14 Março 2018
Cinco anos tornam possível a tentativa de uma primeira "historicização" do pontificado do Papa Francisco.
Falamos sobre isso com Daniele Menozzi, professor de história contemporânea na Normale di Pisa, estudioso do papado na era moderna e contemporânea.
A entrevista é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 13-03-2018. A tradução é de Ramiro Mincato.
Papa Francisco: continuidade ou ruptura na linhagem do papado do século XX?
O termo ruptura implica mudanças radicais, preferiria palavras menos exigentes. Francisco realiza uma viragem na orientação que o papado propõe à Igreja universal, religando-se ao endereço de João XXIII, sobre a necessidade de um aggiornamento. Roncalli pretendia colocá-la em condições de transmitir a mensagem evangélica em termos adequados aos homens contemporâneos, restaurando a capacidade apostólica e aquela força de atração, que a cultura da intransigência a havia privado. Roncalli ajudou a Igreja a emergir da hegemonia da centenária cultura católica intransigente e, Bergoglio a ajuda emergir do neo-intransigentismo de seus dois predecessores.
Depois de Wojtyla e Ratzinger, papas "anti-modernos", qual é a atitude de Francisco com relação à modernidade?
A proposta de João XXIII, explicitada no Concílio Vaticano II, foi interpretada em chave redutora por João Paulo II, e ainda mais por Bento XVI. A atualização eclesial não foi rejeitada, mas enquadrada no interno do tradicional esquema de intransigência: mesmo reconhecendo alguns valores modernos (liberdade religiosa, igualdade entre confissões, direitos humanos), a Igreja não devia deixar de afirmar que só ela detinha, pela correta interpretação da lei natural, a capacidade de definir os institutos fundamentais da vida coletiva. Às suas prescrições, todos os ordenamentos estatais teriam que se conformar. Francisco não abandonou essa perspectiva, contraposta a uma modernidade entendida como autodeterminação do sujeito. Mas, deslocou a ótica. A Igreja deve enfrentar problemas prioritários em relação à introdução nas legislações públicas de "princípios não negociáveis": a pobreza de grande parte do planeta; a globalização da cultura do lucro que determina a eliminação das pessoas; a persistência da guerra nas relações internacionais com a relativa ameaça nuclear; a tragédia das migrações; a destruição do meio ambiente.
O fato de que Bergoglio seja latino-americano tem peso?
É importante. Na América Latina, o reconhecimento da dignidade da pessoa não se joga tanto na aceitação das reivindicações de autonomia dos sujeitos, como na Europa, mas em temas como pobreza, meio ambiente, violência. No entanto, deve-se ter em mente que Francisco é o primeiro papa pós-conciliar a não participar pessoalmente do Concílio. Seu olho não é o de um protagonista, vinculado a uma lembrança específica do evento e decidido a usar as ferramentas à sua disposição para impô-la. Ele lê isso com os olhos daqueles que querem entender seu significado histórico. E, na verdade, identificou um traço decisivo: a necessidade de mostrar aos homens e mulheres de hoje a relevância do Evangelho para sua própria existência.
Quais são os momentos mais importantes deste pontificado?
Muitos, mas para síntese, listo três. O Sínodo sobre a família, pela abertura, embora limitada, a ouvir todo o povo de Deus sobre este tema. O Ano Santo, pela ressignificação da cerimônia, ao menos em duas direções: descentralização do governo da Igreja (com a abertura do Jubileu em Bangui), e o caminho para que os fiéis identifiquem na misericórdia um traço essencial do Evangelho. A mensagem para a paz de 2017, pela indicação da não-violência ativa como ferramenta para a resolução dos conflitos.
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Bergoglio deslocou a perspectiva da doutrina para o social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU