25 Janeiro 2018
Faz quase 30 anos que Luiz Inácio Lula da Silva (Caetés, Pernambuco, 1945) disputou pela primeira vez a presidência do Brasil, e desde então a política do país não parou de orbitar ao seu redor. É tão difícil exagerar sua influência nos destinos do maior país latino-americano, o qual liderou durante seu período de maior bonança, na década passada, como encontrar alguém que não tenha opiniões apaixonadas por sua figura. Para muitos, é alguém do povo, que conhece o trabalho nas fábricas, bebe cachaça e está farto de que a elite brasileira impeça o progresso dos mais pobres. Para outros, é uma doença que nunca acaba e que representa os piores impulsos do país: o populismo publicada hoje com os pés de barro como pretexto para roubar e mergulhar a vida pública brasileira no desastre.
A reportagem é de Tom C. Avendaño, publicada por El País, 24-01-2018.
Filho de um alcoólatra que somava 22 filhos entre duas famílias em duas cidades diferentes do então miserável Nordeste brasileiro, Lula deixou os estudos aos nove anos. Aos 14 começou a trabalhar como torneiro mecânico, aos 19 perdeu um dedo em um acidente. Sua primeira mulher morreu grávida daquele que deveria ser o seu primeiro filho. Foi contratado numa fábrica da Aços Villares, em São Bernardo do Campo, como trabalhador metalúrgico, mas na prática cresceu foi no sindicato do setor. Em pouco tempo estava organizando greves e cumprindo penas de prisão. Nos anos setenta, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT), para fazer frente à ditadura militar.
Em 1985, a ditadura terminou. Em 1989, Lula, que então já era deputado federal, dedicou seu carisma e sua notável popularidade à candidatura presidencial. Apelou à esquerda, aos pobres como ele, e à ideia de que o Brasil podia ocupar um lugar melhor no mundo. Perdeu para Fernando Collor, assim como perderia mais duas vezes, contra Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, ao final do segundo e último mandato do tucano, candidatou-se novamente, agora como um candidato de centro. Ganhou.
2002 a 2010: o sonho da esquerda.
Seu primeiro mandato coincide com uma das épocas de maior prosperidade de que se tem lembrança no Brasil. Ele praticamente não mexeu na economia, que não parava de crescer, mas ampliou para uma escala gigantesca as ajudas sociais que já existiam: o Bolsa Família dava dinheiro às muitíssimas famílias brasileiras abaixo do limite da pobreza, ou pagava aos pais que vacinavam a seus filhos e os mandavam ao colégio. Trouxe 30 milhões de pessoas para cima dessa linha. Também revolucionou o mercado com a primeira linha de crédito para consumidores do país, o crédito consignado. De uma hora para outra, os operários brasileiros podiam ter uma geladeira em casa. Para um cidadão médio do Nordeste, Lula nem era um homem nem era um fenômeno. Era um deus.
Aquele foi também o mandato do mensalão, o grande escândalo de corrupção da década: soube-se que o PT estava subornando seus aliados para não os perder. Mas estes eram os anos bons de Lula, quando sua popularidade era incontestável e sua capacidade de levar o Brasil a uma grandeza proporcional ao seu tamanho era indiscutível. Em 2006, foi reeleito presidente em segundo turno. Em teoria, havia saído incólume do escândalo. Na prática, esses meses acabariam marcando-o para sempre: definiu Lula como um líder que jogava a política de sempre, a das mutretas a portas fechadas, do “rouba, mas faz”, e que não ofende o establishment. Também teve consequências incalculáveis para o PT, já que obrigou Lula a defenestrar os ministros José Dirceu e Antonio Palocci, as duas pessoas a quem pensava entregar o Governo quando ele esgotasse suas candidaturas. Substituiu-os por uma das militantes mais inocentes do PT, Dilma Rousseff.
2010 a 2018 – o dia seguinte
Lula deixou a Presidência em 2010 como um herói nacional. A economia crescia 7,5% ao ano, o poder judiciário se modernizara. O Brasil era uma nação com relevância crescente no mundo e ele exibia uma taxa de aprovação de 90%. Dilma Rousseff venceu as eleições daquele ano com folga: bastava-lhe manter tudo como estava por um mandato e, de acordo com a lei, ele já poderia se candidatar novamente. Dilma, contudo, reelegeu-se em 2014 e o país que o Brasil era em 2010 não existe mais em 2018.
A economia perdeu o rumo em 2014 e ainda não se recuperou da recessão, a qual ainda é atribuída a Lula e sua dependência em relação ao crédito. A popularidade de Rousseff também despencou, de 80% em 2010 para 7% em 2016, quando então seus inimigos políticos conseguiram tirá-la do poder com um impeachment surreal que nem eles mesmos conseguiram explicar e que ela, mais inábil do que se imaginava, não conseguiu deter. O reforçado poder judiciário começou a investigar a corrupção em toda a política brasileira e a operação daí resultante, o caso Petrobras, expôs à desesperançada população brasileira os insultantes abusos e o suborno que caracterizam o cotidiano de Brasília. De repente, a lembrança do mensalão ganhou um novo significado. O novo apelido de Lula passou a ser Lula, Ladrão.
Também não ajudou em nada a espiral de casos judiciais delirantes em que ele esteve envolvido nos últimos dois anos. Em 4 de março de 2016, Lula foi obrigado a depor, de forma tão pública como irregular, à polícia, por determinação do juiz Sérgio Moro, que o investiga dentro do caso Petrobras. Dali não saiu muita coisa em termos judiciais, mas, dez dias depois, Rousseff lhe ofereceu um cargo em seu governo agonizante: a função de ministro da Casa Civil, que impossibilitaria que ele fosse processado. O Supremo Tribunal invalidou a nomeação em 24 horas.
Nos últimos dois anos, são inúmeras as reportagens e os analistas políticos que passaram a destruir o mito Lula nos meios de comunicação. Toda vez que, no gigantesco caso Petrobras, um empresário confessa como e a quem subornava, a imprensa procura pelo nome de Lula, por mais que existam outros políticos na ativa sob acusações ainda mais graves. A procuradoria, por sua vez, começou a fazer denúncias em série contra ele. O juiz Moro acatou cinco delas: a primeira foi por causa de um apartamento no litoral supostamente comprado por uma empresa para que ele o usasse como se fosse dele.
Em 12 de julho, Moro o condenou a nove anos de prisão. Nesta quarta-feira, 24 de janeiro, soubemos que essa sentença foi ratificada, e até ampliada, em segunda instância. Assim, aprofunda-se a novela política e biográfica do velho torneiro mecânico que perdeu um dedo da mão esquerda. Depois de saber sobre a decisão judicial, Lula subiu ao palanque em São Paulo para defender o legado do PT no Governo e dizer que não teme a prisão: “Eles podem prender o Lula, mas eles não podem prender a
esperança, não podem prender as ideias. E as ideias já estão na cabeça da sociedade brasileira”.
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O revés do mito da esquerda que domina a política brasileira há 30 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU