03 Julho 2018
Em 1968, o futuro papa criticou a as posições de Montini, mais tarde aceitas na encíclica Humanae Vitae. Ficará surpreso quem considera que a doutrina da Humanae Vitae, a última encíclica de Paulo VI, seja irreformável.
A reportagem é de Paulo Rodari, publicada por La Repubblica, 02-07- 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na verdade, ao ler o texto de Joseph Ratzinger, Para uma teologia do matrimônio, agora publicado pela Marcianum Press, por Nicola Reali (reproduzimos abaixo um trecho), e, curiosamente, não incluído em sua Opera omnia, entende-se como as argumentações de Humanae Vitae eram para o teólogo alemão tudo menos inquestionáveis.
Embora o texto de Ratzinger tenha sido escrito em 1968, e, portanto, antes da encíclica, o conteúdo (publicado um ano depois) refere-se ao que, do debate teológico daqueles anos, Paulo VI acabou incluído no seu trabalho. Explica Reali: "O texto expressa uma posição (totalmente legítima) sobre aquele debate. O fato de tê-lo publicado, sem mudar nada, um ano depois, é um indicador que, com igual evidência, assinala a participação ativa na discussão que se seguiu à publicação da encíclica".
Montini declarou, entre outras coisas, a ilegalidade da "pílula" e de outros meios contraceptivos. Ratzinger, como também reafirmou em recente entrevista a Peter Seewald, mesmo questionando o ensinamento (ndr: colocando em discussão ou não colocando em discussão?) de base do texto, ressalta a fragilidade do fundamento em que se baseia o argumento subjacente.
Para ele, a moral cristã sobre matrimônio e família não pode se alavancar apenas na lei natural, pois esta busca o elemento de ética da relação conjugal da esfera animal, reduzindo a sexualidade quase à mera reprodução da espécie. Os preceitos morais cristãos, ao contrário, só podem ser respeitados em uma perspectiva de fé: onde o cristão - como lembrava também Lutero – se reconhece sempre "simul iustus et peccator".
A indissolubilidade do matrimônio não é uma lei natural
É claro que da correta interpretação sacramental do matrimônio cristão deriva necessariamente a sua unidade e indissolubilidade: enquanto realização – na fidelidade do homem - da fidelidade de Deus à Aliança, o matrimônio cristão expressa a definitividade e irrevogabilidade do "sim" divino na definitividade e irrevogabilidade do "sim" humano. Somente isso é verdadeiramente em conformidade com a fé e, portanto, realização de um verdadeiro ethos cristão. A possibilidade de escolhas irrevogáveis, que a fé descortina, pertence aos traços fundamentais da imagem do homem que a própria fé implica. Ao mesmo tempo, porém, é preciso lembrar sem hesitação que do puro direito natural não é possível deduzir a unidade e a indissolubilidade do matrimônio. A "natureza" do matrimônio é o seu ser na história e sua naturalidade é realizada apenas nos ordenamentos históricos.
Até mesmo a ordem da fé é uma ordem histórica, embora ela seja em Cristo a forma definitiva da história e, portanto, deva atribuir à pretensão da fé um caráter incondicional. (...) A tentativa de interpretar juridicamente esse apelo supralegal e suprajurídico traz, já na comunidade da igreja descrita por Mateus, a incluir de novo no direito a "dureza de coração" do homem e proceder em conformidade.
Certamente pode-se dizer que justamente nessas cláusulas sobre o divórcio que agora aparecem, a reivindicação de Jesus, que destrói a casuística e leva à sua superação, é novamente transformada em posição casuística e, assim, renova o risco de perder algo da seriedade do princípio. Ao mesmo tempo, porém, é necessário reafirmar que a recepção da Igreja não pode ser separada da palavra de Jesus; e com absoluta clareza aqui é reiterado que a palavra de Jesus é sim o ponto de referência incondicional de todo matrimônio cristão, mas não uma nova lei no sentido estrito da palavra. Sobre essa base pode-se entender porque na Igreja do Oriente desde muito cedo, em caso de adultério, foi concedida a possibilidade de divorciar ao cônjuge não culpado e há tempo foram reconhecidas análogas possibilidades até mesmo na Igreja latina. Isso corresponde ao fato de que o homem também no Novo Testamento precisa de indulgência por causa de sua "dureza de coração", que ele é justo apenas como pecador justificado, que de acordo com a fé do Sermão da Montanha é um critério válido, mas não representa a forma jurídica do seu viver junto. A partir disso, não se deve concluir que mesmo a Igreja do Ocidente deveria tornar o divórcio uma possibilidade do próprio direito canônico similarmente ao que fazem as igrejas ortodoxas do Oriente.
Manter a indissolubilidade como um puro direito da fé tem um profundo significado.
Mas então a pastoral deve permitir-se ser determinada mais fortemente pelos limites de toda justiça e da realidade do perdão; não pode considerar de maneira unilateral o homem que se manchou com essa culpa pior do que aquele que caiu em outras formas de pecado. Deve tornar-se consciente com maior clareza das peculiaridades próprias do direito da fé e da justificação pela fé e encontrar novos caminhos, para deixar aberta a comunidade dos fiéis inclusive para aqueles que não conseguiram manter o sinal da Aliança na plenitude de sua pretensão.
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Assim Joseph Ratzinger contestou as teses de Paulo VI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU