08 Outubro 2018
O cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, em uma carta aberta ao arcebispo Carlo Maria Viganò, divulgou uma resposta detalhada e devastadora às acusações do ex-núncio contra o Papa Francisco a respeito do caso do arcebispo Theodore McCarrick. Na carta, Ouellet acusa Viganò de “blasfêmia” por colocar a fé do Papa em questão e o convida ao arrependimento.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 07-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O Vaticano divulgou a carta original em francês, acompanhada de uma tradução em italiano, por volta das 10h30 da manhã de domingo (horário de Roma), no dia 7 de outubro.
O cardeal canadense começa a carta lembrando que Viganò, em sua segunda carta divulgada há uma semana, “denunciava o Papa Francisco e a Cúria Romana” e apelou para ele “falar a verdade” sobre “os fatos que interpreta como uma corrupção endêmica que invadiu a hierarquia da Igreja até o mais alto nível”.
Ele disse que, com a “permissão necessária” do Papa Francisco, ele agora dá “meu testemunho pessoal, como prefeito da Congregação para os Bispos, sobre as questões relativas ao arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, e suas supostas ligações com o Papa Francisco, que constituem o objeto de sua clamorosa denúncia pública, bem como sua exigência de que o Santo Padre renuncie”.
Ele disse que escreve “com base em meus contatos pessoais e nos documentos dos arquivos” da Congregação para os Bispos “que atualmente são objeto de um estudo para esclarecer esse triste caso”.
Dirigindo-se a ele “com toda a sinceridade, em razão da boa relação de colaboração que existia entre nós quando você era núncio em Washington”, diz o cardeal a Viganò, “sua posição atual me parece incompreensível e extremamente repreensível, não só por causa do confusão que semeia no Povo de Deus, mas também por causa das acusações que prejudicam gravemente o bom nome dos Sucessores dos Apóstolos”. É digno de nota que o cardeal usa a palavra “sucessores”, porque a carta do ex-núncio não tem apenas chamado Francisco para a questão, mas também Bento XVI, João Paulo II e muitos bispos.
Em seguida, abordando as acusações específicas, o cardeal lembrou que o arcebispo Viganò afirma ter dito ao Papa Francisco, em uma audiência privada de 23 de junho, sobre o caso de McCarrick, e disse: “Imagino a enorme quantidade de informações verbais e escritas que ele recebeu de muitas pessoas e muitas situações” quando encontrou todos os núncios dos diferentes países no Vaticano dois dias antes, “duvido fortemente que McCarrick teria interessado ele no nível que você deseja fazer [as pessoas] acreditarem”. Ele lembra que McCarrick tinha então 82 anos e era arcebispo emérito há sete anos.
O cardeal Ouellet diz então que “as instruções escritas preparadas para você pela Congregação para os Bispos, no início de seu serviço [como núncio] em 2011, não dizem nada sobre McCarrick”. Mas reconhece que em uma conversa particular com Viganò “falei para você sobre a situação do bispo emérito que teve que obedecer a certas condições e restrições por causa dos rumores sobre seu comportamento no passado”.
Significativamente, o cardeal acrescenta que, desde que assumiu como prefeito da Congregação para os Bispos em 30 de junho de 2010, “nunca levei o caso McCarrick para uma audiência com o Papa Bento XVI ou o Papa Francisco, exceto nestes últimos dias depois que ele deixou o Colégio Cardinalício”.
Ele disse que o ex-cardeal, que se aposentou em maio de 2006, “foi fortemente exortado a não viajar e a não aparecer em público, para que não provocasse rumores a seu respeito. É falso apresentar as medidas tomadas contra ele como ‘sanções’ que foram decretadas pelo Papa Bento XVI e anuladas pelo Papa Francisco”.
Além disso, ele disse que um “exame dos arquivos” mostra “que não há documentos a esse respeito assinados por um ou por outro Papa, nem notas de uma audiência com meu antecessor, o cardeal Giovanni Battista Re, que tenha dado ao arcebispo emérito McCarrick uma ordem obrigando-o ao silêncio e à vida privada, com o rigor das sanções penais”.
Ele explicou que “a razão era que não existiam na época, ao contrário de hoje, provas suficientes de sua presumida culpa”.
“A posição inspirada pela prudência” da congregação e “as cartas de meu antecessor e minhas que reafirmaram, através do núncio apostólico Pietro Sambi, e depois também através de você, a exortação a um estilo de vida discreto de oração e penitência para seu próprio bem e para o bem da Igreja”.
"Seu caso teria sido objeto de novas medidas disciplinares se a nunciatura em Washington, ou qualquer outra fonte, nos tivesse fornecido informações recentes e decisivas sobre seu comportamento”.
A carta continua: “como muitos outros, por respeito às vítimas e às demandas da justiça, que a investigação em andamento nos Estados Unidos e na Cúria Romana nos ofereça, finalmente, uma visão crítica abrangente dos procedimentos e das circunstâncias desse caso doloroso, para que tal fato nunca se repita no futuro”.
“Um homem da Igreja, cuja incoerência é conhecida hoje, pôde ser promovido em várias ocasiões, até mesmo para receber as funções mais elevadas de arcebispo de Washington e de cardeal”.
Ele admite “os defeitos do sistema” na seleção de McCarrick e acrescenta que “sem entrar nesses detalhes, deve ser entendido que o Sumo Pontífice depende da informação à sua disposição naquele exato momento e essa informação constitui o objeto de um julgamento prudencial que não é infalível”.
O cardeal Ouellet diz a Viganò que considera “injusto concluir que as pessoas encarregadas de fazer o discernimento antecipado sejam corruptas, ou que algumas indicações fornecidas por testemunhos deveriam ter sido mais bem examinadas”.
Então, diz que o arcebispo McCarrick “soube se defender com grande habilidade das dúvidas levantadas a seu respeito”. Por outro lado, ele diz que “o fato de que pode haver pessoas no Vaticano que praticam e sustentam comportamentos contrários aos valores do Evangelho em matéria de moralidade sexual não nos autorizam a generalizar e a declará-los como indignos e cúmplices deste ou daquele ou mesmo do Santo Padre”. Também que “não deveria acontecer, acima de tudo, que os ministros da verdade precisem se proteger da calúnia e da difamação”.
“Acusar o Papa Francisco de ter encoberto com pleno conhecimento do caso desse presumido predador sexual e ser, portanto, cúmplice da corrupção que se espalha na Igreja, a ponto de considerá-lo indigno de continuar sua reforma como primeiro pastor da Igreja, é para mim incrível e inacreditável de todos os pontos de vista”.
O cardeal disse: “Não consigo entender como você pôde se permitir ser convencido dessa acusação monstruosa que não se sustenta”. Ele lembra que o Papa Francisco “não teve nada a ver com as promoções de McCarrick a Nova York, Metuchen, Newark e Washington”. Mas foi ele “quem o tirou da dignidade de cardeal quando a evidência credível de que ele havia abusado de um menor foi apresentada”.
O arcebispo Viganò acusou o Papa de tomar McCarrick como seu “grande conselheiro”, mas o cardeal disse que Francisco nunca fez alusão a isso, “mesmo ele não escondendo a confiança que dá a alguns prelados”.
Ele disse que entendia que esses prelados “não são aqueles da sua preferência, nem da dos amigos que o sustentam na sua interpretação dos fatos”.
O cardeal Ouellet disse a Viganò: “Acho totalmente aberrante que você se aproveite deste clamoroso escândalo dos abusos sexuais nos Estados Unidos para atingir a autoridade moral de seu superior, o Supremo Pontífice, com um golpe imerecido sem precedentes”.
O cardeal Ouellet disse que se reúne semanalmente com o Papa Francisco a respeito da nomeação de bispos e problemas ao governar a Igreja em todo o mundo, e acrescentou que “sei bem como ele trata as pessoas e os problemas: com grande caridade, misericórdia, atenção e seriedade, como você mesmo tem tido a experiência”.
Então, em uma acusação extraordinária, o cardeal disse ao ex-núncio: “Lendo como você conclui sua última mensagem, aparentemente muito espirituosa, fazendo chacota dele e lançando dúvidas sobre sua fé, parece realmente sarcástico demais, até mesmo blasfemo. Isso não pode vir do Espírito Santo!”
O cardeal então, insinuando que o arcebispo Viganò havia se colocado para fora da Igreja, disse que desejava “ajudá-lo a encontrar novamente a comunhão com ele, que é o garantidor visível da comunhão da Igreja Católica”.
Ele disse que entendia as “amarguras e desapontamentos” que marcaram seu caminho a serviço da Santa Sé, mas disse que “você não pode concluir sua vida sacerdotal em uma rebelião aberta e escandalosa que inflige uma ferida muito séria” na Igreja “que você finge servir melhor ao agravar a divisão e a aflição do povo de Deus”.
Ouellet pede ao arcebispo Viganò: “Saia da sua clandestinidade, arrependa-se de sua revolta e volte a ter melhores sentimentos pelo Santo Padre, em vez de agravar a hostilidade contra ele”.
Ele perguntou ao arcebispo: “como você pode celebrar a Santa Eucaristia e pronunciar seu nome no cânon da missa? Como você pode orar o santo Rosário, e a São Miguel Arcanjo e à Mãe de Deus, quando você condena aquele que Ela protege e acompanha todos os dias em seu ministério pesado e corajoso?”
A carta é concluída com estas palavras: “Em resposta a seu ataque injusto e injustificável, querido Viganò, concluo que a acusação é um plano político destituído de fundamento real que possa incriminar o Papa, e repito que isso feriu profundamente a comunhão da Igreja.”
Ele acrescentou: “Que agrade a Deus que essa injustiça seja rapidamente reparada e que o Papa Francisco continue a ser reconhecido pelo que é: um pastor distinto, um pai compassivo e firme, uma graça profética para a Igreja e para o mundo. Que ele continue com alegria e confiança plena em sua reforma missionária, confortada pela oração do povo de Deus e pela renovada solidariedade de toda a Igreja junto com Maria, a rainha do santo Rosário.”
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Cardeal Marc Ouellet responde às acusações de Viganò e o acusa de blasfêmia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU