04 Agosto 2018
A necessidade urgente de uma separação entre política e religião no Islã. Os casos do Egito e da Síria. A guerra no Iraque (e na Síria) é, acima de tudo, uma guerra intra-islâmica. Os países europeus devem pressionar os países islâmicos a implementarem a igualdade entre todos os cidadãos, independentemente de sua religião, e a absoluta igualdade entre homens e mulheres. Uma entrevista com o grande islamólogo jesuíta padre Samir Khalil Samir.
A entrevista é publicada por AsiaNews, 01-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Islã é uma religião de paz?
Sim e não! No Alcorão, como no comportamento de Maomé, encontramos tanto uma atitude pacífica quanto uma atitude violenta. Quando ele ainda não tinha poder, Maomé entrou em Meca pacificamente. Na segunda fase de sua vida, em Medina, ele usou a guerra e organizou ataques. Isso correspondia a costumes comuns na Arábia.
Deve-se notar que a palavra "ataque" vem da palavra árabe "ghazwa", que significa "ataque de guerreiro". A primeira biografia muçulmana de Maomé escrito por Abu Abdallah Muhammad ibn Umar al-Waqidi (747-823), intitula-se Kitab al-Maghazi, ou seja, o "Livro das campanhas."
Após sua morte, os muçulmanos seguiram seu método e conquistaram com sucesso outros países, mesmo quando estavam em minoria numérica.
Considerando o Islã é um projeto global, tanto religioso e social como político, nas novas sociedades conquistadas, principalmente habitadas por cristãos, os muçulmanos estavam ansiosos por impor seus padrões islâmicos, fortemente influenciados pelas tradições beduínas.
Os críticos dizem que o Islã não é apenas religião, mas também ideologia política. Pode haver um Islã apolítico?
O Islã é um projeto social global. No início, foi um projeto religioso, lançado por Maomé, que levou seus contemporâneos a abandonar o culto das várias divindades para reconhecer um único Deus, Alá. É claro que naquela época a existência de judeus e cristãos na Península Arábica teve um papel significativo em diferentes regiões, facilitando essa evolução.
Mas o Islã é também um projeto social e político: social, para se conformar aos costumes beduínos, com todas as suas tradições e normas; político, para unir as comunidades graças a um novo projeto único, a existência de um único Deus onipotente! Como resultado, o projeto islâmico inclui tanto dimensões religiosas quanto políticas. E esse é o grande e verdadeiro problema até agora!
Atualmente, existem alguns Estados de maioria muçulmana que fazem a distinção entre religião e política. A Síria, por exemplo, é um país muçulmano em 90%, mas tem uma constituição laica, que foi elaborada a pedido do presidente Hafez al-Assad, em 1973.
O autor é um cristão ortodoxo, Michel Aflaq, que tinha fundado em 1947, com Salah al-Bittar, o partido Baath. O presidente ainda é muçulmano, mas o islamismo não é a religião do Estado. Cada cidadão segue sua religião, mas as normas da Constituição aplicam-se a todos e valem para todos: muçulmanos, cristãos, judeus, ateus ... A ideologia subjacente é caracterizada pelo pan-arabismo socialista, que pretende ser secular, e procura distinguir entre religião e política.
Poderíamos também mencionar a Tunísia sob Bourguiba, que, embora muçulmana, em 1956 introduziu um certo secularismo e principalmente uma absoluta igualdade entre homens e mulheres.
Em ambos os casos, a influência da presença francesa nesses dois países desempenhou um papel crucial.
Política e Igreja na Europa, como devem enfrentar o mundo muçulmano? Como o diálogo pode funcionar?
Nas relações com todos os Estados, incluindo os países muçulmanos, dois princípios fundamentais devem sempre ser aplicados: igualdade entre todos os cidadãos, independentemente de sua religião e absoluta igualdade entre homens e mulheres. Esse é o fundamento da dignidade humana.
Como resultado, não é possível distinguir entre um muçulmano, um cristão, um judeu, um hindu, um ateu ou um não-religioso. Todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres perante o Estado, perante a lei. Não há privilégios ou exceções. A constituição vale para todos os cidadãos. Da mesma forma, todos os artigos da constituição são válidos para homens e mulheres, que têm os mesmos direitos e as mesmas obrigações previstas pela lei.
Os estados europeus devem exigir que esses dois princípios sejam postos em prática e aplicados em suas relações com todos os estados muçulmanos, incluindo a Arábia Saudita. Existe o risco que os países que se atrevam a fazê-lo possam ser penalizados, em comparação com outros países. Por conseguinte, é importante que essa decisão seja tomada conjuntamente por todos os países europeus, para evitar disparidades entre eles.
Isto também pressupõe que a União Europeia tenha estabelecido um comitê conjunto para monitorar a aplicação da presente decisão, para evitar que esses princípios sejam apenas afirmados em teoria e não na prática.
Cristãos em países islâmicos: nestes anos temos testemunhado casos impressionantes de violência e terror de islamistas.
Essa é uma realidade óbvia. Por definição, os islamistas são extremistas muçulmanos, que diferem marcadamente dos outros muçulmanos por seu fanatismo e interpretação obtusa de certas tradições. Isso leva a uma injustiça flagrante em relação aos cristãos.
Com base no que disse antes, a Europa deve insistir sistematicamente na igualdade absoluta de tratamento entre muçulmanos, cristãos e outros. Portanto, diferenças no tratamento não podem ser estabelecidas, seja por causa da religião, seja por causa do sexo ou por outras razões!
Aqui também todos os estados europeus devem assumir uma posição comum e exigente em relação aos Estados muçulmanos.
O Egito é sua terra natal. Existe alguma discriminação contra os cristãos? O que o governo faz pela minoria cristã?
As diferenças no tratamento são muito visíveis, especialmente quando se trata de construir uma igreja, por exemplo, onde a permissão é frequentemente negada. O que obriga os cristãos a construí-las de forma escondida ... com o risco de serem destruídas pelos fanáticos!
O Presidente Al-Sisi faz enormes esforços: financiou a construção da maior igreja do Oriente Médio, na futura capital administrativa do Egito, a leste do Cairo; celebrou a inauguração dessa igreja (ainda não concluída) em janeiro de 2018 (festa do Natal do calendário copta) ... Mas, a verdade é que mais de 1.000 igrejas (entre as mais de 6.000 presentes no Egito), são teoricamente ilegais, porque foram construídas sem as autorizações necessárias. Portanto, são um alvo constante de ataques de extremistas islâmicos.
No que diz respeito à discriminação na vida cotidiana, hoje é quase impossível para um cristão obter uma função importante em um departamento administrativo, apesar de seus méritos. Não foi assim no passado. A situação piorou devido ao crescente número de elementos extremistas fanáticos. Nesse nível, o Estado é absolutamente indefeso.
Na Síria, a longa coexistência pacífica das religiões foi abalada pelos anos da guerra civil. O país conseguirá se recuperar dessa luta, que é também entre muçulmanos e cristãos?
A situação na Síria é muito diferente daquela no Egito. Em princípio, a verdadeira secularidade do Estado foi colocada em discussão por um conflito interno do mundo muçulmano. Desde 1973, o Estado está nas mãos da família Assad, que é alauíta, um ramo dos xiitas. Os xiitas representam cerca de 15% da população muçulmana. Muçulmanos sunitas declararam guerra contra esse Estado. Até mesmo no Iraque, o governo (após a queda de Saddam Hussein) está nas mãos dos xiitas. O Iraque e a Síria são os únicos estados árabes em que os xiitas estão no poder.
O ISIS originou-se no Iraque. Seu nome significa "Estado Islâmico para o Iraque e a Síria". Aquela que testemunhamos é uma guerra intra-islâmica entre xiitas e sunitas. Também é amplamente financiada pelo Estado sunita mais rico, a Arábia Saudita, que é cegamente apoiada pelos Estados Unidos e, em parte, por alguns países europeus.
Isso explica a coalizão americana e europeia contra a Síria e, assim, o apoio da Rússia à Síria. Os mortos são todos sírios, sejam eles sunitas, alauítas ou outros.
O bombardeio de cidades, incluindo Damasco, Homs e Aleppo, também afetou muitos cristãos. Muitos tiveram que fugir e buscar refúgio onde podiam. A Europa fez um esforço colossal para recebê-los, especialmente a Alemanha. Muitas vezes os refugiados eram muçulmanos, os cristãos caíram no esquecimento.
Atualmente, o país está se recuperando muito lentamente. Os problemas estão longe de serem resolvidos e o número de migrantes é de vários milhões: ninguém sabe se poderá voltar ao seu país.
Mais uma vez, o fanatismo religioso - desta vez entre as seitas muçulmanas - destruiu completamente o país. E o problema fundamental do Islã reaparece automaticamente, porque o Islã é um projeto, tanto político quanto religioso.
O que fazer para os cristãos no Oriente Médio, para que eles fiquem bem e não emigrem?
Os cristãos não são a causa do seu problema. Pelo contrário, é uma visão do Islã, que estabelece a discriminação religiosa entre muçulmanos e os outros. É por isso que se trata de atuar junto aos muçulmanos. Trata-se de mudar o modo de pensar, da esfera religiosa para aquela política.
É um problema cultural, ligado ao próprio conceito de religião. Até mesmo o cristianismo conheceu essa identificação entre religião e política, e teve que se livrar dela aos poucos.
Isso é mais difícil para os nossos irmãos muçulmanos, porque a união entre religião e política é completa desde o início. A Europa poderia ajudar o mundo muçulmano culturalmente, estabelecendo condições claras para o uso da ajuda europeia. Seria uma contribuição muito apreciada também por muitos muçulmanos.
Um problema semelhante pode ser encontrado no Estado de Israel, onde o Estado e a religião se misturam, a ponto de criar injustiças em relação àqueles que não são judeus (especialmente muçulmanos). Tal posição israelense fortalece a posição dos muçulmanos extremistas.
Essas dimensões do problema não são levadas a sério pela Europa.
A integração dos muçulmanos na sociedade europeia pode ser bem sucedida?
Eu diria que sim e isso acontecer através da educação e da prática. Primeiro de tudo, na escola. Aqui, o futuro está sendo preparado, tratando meninos e meninas com o mesmo respeito, europeus de origem e migrantes, cristãos e não cristãos, e assim por diante.
Então, na vida cotidiana, tratar a todos igualmente, com mais compreensão para aqueles que acabaram de chegar, com todos os requisitos do país, não só nas coisas visíveis, mas também na vida privada, nos comportamentos entre homens e mulheres, entre meninos e meninas, entre muçulmanos e não-muçulmanos, na educação escolar como na vida social e nas leis.
Em suma, trata-se de educar a mentalidade dos imigrantes, para melhor. Mas também na esperança de que eles também ensinem àqueles que permaneceram em seus países de origem, ou àqueles que um dia voltarão.
A ajuda material para migrantes - pão, abrigo - não é suficiente. É muito, mas não é suficiente! O emigrante deve também obter ajuda cultural, recebendo também o testemunho de uma dimensão espiritual, o ideal europeu e cristão, a fraternidade universal. Dar ao outro, quem quer que seja, o melhor que temos, especialmente a verdadeira, absoluta e universal fraternidade, como o Evangelho nos ensinou!
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Migrantes e o Islã, o que a Europa deve fazer. Entrevista com Samir Khalil Samir, islamólogo jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU