20 Junho 2018
Filósofo e sinólogo François Jullien reaviva os "recursos do cristianismo" a partir de uma releitura apaixonante do Evangelho de João. Sem se pronunciar sobre fé.
A entrevista é de Isabelle de Gaulmyn e Antoine Peillon, publicada por La Croix, 11-06-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
François Jullien nasceu em 2 de junho de 1951 em Embrun (Hautes-Alpes). Ex-aluno da Ecole Normale Superieure da rue d'Ulm (Paris), professor de Filosofia (1974), doutor em estudos sobre o Extremo Oriente (1983). Professor Universitário, titular da cátedra sobre a alteridade na Fundação Maison des Sciences de l'homme. Em 2010 recebeu o Prêmio Hannah Arendt para o pensamento político e, em 2011, o prêmio filosofia da Académie Française para o conjunto da sua obra.
Ao publicar esse livreto sobre os Ressources du christianisme, você surpreende seu mundo. Como se interessou pelo pensamento cristão?
Porque acredito que exista um problema. Que é inclusive um problema político. Hoje, a Europa luta para se construir, porque tem em suas mãos o "affaire" cristão e não sabe o que fazer com ele. Isso a deixa embaraçada.
Vejamos as peripécias do preâmbulo da Constituição Europeia entre 2001 e 2004. Queria-se definir uma identidade europeia. Alguns disseram que tinha "raízes cristãs"; outros, laicas. Entre a tradição do Iluminismo e a tradição cristã, não quis se fazer uma escolha. E não se soube dizer nada, enquanto, na verdade, a Europa é um desvio introduzido pelo cristianismo entre a fé e a razão. A Europa está em crise porque não sabe administrar esse "affaire" cristão que tem dentro dela, com igrejas cada vez mais vazias, mas ao mesmo tempo um "fato cristão" que todos têm mais ou menos dentro de si.
Você ficou impressionado desde o início pela linguagem usada pelo cristianismo para transmitir sua mensagem.
A primeira grande singularidade do cristianismo é que o testemunho de Cristo é expresso, nos Evangelhos, na língua grega e não em hebraico, e nem mesmo no aramaico falado por Jesus, o que dá ao cristianismo, desde o início, uma vocação universal.
Você trabalhou especificamente no evangelho de João. Por quê?
Porque apresenta uma forma de radicalismo que não é encontrada nos três evangelhos sinópticos. João não tenta converter, ao contrário de Paulo; não é ideólogo. Ele está interessado no que acontece, no que permite o evento, no seu surgimento. É em João que encontro mais recursos para mim, é aí que o desvio criado pelo cristianismo em relação a todos os outros modos de pensar é expresso com maior radicalidade.
Então, o que é esse desvio fecundo do cristianismo de que você fala?
Cristo é totalmente homem e totalmente Deus, é uma contradição flagrante. Eu que passei meu tempo entre os Gregos e os Chineses, acho que essa contradição seja a coisa mais extraordinária da inteligência cristã. Em seu evangelho, João permite que sintamos a novidade, o inaudito.
Deus parte do Deus eterno para morrer como escravo na cruz. Deus cria assim um desvio sobre si mesmo.
Não se imobiliza em uma essência de Deus, que seria um Deus morto. É justamente a singularidade do cristianismo essa parte de homem dentro de Deus. Nos evangelhos, Deus se desfaz de si mesmo para se promover.
Como isso pode ser um recurso para a atualidade?
Pode ser porque o desvio obriga você a sair do previsto, do acordado. Os gregos não falam de desvio, mas de diferença. A diferença "coloca ordem", separa distinguindo. O desvio faz o inverso: apresenta a interrogação para saber até onde chega a distância. O desvio perturba, não coloca ordem. Tem uma vocação exploratória. Leva a descobertas. O desvio não abandona o outro, o mantém diante de si. O desvio não é uma "lacuna", uma vala. Pelo contrário, o desvio permite que algo apareça "entre", para trazer à presença a alteridade, na qual é possível algo de comum. Em um casal, por exemplo, é preciso ser capaz de recriar a alteridade para renovar o encontro.
O que é esse "viver" que é promovido pelo cristianismo?
João fala bem sobre isso no episódio da mulher samaritana, que dá a Cristo água para beber (João 4: 5-42). Distingue a vida entre o estar simplesmente em vida, entre ser animados (psyché), e a vida que se há em si, em plenitude (zoé). A mulher samaritana parte do primeiro sentido da vida, a vida vital dada pela água que sacia a sede. Depois chega à vida como fonte de vida, "efetivamente viva", que eu chamo de vida superabundante. Jesus não abre outro caminho, mas ensina a entender a vida de uma maneira diferente, espiritualmente.
Espiritualmente?
Atenção, a espiritualidade é hoje uma grande lata de lixo onde se coloca de tudo. Para mim, espiritual tem um significado profundo. Todo o problema de João é entender como não permanecer no vital para desdobrar em mim a vida em sua expansão, que jorra, superabundante. Mas esse problema, hoje, devido ao fato da retração do religioso, caiu estupidamente sob o jugo do que é chamado de "desenvolvimento pessoal". No entanto, o cristianismo permite recolocar um aspecto e uma inteligência para o modo de pensar como promover, em si, a vida verdadeira.
Você vê uma ética da vida...
Há uma dimensão ética essencial ao cristianismo. "Existir" é, etimologicamente, "ficar fora". O homem é o único ser vivo que pode se manter fora de seu ambiente. O sujeito humano está, ao mesmo tempo, no mundo e fora do mundo. Isso fica bastante claro no episódio da mulher adúltera: a famosa frase "Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela" (João 8,7) evita o juízo em que se encerra o mundo. Cria uma fissura no sistema.
Alguns acreditam que o cristianismo leve a viver fora do mundo...
João diz: "Meu reino não é deste mundo", e isso pode realmente ser lido como a rejeição do mundo. Eu penso que seja um erro, porque o evangelista faz sentir outra coisa. Não há rejeição do mundo, porque Deus ama o mundo. Mas o mundo significa uma totalidade de pertencimentos. É, portanto, uma forma de fechamento. Existir, no sentido cristão, convida, apesar de estar no mundo, a se manter fora do mundo. Não é apenas uma abertura formidável, é a única possibilidade de verdadeiro encontro.
Em João, Cristo diz aos seus discípulos: "Eu me retiro e vou em sua direção".
No texto grego, as duas partes são simultâneas. Deveria ser traduzido da seguinte forma: "Com a minha retirada, vou em sua direção".
É como o amor: devemos nos separar para retornar. Para acessar o íntimo do outro. O encontro do outro é feito fora do mundo. Outro lugar, de onde o outro vem. Jesus abre dessa forma uma dimensão outra ou, melhor dizendo, uma dimensão do Outro.
Você se coloca voluntariamente fora da fé. Mas esse Outro, que se encontra fora do mundo, não é Deus?
Não me incomoda que seja chamado de Deus. Há dois pensamentos do outro. O outro é definido como o oposto do mesmo. O que está diante, diferente do mesmo. O outro é externo a si mesmo: é o Outro judaico e cristão, aquilo que não se pode integrar, o Outro que só podemos encontrar. Toda a Bíblia é o relato do encontro de Deus enquanto Outro.
Por que você diz que a Europa está em crise em relação ao cristianismo?
O recurso do cristianismo é a possibilidade de sair de si mesmo, de não recorrer a esse fechamento sobre si. É um desafio político pensar o outro nesses termos, como aquele que me permite sair de mim mesmo. O espaço político não é apenas o mundo. Existe um ideal, e é nesse ideal que eu posso encontrar o outro. O ideal é uma palavra que descreve uma geografia da Europa. A Europa não tem mais ideais que a estimulem, tornou-se uma tratativa entre pequenos comerciantes. A alteridade foi perdida, daí a retirada comunitária, com todos os seus frutos venenosos.
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"A Europa não sabe mais o que fazer do cristianismo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU