03 Abril 2018
Com os presos, com os padres e no fim da Via Sacra, confirma-se a trama de um pensamento unitário: a Igreja do Concílio deve passar para os fatos após as proclamações de renovação. Começando pelo modo de ser bispo, padre, cristão leigo, engajados por um objetivo concreto: a dignidade de cada pessoa.
A reportagem é de Carlo di Cicco, publicada por Tiscali, 02-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Compreende-se melhor o Papa Francisco em momentos espirituais importantes como os dias que precedem a Páscoa e a própria Páscoa. Capta-se com mais clareza para onde está viajando e qual é o espírito que o sustenta. À maneira de Jesus, nessas circunstâncias especiais, ele faz e ensina: não apenas com palavras, mas também com gestos. Gestos que sempre o colocam do lado de fora do palácio, ao lado daqueles que pouco importam, que sofrem exclusões sociais, que experimentam lágrimas e dores. Parece que ele sente a sua missão de ser um papa que vai em busca das ovelhas perdidas e que indica essas ovelhas à parte que já vive a vida cristã e atua em instituições católicas como parte da atenção e do serviço.
Restaurar a dignidade das pessoas, restaurar a consciência de todos da própria dignidade de filhos de Deus, capazes, portanto, de contribuir com sociedades que refletem tal dignidade universal. O mundo novo, a Igreja renovada que Francisco traz no coração precisam redescobrir o sabor das palavras. Ele sabe dar sabor novo a palavras comuns.
Sem dúvida, Francisco está mostrando um carisma extraordinário por fazer isso, mas ele o vive de tal maneira que todos o sentem próximo e ao lado de cada um, seja qual for o papel que desempenha na sociedade e na Igreja.
Seu convite, acima de tudo, é a se considerar a serviço dos outros. Um serviço que brota da convicção de que não somos autossuficientes, mas precisamos de uma corrente de solidariedade. A gratuidade ao dar algo de si para a alegria dos outros é o primeiro passo para um mundo novo. Todos podem contribuir com isso, até mesmo o prisioneiro.
Certamente, dá o que pensar um papa que, ao falar com os presos, não se coloca acima, mas no meio deles como um irmão pecador. Apenas mais sortudo. Partir o pão da humanidade é um dos segredos de Francisco. Ele sabe dizer como é grande a dignidade de ser pessoa e capaz de fazer o bem para vencer o mal. É uma perspectiva interessante para regenerar a política e a economia a partir dos pequenos passos, mas necessários para o sucesso do projeto.
Basta pensar novamente na visita de Francisco aos encarcerados de Regina Coeli na noite da Quinta-Feira Santa. De manhã, falando aos padres, ele havia lhes recordado que este é o tempo de ser padres próximos do povo, à maneira de Jesus. Padres de proximidade. À noite, em vez de celebrar a memória da eucaristia sob as abóbadas de São Pedro, ele manteve a opção de ir celebrá-la entre pessoas pobres ou em dificuldade. Ele realiza com um sinal o mandamento do amor.
Detento abraça o Papa Francisco durante o rito do Lava-Pés da Quinta-Feira Santa na prisão “Regina Coeli” em Roma (Foto: Vatican News)
Assim que chegou à prisão romana, encontrou-se com os detentos doentes na enfermaria, depois celebrou a missa em memória da Última Ceia, lavando os pés de 12 presos provenientes de sete países diferentes: quatro italianos, dois filipinos, dois marroquinos, um moldavo, um colombiano, um nigeriano e um de Serra Leoa. Oito deles de religião católica, dois muçulmanos, um ortodoxo e um budista. Seu modo de ver e acolher as pessoas na sua pluralidade sem discriminações.
Ele tinha ido sem textos escritos e disse de improviso poucas palavras, nascidas da espontaneidade do coração. Eis algumas daquelas palavras de Francisco.
Lavando os pés, “Jesus inverte o hábito histórico, cultural daquela época – também da de hoje –, aquele que manda, para ser um bom patrão, onde quer que seja, deve servir. Eu penso tantas vezes – não neste tempo, porque cada um ainda está vivo e tem a oportunidade de mudar de vida, e não podemos julgar, mas pensemos na história – se tantos reis, imperadores, chefes de Estado tivessem entendido esse ensinamento de Jesus e, em vez de mandar, de ser cruéis, de matar as pessoas, tivessem feito isso, quantas guerras não teriam sido feitas!
O serviço: na verdade, existem pessoas que não facilitam essa atitude, pessoas soberbas, pessoas odiosas, pessoas que talvez nos desejam o mal; mas nós somos chamados a servi-las mais. E há também pessoas que sofrem, que são descartadas pela sociedade, pelo menos por um período, e Jesus vai lá lhes dizer: ‘Tu és importante para mim’. Jesus se chama Jesus, não se chama Pôncio Pilatos. Jesus não sabe se lavar as mãos: ele só sabe arriscar!”.
Diante de pessoas que pagam uma pena, Francisco acrescenta: “Hoje, eu, que sou pecador como vocês, mas represento Jesus, sou embaixador de Jesus. Hoje, quando eu me inclino diante de cada um de vocês, pensem: ‘Jesus arriscou neste homem, um pecador, para vir até mim e me dizer que me ama’. Este é o serviço, este é Jesus: nunca nos abandona; nunca se cansa de nos perdoar. Ele nos ama tanto. Vejam como Jesus se arrisca!”.
Um papa que inverte seu modo de ser papa e demonstra que ser um bom pastor é entendido mais do que se ele permanecesse no trono, certamente é algo novo na história. Francisco sugere, de alguma forma. que chegou a hora de pensar normalmente sobre um papa que se proclama como pecador como os presos.
Basta esse ponto de vista para que se compreenda a periculosidade do tranquilo pontificado de Francisco, subversivo para instituições infladas de si mesmas. E, nas palavras finais, Francisco aborda com clareza e naturalidade o problema político da prisão. “Não se pode conceber uma casa de detenção como esta sem esperança. Os hóspedes estão aqui para aprender ou para fazer crescer o ‘semear esperança’: não há nenhuma pena justa – justa! – sem que esteja aberta à esperança. Uma pena que não esteja aberta à esperança não é cristã, não é humana! Toda pena deve estar aberta ao horizonte da esperança. Por isso, a pena de morte não é nem humana nem cristã. Toda pena deve estar aberta à esperança, à reinserção, também para dar a experiência vivida pelo bem das outras pessoas”.
Do particular ao universal, Francisco sabe abraçar a história e as condições generalizadas no planeta, mas também pensa que um mundo novo só será possível com pessoas novas. Ele sugere isso no fim da Via Sacra, com uma oração dirigida a Cristo com um olhar “cheio de vergonha, de arrependimento e de esperança”. Vergonha, entre outras coisas, “porque tantas pessoas, e até mesmo alguns de teus ministros, se deixaram enganar pela ambição e pela vanglória, perdendo sua dignidade e seu primeiro amor; a vergonha porque as nossas gerações estão deixando aos jovens um mundo fraturado pelas divisões e pelas guerras; um mundo devorado pelo egoísmo, onde os jovens, os pequenos, os doentes, os idosos são marginalizados; a vergonha de ter perdido a vergonha”.
“Na escuridão do nosso desespero, acende-se a centelha da esperança, porque sabemos que a tua única medida de nos amar é a de nos amar sem medida; porque a tua mensagem continua a inspirar, ainda hoje, tantas pessoas e povos a que só o bem pode derrotar o mal e a maldade, só o perdão pode abater o rancor e a vingança, só o abraço fraterno pode dissipar a hostilidade e o medo do outro; porque tantos jovens continuam a te consagrar suas vidas, tornando-se exemplos vivos de caridade e de gratuidade neste nosso mundo devorado pela lógica do lucro e do dinheiro fácil; porque tantos missionários e missionárias continuam, ainda hoje, a desafiar a consciência adormecida da humanidade, arriscando a vida para te servir nos pobres, nos descartados, nos imigrantes, nos invisíveis, nos explorados, nos famintos e nos encarcerados.”
Francisco obtém toda essa energia para preparar novidades positivas a partir da experiência da fé em Jesus ressuscitado. Suas reformas na Igreja, em última análise, querem ser um meio de anunciar a Páscoa, ou seja, a verdade surpreendente de que o Senhor, em cujo nome ele fala, ressuscitou.
As outras categorias que seus críticos lhe atribuem, como a astúcia jesuítica ou o fascínio que ele sente por novas doutrinas distantes da tradição, na realidade, são pretextos para não se pôr em marcha rumo a uma renovação de vida, deixando privilégios adquiridos ao longo dos séculos.
É preciso ouvir Francisco falar sobre a Páscoa para entender para onde ele aponta ao se considerar um discípulo de Jesus como um dos muitos discípulos batizados e, portanto, engajado no anúncio do Evangelho. A noite que precede a ressurreição “é a noite do silêncio do discípulo que se encontra enrijecido e paralisado, sem saber para onde ir diante de tantas situações dolorosas que o oprimem e o cercam. É o discípulo de hoje, emudecido diante de uma realidade que se impõe a ele fazendo-o sentir e, o que é pior, acreditar que não se pode fazer nada para vencer tantas injustiças que tantos dos nossos irmãos vivem em sua carne”.
Mesmo aqueles que pensam nele como um Dom Quixote que quer reformar a Igreja pode entender o que passa no coração de Francisco, que não se resigna ao sentimento do “discípulo transtornado, por estar imerso em uma rotina avassaladora que o priva da memória, faz a esperança se calar e o habitua ao ‘sempre se fez assim’”.
Mas há um anúncio que vira todas as mesas politicamente corretas ou hipócrita: “Ele ressuscitou dos mortos, ressuscitou do lugar de onde ninguém esperava nada e nos espera – como esperava as mulheres – para nos tornar partícipes de sua obra de salvação. Esse é o fundamento e a força que temos como cristãos para gastar a nossa vida e a nossa energia, inteligência, afetos e vontade na busca e, especialmente, na geração de caminhos de dignidade”.
Ninguém poderá deter esse sonho de Francisco: iniciar processos que ampliem a consciência da dignidade humana, lutando para que ela seja reconhecida sempre e em todo o lugar.
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Papa aos presos: ''Sou um pecador como vocês'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU