23 Janeiro 2018
O pontificado de Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires com antigas raízes espalhadas no Piemonte, começa sem o conhecimento da Igreja - e talvez com conhecimento do destino - em 19 de abril de 2005. Quando o conclave, convocado após a dramática morte de João Paulo II, no quarto escrutínio elege o teólogo Joseph Ratzinger que escolhe o nome de Bento. Os cardeais europeus e italianos preferem Ratzinger a Bergoglio e a continuidade com o passado em vez da revolução sul-americana. O consenso para o argentino é notável, poderia ser indicado de imediato para um cargo de destaque na Cúria ou para colaborar estreitamente com Ratzinger. Por duas razões, no entanto, Bergoglio não é convidado.
A reportagem é de Fabrizio D'Esposito e Carlo Tecce, publicada por Il Fatto Quotidiano, 22-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira refere-se aos "grandes eleitores" que confiaram as suas ambições e interesses a Bento XVI: o grupo de Tarcisio Bertone - na sua maioria salesianos que desembarcam no Vaticano vindos do Piemonte ou da Liguria - pronto a distribuir o poder, como acabou acontecendo de forma descarada até que o próprio Ratzinger não aguentou mais e renunciou. A segunda razão, no entanto, é explicada pela formação religiosa e de caráter de Bergoglio: "Se eu for a Roma, eu morro", disse como uma piada de profundo realismo aos amigos que o indicaram para um cargo no Vaticano antes e depois do Conclave.
Em 13 de março de 2013, derrotando o cardeal Angelo Scola, apoiado pelo costumeiro bloco de europeus e italianos, a "Igreja mundo" - agora asiática e africana e ainda sul-americana - coloca Bergoglio no trono de Pedro para domar as "víboras" que circulam no Vaticano e erradicar os "venenos" que espalham: uma cruz de ferro, o apartamento de três quartos em Santa Marta, uma linguagem popular (para alguns, populista), aberto aos divorciados e aos homossexuais, severo com os padres pedófilos, pregador do acolhimento, ecologista convencido (escreve sobre o tema na encíclica Laudato si’), ferrenho adversário de políticos e clericais, assim se apresenta o Papa Francisco.
Em exílio, no Castel Gandolfo, o agora emérito papa Ratzinger entrega a seu sucessor uma caixa que reúne os estrondosos resultados de uma investigação conduzida pelos cardeais. O mandato dado ao argentino é preciso e quase onírico: arrumar quase todos os lugares da Cúria; erradicar a corrupção e a prevaricação; remover os traidores da Igreja; domar os "corvos" que com os Vatileaks despedaçaram o papado de Ratzinger; tornar transparente a gestão do dinheiro do Instituto para as obras religiosas, o lendário IOR. Cinco anos depois daquele dia, o mandato de Bergoglio não está cumprido, mas chega a um ponto de inflexão: ou ganha ou perde. Em surdina (e em etapas) assoma-se um Vatileaks III, os últimos supérstites da era bertoniana lutam para resistir, os chacais do passado voltam a rondar o IOR e o argentino também sofre por diversas nomeações equivocadas.
Nem mesmo Bergoglio foi capaz de purificar a Igreja do maior pecado: o dinheiro. O Cardeal George Pell, agora ex-ministro da Economia e sensível ao luxo e aos hábitos excêntricos, voltou para a Austrália por que acusado de crimes sexuais. Um fracasso. Como a implosão no Vatileaks II da Cosea, a pontifícia comissão para o estudo da estrutura econômica-administrativa. Monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda e Francesca Immacolata Chaouqui, processados juntamente com os livros de Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi, eram secretário e membro da Cosea. O laico Libero Milone, recebido com o entusiasmo que se reserva a um messias, saiu com uma acusação precisa contra monsenhor Angelo Becciu: "Ele me disse para deixar o cargo. Eles queriam me prender (havia uma investigação no Vaticano sobre ele, ndt)". Becciu respondeu elevando o nível de confronto: "Ele estava espionando a mim e aos outros superiores".
Ainda no tema do "dinheiro" deve ser registrada - e ainda estamos no prólogo e não no epílogo de Vatileaks III - a demissão de Giulio Mattietti, vice-diretor adjunto do IOR, durante vinte anos no comando da estrutura de TI do "banco" e as ‘notícias’ contra o diretor Gianfranco Mammi. Será o IOR, e não só o IOR a pedra do próximo escândalo: os sinais estão ali, e também existe, de fato, a pressão externa daqueles que não aceitam que, desde março de 2017, o Vaticano não seja mais considerado um "paraíso fiscal" e esteja em funcionamento um acordo entre a Santa Sé e a Itália.
Além do IOR, os bergoglianos olham com cuidado a Aif, a Autoridade de Informação Financeira instituída por Ratzinger há oito anos para combater a lavagem de dinheiro. E tem mais. Uma clássica “rivalidade política” entre o cardeal Pietro Parolin e o já mencionado Becciu pode obrigar Bergoglio a uma decisão inesperada.
Esta dupla é responsável pelo governo do Vaticano. Parolin é o secretário de Estado que, extirpado o provincianismo de Bertone, alçou o dicastério para uma dimensão diplomática, não com fim em si mesma, mas eficaz em proporcionar percursos de paz em territórios de guerra ou entre países inimigos (leia-se Cuba e EUA) . Becciu é o Substituto para os Assuntos Gerais da Secretaria de Estado, alimenta e cultiva as relações com as instituições italianas, as nunciaturas espalhadas ao redor do mundo, e intervém nos delicados mecanismos curiais.
Becciu é chamado de "Papa italiano" por sua maneira de controlar - como se fosse o chefe - as questões internas. Bergoglio indicou-o ao cargo assim que assumiu como papa, mesmo que a matriz de Becciu seja bertoniana: é um homem experiente e pragmático e, portanto, era funcional quando Francisco entrou na Cúria. O tempo estreitou os espaços na Secretaria de Estado, Parolin e Becciu colidem e há atrito entre eles.
Para conter Becciu, alguns meses atrás, Francisco criou na Secretaria de Estado, uma "terceira seção" que trata dos núncios. Não é suficiente. "Se Becciu não sair, Parolin vai embora", explica para o Fatto uma fonte do Vaticano. Bergoglio não tem a intenção de "punir" Becciu, mas pode promovê-lo e removê-lo: elevá-lo a cardeal e transferi-lo para um dicastério. A propósito de purpurados, Bergoglio está desenhando o seu Conclave. No consistório são nomeados os cardeais, não só eleitores, mas também "aposentados", que ultrapassaram os 80 anos. De fato, pela primeira vez, Bergoglio nomeu a cardeal o idoso Capovilla (e, recentemente, o aposentado Bispo de Novara, Renato Corti) e depois de 35 anos, nenhum estadunidense.
Francisco reduziu a cota de europeus e italianos e aumentou a de asiáticos. Ele quer uma igreja contemporânea, não antiquada. Nomeou bispos italianos de periferia Menichelli (Ancona), Montenegro (Agrigento), Bassetti (Perugia) e não os de Veneza e Turim. Em 2013, os cardeais eleitores eram 115, dos quais 60 europeus (28 italianos), 13 sul-americanos e 11 asiáticos. Em 1º. de janeiro os cardeais eleitores são 120, dos quais 52 europeus (23 italianos) e 15 asiáticos.
O presente angustia mais do que o futuro. Mas no presente o Cardeal Gerhard Ludwig Müller não é mais um incômodo. Por ordem de Francisco, o alemão foi transferido do Santo Ofício – a Congregação para a Doutrina e a Fé - não pelas críticas ao reformismo do papa, mas pelos péssimos resultados contra a pedofilia e o naufrágio da Comissão Internacional sobre os abusos (em breve será reestruturada e será esclarecido o papel do novo dissidente O'Malley).
Os prelados mais fiéis de Bergoglio estão preocupados com a tensão emocional dos fisiologistas da obstrução na Cúria ou pelas reações frenéticas dos tradicionalistas. Por exemplo, o motu proprio sobre a nulidade dos casamentos não é de fato aplicado na Itália, porque os tribunais eclesiásticos regionais temem perder os fundos da Conferência Episcopal com os Bispos diocesanos no papel de "juízes".
Causa risos a insistente abordagem de Domenico Calcagno, proprietário da APSA (ativos e imobiliário), colecionador de armas e homem forte de Bertone que, com frequência, chega a Santa Marta para jantar com Francisco trazendo uma garrafa de vinho tinto. Os bergoglianos falam com maior respeito de uma conspiração organizada pelo episcopado norte-americano e com ramificações no Vaticano para derrubar o Papa argentino: os "corvos" que pairam sobre o Vaticano, de acordo com as nossas fontes, seguem os sinais de alguns cardeais dos Estados Unidos, assustados pela orientação sociológica, anticapistalista, terceiro-mundista da Igreja de Francisco.
A rede anti-Bergoglio tem inspiração ultra-tradicionalista e em Roma tem um sólido reduto em vários ambientes influentes, a partir ‘católico-maçonaria’ de negociantes e da nobreza negra que desde 2015 começaram a conspirar contra Francisco. O primeiro ato dessa guerra foi o disparate jogado na primeira página de um jornal sobre um suposto câncer de Francisco. Depois, o conflito ampliou-se em duas frentes. A das lutas pelo poder efetivo sobre os interesses econômicos, como na reviravolta da Ordem de Malta - um autêntico Estado dotado de imensos recursos - ou a explosiva bomba do Vatileaks III. E a frente da doutrina, onde o gatilho para enfurecer os opositores do pontificado foram as concessões para os divorciados de Amoris laetitia. A frente doutrinária aberta por aqueles que o próprio Bergoglio chamou de fariseus, isto é, os áridos doutores da Lei, não é absolutamente secundária nas tramas de uma rede que fala principalmente em inglês.
O mais recente escândalo montado a arte foi a respeito do presépio de Natal no Vaticano. Um dos sites mais lidos daquela galáxia, o canadense LifeSiteNews, publicou uma extensa reportagem, repercutida por muitos blogs italianos, sobre as alusões "homoeróticas" (um cadáver nu definido "malhado") da composição dedicada este ano às sete obras da misericórdia.
Mesmo antes disso, tinha chegado às bancas o livro assinado com o pseudônimo de Marcantonio Colonna, provavelmente um jornalista britânico, em que Bergoglio é descrito como um perigoso "manipulador" e um "ditador" que governa através do "medo", aliado com "os elementos mais corruptos do Vaticano" para "inverter" as reformas que "se esperavam dele".
Essa frente, no entanto, perdeu nos últimos meses seu arauto de maior prestígio: o Cardeal Müller, que se "aposentou" da guerrilha na qual ainda denuncia o "círculo mágico" de Francisco e até mesmo o perigo de um cisma.
Sobre o cardeal teutônico estavam depositadas as esperanças dos fãs dos cinco Dubia (dúvidas) contra Amoris laetitia, apresentados por quatro cardeais. Müller os desarmou dizendo que Francisco não precisa responder por que está tudo contido no documento.
Agora o ataque é retomado com a "Profissão de fé" de três bispos desconhecidos do Cazaquistão, onde os católicos são um por cento da população. Mas, entre as assinaturas de adesão, consta uma bem surpreendente: do arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, que na época de Ratzinger e Bertone revelou a existência de um lobby gay no Vaticano."
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Francisco o estrangeiro. "Em Roma, eu morro" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU