15 Dezembro 2006
Maurizio Lazzarato, importante sociólogo que se especializou na análise do trabalho imaterial, concedeu uma entrevista ao jornal Valor, 15-12-2006.
Eis a entrevista.
Por que a classe média está desaparecendo?
As classes médias no antigo modelo eram a garantia de ordem e propriedade. Mas hoje o conceito desse segmento social significa que os filhos da classe média vão ter um futuro pior que o de seus pais. A classe média está sendo atravessada pelas desigualdades geradas pelo neoliberalismo. Uma parte pequena progride na hierarquia social e a outra se proletariza. E isso se vê em todas as economias centrais. Isso confirma, embora negativamente, a multiplicidade da composição social. Essa população superdiplomada, resultado do investimento dos pais no saber dos filhos, enfrenta a desvalorização dos diplomas. A precariedade atinge também esses setores da classe média.
O senhor cria uma imagem para descrever o mundo contemporâneo. Diz que de um lado está um mundo obeso e de outro um mundo anoréxico...
Foi uma imagem para tentar dar conta das transformações do mundo no qual vivemos, pois as empresas não produzem mais apenas objetos-mercadorias. As empresas produzem mundos, isto é, mundos dentro dos quais existem os objetos. Antes de vender os objetos, as empresas precisam vender um mundo. Esse mundo afeta o corpo, sentimentos, intelecto, ou seja, o conjunto da subjetividade. A obesidade, que está se tornando uma doença ocidental, é resultado dessa produção de mundo. Obesidade e anorexia são quase uma forma de resistência: o corpo reage de maneira descontrolada, desregulada. Afinal, esses mundos são totalizadores, padronizam e impedem a singularização.
O filósofo Michel Foucault (1926-1984) dizia que desde o nascimento do capitalismo há um problema entre a economia e a política. Enquanto a política prevê a doação do indivíduo em prol do coletivo, a economia prega o interesse. Haveria, portanto, também uma dualidade entre doação versus interesse?
Foucault dizia que a política funciona na base da transferência dos direitos: "Repasso ao Estado uma parte do meu direito natural porque o Estado me defende". Defende da guerra de todos contra todos, como formulou Hobbes. Ao contrário, a economia funciona na base do interesse e não do direito. Então, há uma forma de se constituir as instituições econômicas que é diferente. Foucault dizia que esses dois níveis são heterogêneos e, às vezes, incompatíveis. É preciso um terceiro elemento, que, para ele, é o social, que permite articular essas heterogeneidades. Segundo Foucault, as políticas sociais nunca foram assistencialistas, mas sim produtivas. Para ele, o capitalismo não seria possível sem essas políticas sociais, sem a garantia do Estado para saúde, habitação, educação. Sem esses investimentos o capitalismo não seria possível.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, em boa parte, por seu programa social, chamado de Bolsa Família. Como vê os programas sociais no contexto atual, quando muitos críticos os chamam de assistencialistas?
Os críticos do Bolsa Família deveriam ler Foucault... Não penso que o termo assistencialista seja adequado para apreender esse tipo de gasto. O mais correto seria falar de investimento social, pois a divisão entre a assistência e o trabalho produtivo ou improdutivo é construída em torno de uma lógica industrial agora obsoleta. Na Europa, por exemplo, é evidente que a produção é uma produção social, em que as despesas do Estado-Providência se tornam investimentos produtivos. Educação, saúde, habitação, são investimentos e não gastos. Dizem que Lula afirmou exatamente isso no encontro que houve no Rio antes do segundo turno.
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"Os críticos do Bolsa Família deveriam ler Foucault" Entrevista com Maurizio Lazzarato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU