazer papel de ridículo, e talvez com pudor devido aos próprios erros e pecados da Igreja". Acrescentou que “eu não creio que alguém se torne padre para defender a macroeconomia liberal ou os ajustes”, porque “para isso poderia se tornar economista ou político”.
Fernández, que trabalhava na UCA antes de ser nomeado à frente do arcebispado platense pelo papa Francisco, afirmou se sentir "muito envolvido pelos projetos espirituais, pastorais e sociais” do Pontífice e traçou um paralelo com os anos 90, quando o bispo de Morón, Justo Laguna, “chegou a dizer a Menem e a Cavallo que o modelo neoliberal estava funcionando ‘a um preço feroz’, ou pior, ‘às custas de um milhão de mortos’”.
Também lembrou que naqueles anos “D. Rey expressou sua vontade de participar em um fórum anti-reeleição” e que “D. Piña lembrava o governo sobre as pessoas que não haviam votado, ‘porque a maioria vive muito mal’, assim como citou os bispos Hesayne, De Nevares, Novak ou Di Stefano entre os grandes críticos do neoliberalismo dos anos 90. Hoje somos muito mais brandos”, afirmou.
Para Fernández, “é evidente que há uma reviravolta à direita neoliberal nos centros de poder mundial que têm muitas possibilidades econômicas de gerar mudanças culturais através desse magnífico recurso que são as redes sociais para quem sabe usá-las”. O risco, na sua opinião, é que “isso está associado a uma maior intolerância e a um recorte na liberdade de opinião”, o qual “ocorre de fato” e provoca “um novo medo de opinar”.
O arcebispo enfatizou que “alguns de nós não temos interesse em ficar enquadrados e presos nessa fenda. Com relação às questões sociais, nós nos colocamos inevitavelmente do lado dos mais frágeis e prejudicados, mas não por uma questão de oposição política; muitos opositores mudam seus ideais quando lhes convêm".
As palavras de Fernández, em conversa com o jornal El Día de La Plata, foram ditas duas semanas depois da missa presidida em Luján por Agustín Radrizzani, bispo daquela diocese, diante de uma convocação realizada pela Frente Sindical para o Modelo Nacional. A missa foi vista como um apoio eclesiástico a este setor do movimento operário frente às políticas de ajuste do Governo, algo que a Conferência Episcopal desmentiu, assim como negou que o Papa tivesse endossado a iniciativa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Uma Igreja fora da sacristia. ‘"Nós, bispos atuais, falamos muito pouco sobre os problemas sociais" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU