04 Abril 2018
Os atormentadores de plantão do Papa Francisco repetem sem parar que o pontificado argentino está "extenuado". Até mesmo muitos apoiadores do passado sacodem a cabeça, falando em decepção. Levantam o dedo como fossem grandes professores. Denunciam todos os problemas das "cabeças cortadas". Estigmatizam atrasos e hesitações em resolver com seus "superpoderes" todos os males da Igreja. Alguém puxa e avalia a agenda ultraliberal que tinha sonhado costurar no Papa e se queixa de que, até agora, realmente nada foi feito. Mesmo os comentadores e analistas estão alinhados com o novo estado de espírito. Primeiro, cantavam a "revolução" do Papa. Agora se esmeram com tons graves e pensativos em desenhar balanços provisórios no vermelho para o papado em andamento. Contam os anos de Bergoglio de acordo com o formato de apresentação utilizado para os desempenhos – de fracasso ou sucesso - dos capitães de empresas. Os slogans midiáticos levantados em torno dos Papas que "decepcionam" são um fenômeno recorrente, que também marcou as últimas temporadas eclesiais.
O artigo é de Gianni Valente, publicado por Vatican Insider, 04-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Às vezes, os "decepcionados com o Papa" cobram do Sucessor de Pedro não ter cumprido as suas promessas de aberturas e "modernizações" que haviam sido atribuídas a ele. Paulo VI sofreu na carne a reprovação de ter traído e "normalizado" o Concílio Vaticano II. O pontificado de Pio IX foi cercado no início pelas expectativas messiânicas daqueles que esperavam que graças a ele seriam realizadas as mudanças esperadas no Estado Pontifício, e que mais tarde acabariam o rotulando como "o Papa do Sílabo”, o campeão da reação antimoderna.
Mais recentemente, até mesmo o Papa Ratzinger desapontou estrategistas de teclado que haviam idealmente jogado em seus ombros um programa de refundação identitária, um projeto de “revolução papal” com o objetivo de homologar os organogramas e os registros eclesiais com a ideologia muscular das batalhas culturais. Enquanto o alto clero daqueles anos realizava desastres divulgados em Vatileaks, Bento, em vez de dar batalha, diante dos escândalos de pedofilia ousou até dizer que os crimes do clero 'tinham obscurecido a luz do Evangelho a tal ponto, ao qual nem sequer séculos de perseguições não tinham chegado" (Carta aos católicos da Irlanda, n. 4). Um tom penitencial que para determinados "ratzingeristas de batalha" era equivalente a uma rendição incondicional, a uma deserção.
Hoje, ao lado das fileiras dos detratores militantes do atual pontificado, também se assomam aquelas dos soturnos "observadores" de coisas Vaticano-eclesiásticas que anteriormente alimentavam o fetiche mundano do papa superstar, herói solitário e taumaturgo, e agora o acusam de atrasos e pífios resultados na obra da recapitalização da "empresa-Igreja". Na realidade, como aconteceu já no passado, inclusive desta vez a chegada das retóricas celebrantes do conformismo pode representar uma passagem salutar e até necessária para descobrir do que vive e com que mão é plasmado, momento a momento, o mistério da Igreja. O que também o próprio Papa Francisco continua a sugerir dia após dia, no percurso de seu pontificado.
Em sua viagem ao Chile, falando ao clero de uma Igreja ferida e castigada também pelos pecados e crimes de alguns de seus mais altos expoentes, o Papa Francisco repropôs as "horas de perplexidade e angústia" vividas pelos primeiros amigos de Cristo após sua morte na cruz, apenas para repetir que justamente nessas horas “nasce o apóstolo". Mesmo diante de Pedro, que o renega e vê fracassar os seus propósitos de fidelidade, "Jesus – disse o Papa - não usa nem a reprovação, nem a condenação. A única coisa que quer é salvar Pedro. Ele quer salvá-lo do perigo de ficar preso em seu pecado, de permanecer "remoendo" a desolação fruto do suas limitações; do perigo de falhar, por causa de suas limitações, com todo o bem que havia vivido com Jesus".
A experiência das próprias limitações, do próprio pecado afagado e perdoado por Cristo – repete o papa Francisco - distingue os cristãos dos seguidores de ideias e verdades religiosas ou dos militantes de causas justas. Da mesma forma - sugere o atual Sucessor de Pedro, com a sua pregação - sempre que a Igreja é forçada pelos fatos a colocar de lado a reivindicação mundana de se autogerar, de se autopurificar e de conduzir com verdadeiras ou supostas competências "gerenciais" a sua presença na história, justamente essa dinâmica pode ajudar a todos a reconhecer o mistério da graça que a gera e a mantém viva, momento a momento.
O Papa Francisco usou repetidamente a imagem do "crepúsculo do apóstolo," para repetir que a grandeza de cada discípulo está em fazer com a vida o que João Batista dizia de Cristo: "É necessário que ele cresça e que eu diminua". Qualquer verdadeiro apóstolo - repetiu Bergoglio numa homilia em Santa Marta - é aquele que "dá a sua vida para que o Senhor cresça. E, no final, há o crepúsculo". O atual bispo de Roma quis sugerir com veia humorística que a mesma dinâmica pode ser percebida e valorizada mesmo em tantos acidentes e "fracassos" registrados na comunidade eclesial: "O Senhor é bom - repetiu o Papa Francisco durante a sua visita pastoral a Milão - e quando uma congregação religiosa não segue pelo caminho do voto da pobreza, geralmente lhe envia um ecônomo ou uma ecônoma ruim que destrói tudo. E isso é uma graça".
As decepções e faltas de sucesso censuradas também ao atual Bispo de Roma provêm de quem não o leva a sério, cada vez que ele repete que é apenas um pecador amado e perdoado por Cristo. As rígidas análises sobre as "expectativas não cumpridas" de seu pontificado não entendem que justamente a confissão serena de suas próprias limitações, ou seu distanciamento de qualquer caricatura "messiânica" derivam do fato de entender que a Igreja não é uma realidade pré-constituída e autossuficiente, mas depende a cada passo da ação eficaz e presente de Cristo. Um reconhecimento que também ajuda a driblar triunfalismos clericais sempre à espreita.
Se a Igreja "não tem outra vida, senão a da graça" (Paulo VI, Credo do Povo de Deus), esse seu traço genético também ajuda a discernir as tentativas de reformar as suas estruturas e suas formas históricas, para que tornem cada vez mais transparente o mistério que a faz viver.
As autênticas reformas na Igreja - ensinava Yves Congar - seguem o principal critério de tornar mais fácil a caminhada dos fiéis, e não o de ter aplausos dos especialistas em marketing de negócios e gestão de recursos humanos. Por isso geralmente ocorrem lentamente, sem alarde, discretamente. Por processos osmóticos, por imitação, e não por força de projetos vindos de cima. Por isso, os efeitos das tentativas de reforma precisam ser avaliados de maneira realista e artesanal, sem dogmatismos e rigidez de posturas. Deixando aberta a possibilidade de mudar as coisas ou corrigi-las durante a construção, sempre que for percebido que foi tomado o caminho errado.
A abordagem flexível para as inegáveis necessidades de reformar o corpo eclesial, mesmo em seus aspectos institucionais (Ecclesia semper reformanda) é o mais respeitoso com a própria natureza da Igreja. Ele funciona como um antídoto para o neo-clericalismo que pretende construir uma comunidade eclesial autossuficiente, avessa a se curar de seus males e corrigir as coisas com operações de engenharia social e "gestão" pastoral. Ou seja, ocultando e remoção a própria dependência do "mistério e da operação da graça" (Charles Péguy).
Na atual temporada eclesial, muitos daqueles que se percebem como "elites pensantes" dentro e em torno da Igreja continuarão a jogar cansadamente com os simulacros "bergoglianos" que enchem o proscênio da mídia: o Papa superstar, grande reformador chamado para atualizar a Igreja para adequá-la ao mundo, e o Papa "irregular" portador de estresse.
Para aqueles que, ao contrário, querem seguir o Papa de carne e ossos, e continuar com ele na simples fé dos apóstolos, é conveniente livrar-se dos lastros, aliviar o peso da mochila e prosseguir ao longo de outras vias. Aquelas de seu magistério do dia-a-dia, das homilias cotidianas, das catequeses, de todas as palavras papais que muitas vezes são obscurecidas pelas vozes e ruídos dominantes no fluxo da informação do Vaticano e eclesial.
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Papa Francisco e a acusação dos "desapontados" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU