02 Abril 2018
Quando criança, Belsy García Manrique raramente ia ao médico. Sua família migrou da Guatemala e não tinha seguro saúde. Só buscavam assistência médica quando alguém ficava extremamente doente.
“Durante as visitas, nenhuma das enfermeiras ou equipe falava espanhol”, disse Belsy. “Nem os médicos falavam. Então, quando os meus pais precisavam ir, eu tinha de traduzir. Eu traduzia para amigos e para a comunidade também”.
Ver em primeira mão a clara necessidade de médicos bilíngues e biculturais foi onde começou o seu sonho de ser médica.
“Talvez eu seja uma mudança”, disse ela ter pensado na época. “Nas eu nem imaginava tudo o que isso iria acarretar”.
Belsy participa do programa federal americano conhecido por Dreamer, sendo ela própria uma imigrante indocumentada que veio para os EUA ainda quando era menor de idade. Belsy chegou aos EUA aos sete anos de idade e participa do “Deferred Action for Childhood Arrivals” (Ação Diferida para Chegadas na Infância, ou simplesmente DACA, na sigla em inglês), o programa instituído pelo presidente Obama em 2012.
A reportagem é de J.D. Long-García, publicada por America, 27-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Cerca de 690 mil integrantes do DACA tiveram permissão para ficar e trabalhar nos EUA desde então. Mas depois que o governo Trump anunciou em setembro que o programa iria acabar, o futuro dessas pessoas ficou incerto.
Decisões recentes tomadas nos tribunais impedem temporariamente o governo de encerrar o DACA, mas as decisões somente afetam as renovações ao programa, e não exigem que novos inscritos sejam aceitos. O Centro para Estudos Migratórios de Nova York estima que existam mais de 2.2 milhões de “Dreamers”, como os jovens são chamados no programa, e menos da metade estão cadastrados.
O Congresso aprovou um projeto para solucionar permanentemente a situação dos Dreamers ao custo de 1.3 trilhão de dólares, assinado pelo presidente Trump em 23 de março. Apesar de várias forças contrárias e favoráveis, o projeto deixou de fora dispositivos de proteção aos beneficiários do programa.
“Certamente que existe urgência. O futuro dos Dreamers está em aberto”, disse Kevin Appleby, diretor do Centro para Estudos Migratórios.
Ashley Feasley, diretora de assuntos migratórios e públicos da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, falou ter sido decepcionante não haver nenhum mecanismo de proteção aos Dreamers no projeto de lei aprovado.
“Apesar do litígio pendente, não há nenhuma proteção aos Dreamers; eles ainda enfrentam medo, ansiedade e incerteza diariamente”, disse por email à revista America.
“A solução deve vir do Congresso”.
Feasley disse ainda que os bispos estão pedindo para os congressistas verem além da lei e lembrarem-se de que as negociações são também sobre “o bem-estar de muitas famílias de imigrantes”.
Isso toca diretamente na vida de Belsy. Ela está a um ano de se formar médica e realizar o sonho de infância – e o sonho de seu pai, Felix Garcia, que também aguarda o dia da sua deportação no Centro de Detenção Stewart, no estado da Georgia.
Belsy estuda na Faculdade de Medicina da Loyola University, a primeira escola médica no país a aceitar alunos pelo programa DACA.
“Se pensarmos sobre os obstáculos desses jovens, veremos que eles sempre ouviram que nunca se tornariam médicos”, disse Mark G. Kuczewski, professor de ética médica da universidade. Há 32 alunos da Loyola estudando medicina dentro do programa governamental.
“São jovens que cresceram aqui. Até certo ponto, são americanos em todos os sentidos, exceto no papel. Esse é o único país que conhecem”, disse Kuczewski.
Funcionários da Loyola University garantem que os alunos do DACA recebem auxílio jurídico e que a instituição os ajuda financeiramente, em parceria com a Trinity Health e outros para cobrir os custos estudantis.
Segundo Kuczewski, “os imigrantes que veem aqui geralmente são mais jovens. Eles ajudam a economia. Não roubam o emprego dos outros. Eles gastam dinheiro, criam famílias e contribuem para o país”.
Quando o governo Trump rescindiu o DACA, foi como se todos tivessem recebido “um soco no estômago”, contou Kuczewski. “Foi um susto. A maioria dos beneficiários do programa estão preocupados com suas famílias”.
O Pe. Stephen Katsouros, reitor e diretor executivo da Arrupe College, falou que a falta de certeza sobre o futuro tomou conta dessa população bem como de seus entes queridos. A Arrupe College, ligada à Loyola University, oferta educação superior jesuíta aos alunos, incluindo alunos indocumentados.
Eles contam com parcerias para dar formação aos marginalizados. Segundo Katsouros, a faculdade estruturou o seu curso de artes liberais a partir dos próprios alunos.
“Acho que os nossos alunos diriam que todos são, entre si, realmente diferentes”, disse Katsouros, ao explicar que os imigrantes sem documentos vêm de muitos países. “Não existe uma grande narrativa central. É uma luta de muitos”.
Isso certamente vale para Belsy, que conversou com o seu pai minutos antes de conceder entrevista à America.
“Ele está bem”, disse, observando que seu pai está detido há dois meses. “Às vezes ele tem dias bons, às vezes tem dias ruins. Às vezes ele se sente frustrado por estar lá”.
A filha mais jovem do Sr. García está com 19 anos e é cidadã americana. Ela não pode, porém, pedir residência legal para o pai. Somente o poderá fazer após completar 21 anos.
O Sr. García veio aos EUA saído da Guatemala em busca de asilo em 1995. A família se juntou a ele dois anos depois. O pai de três aprendeu a falar inglês, formou-se no equivalente ao ensino médio, posteriormente cursando contabilidade.
Há nove anos, a agência de imigração Americana, a Immigration and Customs Enforcement, investigou a fábrica de carpetes onde García trabalhava. Ele cooperou e teve a permissão de ficar no país. Isso mudou em janeiro deste ano. Durante uma checagem de rotina em sua documentação junto à agência imigratória, García teve seu pedido de renovação negado e marcaram para deportá-lo no próximo dia 4 de abril.
“As coisas estão difíceis para mim agora”, disse Belsy. “Mas esse curso universitário não é só para mim. É para os meus pais também, pelo sacrifício extremo que passaram para virem aos Estados Unidos”.
Segundo disse, os pais deixaram o país de origem em busca de melhores condições de vida para as suas filhas.
“Mesmo quando converso ele ao telefone e digo que estou trabalhando para encontrar uma solução, ele sempre diz: ‘Está bem, mas não deixe de estudar, continue estudando’”, disse García Manrique. “Me ver formada, médica, é o seu objetivo final, uma recompensa, independentemente do que acabe acontecendo. Esse é o seu sonho e o meu”.
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EUA: Estudante de medicina trabalha para evitar deportação do pai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU