25 Abril 2018
A cada 40 segundos, uma pessoa se mata no mundo. Isso é mais do que guerra e homicídios juntos. No Brasil, a taxa de homicídios é maior, mas o número não deixa de ser assustador: são 32 casos por dia. Apesar de ser chamada de “epidemia silenciosa”, há informações disponíveis que são muito úteis para prevenção. Precisam ser divulgadas e colocadas em prática.
Listei algumas informações abaixo. Há informações novas e outras resgatadas de posts anteriores. São sinais de alertas, mitos, orientações para familiares, amigos e psiquiatras. Espero que sejam úteis.
A reportagem é de Camila Appel, publicada por portal Uol, 24-04-2018.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma cartilha sobre o aconselhamento do suicídio com algumas recomendações. Ela pode ser acessada aqui. Há um capítulo muito importante sobre crianças e adolescentes. Destaco o parágrafo abaixo.
“O aconselhamento é apropriado para todas as crianças e adolescentes com comportamentos suicidas e deve focar-se no tratamento cognitivo comportamental, com ênfase na capacidade para enfrentar problemas. Os objetivos do aconselhamento eficaz podem incluir uma melhor compreensão de si mesmo, identificar sentimentos conflituosos, melhorar a auto-estima, mudar comportamentos desadaptativos, aprender a resolver conflitos, e a interagir mais eficazmente com os colegas. É provável que estudantes peçam ajuda a um amigo durante os estádios iniciais da ideação suicida. Treinar estudantes para que identifiquem colegas em risco de tal comportamento pode contribuir para que os estudantes recebam o auxílio de que necessitam. Os programas de aconselhamento por colegas têm-se revelado de grande ajuda para aumentar o conhecimento que os estudantes têm sobre fatores de risco do suicídio, e de como entrar em contato com uma linha telefônica de emergência ou centro de crise, e como encaminhar um amigo para um conselheiro. Os estudantes necessitam de um foro onde possam receber informação, fazer perguntas e aprender como ajudarem os seus amigos e a si mesmos com as suas preocupações suicidas. Infelizmente, apenas 25% dos estudantes contarão a um adulto se um amigo tiver ideações suicidas. No entanto, apresentações cuidadosamente preparadas para a sala de aula, feitas por conselheiros, podem ajudar a aumentar essa taxa”.
Segundo a cartilha "Preventing Suicide: A Global Imperative" – também da OMS (link aqui).
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), junto ao Conselho Federal de Medicina, disponibilizam a cartilha “Suicídio: informando para prevenir”. Em seu site, mencionam que 17% da população brasileira já pensou, em algum momento, em cometer o suicídio. A cartilha fala sobre como “abordar um paciente, explica de que forma as doenças mentais podem estar relacionadas ao suicídio, os fatores psicossociais e dados atualizados sobre o tema”.
Acreditam que desmistificar o suicídio seja fundamental para quebrar o preconceito que cerca o tema e ajudar a preveni-lo. Como a OMS, também listam alguns mitos. Um mito não mencionado pela OMS é o de que:
A cartilha da ABP indica que para uma prevenção, é necessário procurar fatores de risco, como: eventos adversos na infância e na adolescência, como abuso físico e sexual, histórico familiar e genética. A cartilha diz que “estudos de genética epidemiológica mostram que há componentes genéticos, assim como ambientais envolvidos”. Por exemplo: “O risco de suicídio aumenta entre aqueles que foram casados com alguém que se suicidou”.
A cartilha sugere a psiquiatras como abordar o paciente com desejo suicida e como identificar doenças mentais, como depressão, transtorno bipolar, transtorno relacionado ao uso de álcool e outras substâncias, esquizofrenia e transtorno de personalidade. Também ajuda a avaliar o risco real da pessoa cometer o suicídio.
A publicação americana de neurociência, Nature, lançou o artigo “A base molecular do cérebro suicida” (em tradução livre) analisando que há mudanças no sistema de neurotransmissores, mudanças inflamatórias e disfunção das células de glia no cérebro de quem está prestes a se matar.
O artigo da Nature defende que alguns fatores, como predisposição familiar, assim como adversidades no início da vida, aumentam o risco de suicídio na medida em que alteram as respostas do cérebro ao stress e a outros processos através de mudanças epigenéticas nos genes e na regulação da emoção e do comportamento.
A “American Foundation for Suicide Prevention” (uma organização americana voltada a prevenção do suicídio) diz que 90% das pessoas que cometem suicídio tem algum distúrbio mental. O mais comum é a depressão grave e outros distúrbios de humor, que podem levar ao suicídio se não forem diagnosticados corretamente ou recebido tratamento adequado. A organização aponta certas condições que podem ser consideradas riscos em potencial e divulga estudos comprovando análises post-mortem indicando diferenças biológicas no cérebro de quem cometeu suicídio.
Segundo essa organização, os sinais de alerta são: A pessoa falar sobre se matar, dizer não ter mais razão para viver, ou achar que é um fardo para os outros e falar sobre uma sensação de se sentir preso e sentir uma dor insuportável. Deve-se prestar atenção em mudanças bruscas de comportamento, especialmente relacionado a algum evento dolorido como perdas, notar se a pessoa aumentou o uso de álcool e drogas e passou a agir imprudentemente. Um sinal de alerta importante é a pessoa se isolar de familiares e amigos.
Na seção das perguntas mais frequentes do site da instituição, indicam que a melhor forma de agir quando vemos alguém considerando o ato, não é tentar convencê-lo a sair da situação com frases como: “você tem tanto para viver” ou “pensa em como isso vai machucar sua família”, mas sim mostrar empatia: “imagino como deve ser difícil para você estar se sentindo assim” e se colocar a disposição para ouvir.
Eu já publiquei, aqui, a carta de Gabriel de Souza Cunha. Um estudante que sobreviveu a uma tentativa de suicídio. Achei importante retomar dois parágrafos dela. Parecem representar bem o que as cartilhas acima apontam. O depoimento foi escrito em terceira pessoa.
“A conclusão mais precisa e confiável que ele pode compartilhar após passar por tudo isso, aponta para a importância do diálogo e da compreensão. Como disse Goethe, “Falar é uma necessidade e ouvir é uma arte”. E muitas vezes não estamos preparados para dialogar e compreender o que se passa com o outro nem sequer para falar sobre aquilo que se passa com nós mesmos.
“Hoje ele pensa que não se pode crer que a depressão seja uma frescura, ou que a ansiedade seja falta do que fazer ou mesmo que o suicídio se dê por falta de religião. Também não acredita que há que se falar em drama ou tentativa de chamar atenção. Na realidade, o que ele entendeu é que esses estados tornam a pessoa desinteressada pela própria vida e a diminuição da autoestima pode levar a consequências devastadoras. Isso porque não apenas o indivíduo como também todos aqueles que convivem com ele são impactados pela dor e pelo sofrimento que esses distúrbios acarretam.
Por isso, é de extrema importância exercitar a nossa empatia e se abrir ao diálogo. Falar sobre a depressão, a ansiedade e tantos outros transtornos mentais é dar visibilidade para assuntos que são considerados um tabu. Ajudar a difundir essa discussão é essencial para diminuir o preconceito e encorajar a procura pelo tratamento. É essencial não se resignar diante de uma situação dessas. Mesmo que seja difícil, é preciso se abrir para alguém de confiança. É preciso compreender as nossas emoções. É fundamental contar com o apoio da ajuda médica especializada. Ele descobriu tudo isso com o tempo, fazendo daquele famigerado erro o seu maior acerto. Viu que não estava a sós nessa luta, e só a partir disso começou a entender a fluidez da vida e a descobrir a sua leveza. Tal como na simplicidade dos escritos de Tolstói, colocou em prática que “o segredo da felicidade não é fazer sempre o que se quer, mas querer sempre o que se faz”.
A central de ajuda do Facebook tem um uma seção direcionada para “ajudar um amigo em necessidade”, estimulando usuários a relatarem ameaças de suicídios. Na “linha direta” ainda não há endereços ou telefones de ajuda no Brasil. Ao clicar em “tenho pensado em automutilação ou suicídio”, há recomendações como: fale com um amigo, procure uma linha de ajuda, saia, seja criativo, acalme seus sentidos, relaxe, mas ainda não há informações aplicadas à realidade brasileira – como uma lista de instituições nacionais que trabalham com prevenção e posvenção ao suicídio.
O Facebook, nos nos Estados Unidos, oferece uma ferramenta para que amigos de usuários reportem posts suspeitos – que indiquem uma tendência ao suicídio. Após analisar o pedido, uma equipe da empresa manda uma mensagem ao usuário em questão, contando que um amigo pensa que ele está passando por dificuldades e oferecendo canais de ajuda – ver uma seção de dicas e suporte ou falar com um amigo ou um profissional da área. Ainda não disponível em outros países.
A organização Samaritans chegou a lançar o aplicativo “Samaritans Radar” para alertar sobre usuários do Twitter com risco de se matar. O risco era medido por frases e palavras que indicassem a tendência, como “me odeio”, “cansado de estar sozinho”, “ajude-me” e “preciso falar com alguém”. O aplicativo foi cancelado nove dias após seu lançamento (novembro de 2014) devido a críticas sobre invasão de privacidade e facilitar que pessoas mal intencionadas tivessem acesso àqueles que estão em seu momento mais vulnerável.
Há diversos aplicativos internacionais gratuitos disponíveis para celular oferecendo informações – como mitos sobre o suicídio, sinais de alerta, como ajudar alguém em situação de risco, como ter uma conversa difícil, como ser um bom ouvinte… Mas eu não encontrei um aplicativo brasileiro nesse sentido.
A psicóloga e psicoterapeuta Karen Scavacini é a primeira brasileira a levantar sua bandeira e se especializar nesse conceito, originalmente criado pelo psicólogo americano Edwin Shneidman (1918 – 2009).
Segundo ela, esse tipo de luto difere-se dos demais e deve ser tratado com a especificidade que merece. Ela diz que se o psicólogo não tiver treinamento sobre os componentes do luto por suicídio, poderá confundi-lo com depressão e não trabalhá-lo da forma mais correta. Ele seria diferente em sua intensidade, duração e no impacto que tem no sistema familiar. Há um sentimento de rejeição, de responsabilidade e de julgamento que não necessariamente ocorre nos outros lutos. A culpabilização da família e dos amigos, por não terem percebido sinais, por exemplo, é muito grande. E segundo Karen, nem sempre há sinais claros. É possível uma família ser pega completamente de surpresa. Muitos desses sinais só farão sentido depois da morte e podem ser indiretos, difíceis de codificar.
“A dor do luto não pode ser quantificada, mas o impacto da perda por suicídio é maior. É um tsunami devastador. A forma como a família vai lidar com esse luto será muito singular e vai depender de como ela se relaciona entre si e seu conceito sobre o suicídio”, afirma Karen. A proibição do tema, que acaba virando um segredo familiar, também prejudica sua compreensão. “Quanto mais proibido ele fica, mais difícil de as pessoas poderem dar um sentido, mesmo que próprio, para essa perda”.
O tratamento de posvenção também deve ser levado às escolas, para minimizar o trauma dos colegas daquele aluno que se matou e evitar o suicídio por imitação. Karen diz que é indicado falar a respeito com naturalidade, mas evitar romantizar o ocorrido ou dar detalhes desnecessários.
Ela diz acreditar que o suicídio tem aumentado em função da observação clínica que sua profissão lhe permite fazer. Além de receber mais pacientes com tendências suicidas em seu consultório, notou o aumento de mais enlutados em função dele também. Nos congressos, Karen pergunta a seus colegas se observam a mesma realidade e ela afirma que todos, inevitavelmente, confirmam que sim.
E por quê? Para ela, as pessoas não estão conseguindo lidar com suas frustrações e não veem esperança e saídas para os problemas que encontram. O aumento seria um reflexo da sociedade contemporânea – indivíduos mais solitários e com maior dificuldade de se relacionar, de ter uma rede de apoio real e física. “Os contatos estão mais superficiais e menos genuínos. As pessoas não se encontram mais pessoalmente. O encontro virtual muitas vezes é ilusório”, afirma Karen.
Segundo a psicóloga, as redes sociais podem ter aspectos negativos, por naturalmente propiciarem uma comparação da sua vida com a do outro e daí concluir-se que sua vida não é tão legal assim, e como consequência, sentirem-se mais isoladas e menos felizes do que o outro. O bullying seria altamente prejudicial e um desafio a ser controlado, já que adolescentes têm menos consciência dos desdobramentos de seus atos e a velocidade da internet não permite “voltar atrás”.
Ao mesmo tempo, Karen afirma que é possível encontrar uma boa fonte de apoio no mundo virtual. “Ele prejudica e, ao mesmo tempo, ajuda. Vai depender da forma como o enlutado se relaciona”, ela afirma.
Ela indica dois mitos que contribuem para o aumento de sua ocorrência.
1) “Quem fala não faz” – essa desqualificação do pedido de socorro não ajuda em nada. E é comum o suicida avisar antes de cometer o ato.
2) “Não deve se perguntar sobre o pensamento suicida” – esse mito parte do pressuposto de que não se deve perguntar para uma pessoa cronicamente deprimida, por exemplo, se ela pensa em se matar. É um mito prejudicial porque, na maioria das vezes, o que ela mais quer é falar a respeito, o que segundo Karen, é o melhor remédio para a prevenção. “O interesse genuíno e a empatia têm um efeito curativo”, afirma.
Fundadora do Instituto Vita Alere, Karen faz a mediação de um grupo de enlutados por suicídio que se reúne a cada dois meses. “A ideia principal do grupo é ser um local de pertencimento, para que o outro sinta-se acolhido e possa dividir sua história”, afirma Karen. Contar sobre o ocorrido funcionaria como uma catarse – descrever como aconteceu, qual foi o último momento com aquela pessoa, se viu sinais ou não e tirar dúvidas.
“A dor é tão profunda que às vezes as pessoas acham que estão enlouquecendo de dor. É muito comum haver problemas de sono e crises de choro durante o dia e pensam no suicídio o tempo inteiro. Encontrar pessoas que passam por isso é muito benéfico, assim como ver como lidaram com datas difíceis, como o Natal, o aniversário de um ano da perda, etc”, diz Karen.
Karen quer abrir um grupo de discussão para terapeutas que muitas vezes precisam falar sobre como lidar com essa questão com seus pacientes. “Quanto mais você puder falar, mais você consegue elaborar”, ela afirma.
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Suicídio: uma falsa "epidemia silenciosa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU