04 Mai 2018
“Independentemente de se vão ganhar ou perder nas próximas eleições, já podemos afirmar que surgiu outra onda progressista na região”. A reflexão é de Alfredo Serrano Mancilla, economista, atual diretor executivo do Celag (Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica), em artigo publicado por Alai, 30-04-2018. A tradução é de André Langer.
Independentemente de se vão ganhar ou perder nas próximas eleições, já podemos afirmar que surgiu outra onda progressista na região. Este novo bloco é formado por: Morena, no México, com a liderança de Andrés Manuel López Obrador; Gustavo Petro, do Colômbia Humana; Verónika Mendoza com o Novo Peru; e os jovens Gabriel Boric e Giorgio Jackson da Frente Ampla, no Chile. Nenhum deles é um personagem novo na política, mas seus partidos políticos o são. Cada um tem suas particularidades, próprias do contexto histórico de cada país. E, no entanto, todas essas alternativas têm características em comum:
1) Surgem em países que há décadas são governados por neoliberais. É precisamente na Aliança do Pacífico que se observa a emergência destas propostas alternativas, baseadas na reivindicação de alguns mínimos na área do direito social e da soberania. Após anos de aplicação de uma política de “normalização duradoura” de condições de vida paupérrimas para uma grande parte da população, germinam, em contraposição, opções políticas em sintonia com as demandas básicas de educação, saúde, emprego e salário e oportunidades para os jovens. A eficácia da estratégia de inoculação do “não podemos” como senso comum dominante começa a entrar em crise, para transitar para um estágio não tanto do “sim, podemos”, mas antes para uma espécie de “talvez possamos”. E isso é precisamente o que abre um momento incomum de disputa nestes países neoliberais que, por enquanto, nunca tinham visto sua hegemonia posta em risco.
2) Não nascem de mobilizações, mas o fazem de maneira silenciosa. Não são tempos de bloqueios de estradas e de multidões marchando. A nova maioria não se manifesta com veemência, mas seu descontentamento cresce sem retorno. Desconfiam de quase tudo o que vem da política e, por isso, sua forma de se aproximar das novas propostas é muito mais “light”. O apoio não é visceral nem vem com um contrato de fidelidade eterna. Por enquanto é transitório, conjuntural; tudo está por um fio, sempre estão em vigilância. Mas, pouco a pouco, e à medida que as políticas neoliberais avançam e crescem a desigualdade e a exclusão, e assoma com maior probabilidade a possibilidade de pôr um ponto final ao velho, o voto pela mudança cresce. A via eleitoral apresenta-se, assim, como um caminho sigiloso que já canaliza a insatisfação, sem necessidade de ter que ir até as praças.
3) Elas têm suas origens na esquerda. Todos os atuais representantes desta nova onda progressista latino-americana vêm do mesmo lugar político, embora com suas próprias nuances. Isso sim: todos militaram em propostas de esquerda. Lutaram em trincheiras que, com o passar do tempo, foram abandonando. Petro deixou o M19 e o Polo Democrático; López Obrador, o Partido da Revolução Democrática (PRD); Verónika Mendoza, a Frente Ampla; e Boric e Jackson, foram deixando para trás os espaços da esquerda universitária para dar o salto para a política nacional. Ou seja, todos tiveram um ponto de partida na esquerda e, com o passar dos anos, foram se transformando em função de suas próprias circunstâncias, sem deixar de ser o que eram, mas atualizando as propostas e o projeto político que agora defendem.
4) Evoluem para um campo político progressista ainda em construção. Ainda é muito cedo para espartilhá-los e para rotulá-los. O desenlace dependerá da margem de possibilidades para abrir brechas e, também, do que a população quer. Não há revoluções nem mudanças políticas feitas a partir de um software. Tudo está em função de condições objetivas e subjetividades dominantes. A primeira coisa é encontrar a sintonia com a reivindicação atual das pessoas. Depois, se verá. Se se chegar ao governo ou não e em que condições de força. Os fatores que marcarão a vida de cada projeto político são múltiplos. Até o momento, têm algumas concordâncias: exigir direitos sociais básicos, políticas mais inclusivas, oportunidades mais igualitárias e maior grau de soberania. Mas nenhum desses projetos políticos está fechado; tudo está em pleno desenvolvimento.
5) Tentam ser equidistantes entre a velha direita disfarçada de nova e a esquerda nascida no início do século XXI. Claramente, situam-se nas antípodas da ofensiva conservadora. No entanto, também procuram se distanciar da esquerda de Chávez e Maduro, Evo Morales, Rafael Correa, Néstor Kirchner e Cristina Fernández, e de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Não querem ser herdeiros de ativos ou passivos de outros processos que lhes são estranhos, embora tenham tido um certo grau de influência, pelo menos em um ensinamento: a necessidade de ter que assaltar o poder para mudar as coisas. Mas não querem ser responsáveis por outros processos. É como uma sombra que os persegue, porque é usada por seus detratores para estigmatizá-los rapidamente como o velho, como o passado. Este é um dilema a ser resolvido que, certamente, à medida que vão se emancipando e tendo sua própria vida, essas comparações recorrentes deixarão de ser eficazes.
Em suma, a vida política sempre está em movimento. Nada permanece estático, por mais que uma sociedade pareça adormecida. Sempre há um fio que pode ser tocado. Nem sempre é o mesmo em cada momento histórico. Cada época tem suas regras e sua própria episteme. Nestes anos em que muitos falam de fim de ciclo, podemos assegurar exatamente o contrário: outro ciclo está surgindo, talvez mais calmo, mas que pode voltar a dar outro salto adiante na história da América Latina.
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Um novo progressismo latino-americano. Artigo de Alfredo Serrano Mancilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU