06 Abril 2018
A agitação em torno da última “entrevista” do Papa Francisco, em que o pontífice foi citado negando o inferno, não mostra sinais de diminuir, depois que um colunista italiano foi demitido nesta semana após dizer que a entrevista era “fake news”, e o jornal dos bispos italianos defendeu a amizade do papa com o jornalista de 93 anos Eugenio Scalfari como um desafio saudável ao “catolicamente correto”.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 05-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois que a entrevista apareceu na Quinta-Feira Santa, o Vaticano emitiu uma negação, dizendo que não era uma “transcrição fiel” daquilo que o papa havia dito. A linguagem utilizada ecoava as negações que o Vaticano emitiu após as “entrevistas” anteriores publicadas por Scalfari em 2013 e 2014.
Piergiorgio Odifreddi, um famoso matemático e lógico italiano, também era, há 18 anos, um colunista popular do jornal La Repubblica, muito lido e de inclinação à esquerda, fundado por Scalfari em 1976 e onde suas três “entrevistas” com Francisco apareceram. Odifreddi anunciou nessa terça-feira, 3, em um post em seu blog, que havia sido demitido por um texto que ele havia postado no dia anterior sobre Scalfari.
No post, Odifreddi escreveu que Scalfari reconheceu, em novembro de 2013, que nunca leva um gravador ou um caderno de anotações para suas entrevistas e depois escreve a conversa de uma maneira não literal, usando suas próprias palavras.
De suas conversas com Francisco, Scalfari disse então: “Algumas das coisas que o papa disse eu não citei, e algumas das que eu citei ele não disse”.
Observando na segunda-feira, 2, era o Dia Mundial do Fact-Checking, Odifreddi perguntou por que o La Repubblica “não põe um freio nas fake news de Scalfari e até finge, ao contrário, não se dar conta delas, quando todo o resto do mundo fala a respeito e se escandaliza com isso”.
“A minha impressão é de que, no fundo, a verdade não importa nada aos jornais”, disse Odifreddi. “Se uma notícia falsa faz com que se fale mais do que uma verdadeira, então aquela é mais útil do que esta.”
O editor do La Repubblica, Mario Calabresi, depois, esclareceu em uma nota a Odifreddi que ele havia sido demitido não por criticar Scalfari, o que ele disse que faz parte de um “livre debate”, mas sim por ofender seus colegas no jornal.
“A única liberdade que não se pode tomar é a de insultar ou zombar da comunidade com a qual se trabalha”, escreveu Calabresi. “Fazemos o nosso trabalho com paixão e com profissionalismo, e a gratuidade de suas palavras de ontem nos feriram.”
Enquanto isso, outro renomado colunista italiano, o Pe. Mauro Leonardi, na terça-feira, 3, usou as páginas do Avvenire, o jornal oficial da Conferência Episcopal Italiana, para responder aos críticos que sugeriram que Francisco pare de se encontrar com Scalfari, sabendo que suas palavras provavelmente serão distorcidas e sensacionalizadas, e o resultado serão manchetes enganosas.
Leonardi escreveu que o que esses críticos deixam de apreciar é que Francisco e Scalfari são amigos – de fato, escreve ele, Scalfari está “apaixonado” pelo pontífice.
“Ao falar das conversas entre Scalfari e o papa, deveríamos nos deter mais no fato de que o papa, com Scalfari, fala a nós. Fala a nós como faz o Espírito Santo: o papa fala, e o amigo, Scalfari, o compreende ‘na própria língua’, com seus códigos”, escreveu Leonardi.
“E, para o papa, está bem assim, ele não o corrige”, disse. “Com Scalfari, o papa não se comporta como Francisco, mas como Jorge Mario”, disse Leonardi, usando o nome civil do papa.
“Se Eugenio Scalfari crê que Jorge Mario pensa como ele que o inferno não existe, está tudo bem para Jorge Mario, ele não o corrige”, disse Leonardi. “Porque ser amigo não é fazer proselitismo, mas encontrar espaços comuns, sem temer aquelas distorções e contaminações que sempre existem em toda amizade.”
Leonardi então se voltou aos críticos do papa.
“E esta é a verdadeira razão do escândalo entre alguns personagens ‘catholically correct’”, escreveu ele. “A amizade entre Scalfari e o papa levanta críticas e perturbações porque não é de parte, visto que não é de nenhuma parte”, disse Leonardi. “Não é secular e não é católica. É amizade, e ponto final. Uma amizade que não pode ser enjaulada em algum objetivo institucional ou vantagem pessoal.”
O Pe. John Wauck, sacerdote estadunidense do Opus Dei que mora em Roma, professor da Universidade da Santa Cruz e frequente comentarista de mídia sobre os assuntos católicos, disse que não levou a suposta “entrevista” muito a sério quando soube dela.
“Minha primeira reação, especialmente porque esta não foi a primeira vez, foi: ‘Lá vai o maluco do Scalfari de novo’”, disse Wauck, falando ao programa de rádio The Crux of the Matter, transmitido pelo The Catholic Channel.
“Ele está publicando uma manchete bastante ultrajante, que parece estar em completa contradição com a fé cristã e com outras coisas que Francisco disse”, afirmou.
Em vez de se escandalizar, Wauck vê isso como uma oportunidade.
“Eu diria que é um momento de ensino”, disse, neste caso, uma oportunidade de explicar melhor o que a Igreja ensina sobre o inferno.
“O inferno, na verdade, é o modo de Deus nos levar a sério”, disse Wauck.
“Se somos capazes de determinar a nossa eternidade em um bom sentido, ou seja, a vida eterna, Deus, felicidade, prazer, tudo aquilo que vai durar para sempre com base naquilo que fizemos, faz sentido que haja um outro lado”, disse.
“Às vezes, pensamos que o inferno parece um pouco desproporcional, mas o Céu também é desproporcional”, disse Wauck. “Deus se envolve (...) Ele nos deu tudo, e o inferno é um lembrete daquilo a que podemos virar as costas, que é algo infinito.”
Diante disso, Wauck disse ter ficado surpreso pelo fato de o próprio Francisco não ter aproveitado o inesperado momento de ensino que ele ajudou a criar.
“Devo admitir, estou um pouco surpreso que o papa não tenha aproveitado o momento, exatamente agora. Estávamos na Semana Santa, com o ensinamento tradicional de que Cristo desceu aos infernos, o ‘tormento’ das almas que aguardam a redenção. Era exatamente nesse momento que a primeira página dos jornais seculares de todo o mundo dizia: ‘O que o papa pensa sobre o inferno?’”
“Teria sido um grande momento para sair e dizer alguma coisa”, disse ele.
“Certamente – disse Wauck –, para os padres, em suas comunidades, é um momento de ensino. É uma oportunidade para falar sobre isso. Quando foi a última vez que você viu todas essas pessoas seculares fazendo perguntas sobre a escatologia católica?”
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Na Itália, aumenta a agitação em torno da suposta entrevista com o papa sobre o inferno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU