09 Março 2015
O acordo fiscal prestes a chegar entre a Itália e o Vaticano tem um anexo importante: prepara o terreno para que o IOR, o banco do papa, volte a estar inteiramente no rastro da Igreja. Um banco transparente que intermedeie o dinheiro das Igrejas locais, congregações, eclesiásticos individuais em todo o mundo. Todos os outros, cidadãos privados que usaram o privilégio vaticano para sonegar impostos ou arquitetar operações criminosas terão que passar por uma das três portas vaticanas e entrar na regra.
A reportagem é de Andrea Greco e Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 07-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muitos deles são italianos: com base em dados do Instituto para as Obras de Religião (IOR) de julho passado, cerca de três mil contas correntes haviam sido fechadas por causa da decisão de restringir os critérios que dão direito a ser clientes (tomada no ano anterior). Desses três mil, 755 eram clientes "laicos". O que permanece nas contas abertas do IOR, cerca de 19 mil, é estimado em cerca de uma dúzia de bilhões de euros entre bens em gestão e depósitos.
Mas, mesmo desse montante, estima-se que cerca de 10% a 15% dos montantes não seriam perfeitamente regulares: mais de um bilhão, portanto. "Muitas vezes, são depósitos que cresceram porque eram creditados interesses de atividades das congregações e Igrejas locais, mas sem declarar isso corretamente nos países de origem. Portanto, sobre esses frutos, não foram pagos os impostos", conta um expoentes das finanças vaticanas.
Muitas vezes, trata-se de situações difíceis, porque cada congregação ou instituto religioso age de modo diferente. Há, por exemplo, institutos que têm hospitais no exterior que geram lucro e que, por esse lucro, pagam os impostos no país onde os hospitais têm sede. Esse lucro, depositado em uma conta do IOR, depois, é enviado, talvez em parte, para a África, para ajudar um centro de refugiados ou outras realidades.
Quatro quintos daquele bilhão "irregular", no entanto, são negócios (e impostos não pagos) do Estado italiano. "Foram depositados de forma equivocada – conta a fonte – ou porque, depois de doações, se permitia abrir contas para pessoas que não tinham o direito, ou porque o dinheiro chegava como devoluções e depois se descobria que não eram isso. Agora, precisamos de um acordo entre Estados soberanos para remediar a situação e encontrar um mecanismo de repatriação". Repatriar dinheiro dos paraísos fiscais, de fato, é ilegal, complexo e arriscado, se não existem normas de passagem.
Sair do Vaticano com a clássica "maleta" dá muito na cara, e, no caso de controles da Guarda de Finanças, poderia colocar em risco até mesmo a cúpula do instituto. Também não é possível transferir, propriamente dito, o dinheiro para outro banco, porque automaticamente desencadearia o aviso para a vigilância e, de lá, para a procuradoria.
Por essas razões, se poderia apostar que aquelas 755 contas laicas fechadas até agora viram os seus fundos voarem para outros paraísos fiscais; talvez os asiáticos, ainda não tocados pelo vento reformador que está fazendo cair os muros do segredo na Suíça, em Lichtenstein, em Mônaco.
Logo também cairá o muro do banco vaticano, onde, no passado, foi contrabandeada a liberdade da Igreja livre, garantida pelos Pactos Lateranenses, pela de tornar o dinheiro opaco e invisível. "Trocou-se a confidencialidade pelo sigilo", diz a fonte. E sigiloso podia significar ilícito.
Nas contas do IOR, Roberto Calvi e Paul Marcinkus entrelaçaram a rede de empresas fantasmas protagonistas das finanças agressivas dos anos 1980. Em uma conta do IOR, Luigi Bisignani fez passar os 108 bilhões de liras em títulos do tesouro utilizados para pagar os megassubornos da Enimont aos partidos da Primeira República italiana.
Passaram-se 25 anos, o Papa Bento XVI e o Papa Francisco abriram a reforma dos costumes e das finanças vaticanos. E, mesmo fora dos muros leoninos, muita coisa mudou: a ameaça terrorista e a crise econômica tiraram do Ocidente a vontade e o luxo de manter paraísos fiscais dentro das próprias fronteiras. O Vaticano, embora por motivos menos prosaicos do que os outros, continua sendo, em certos aspectos, um destes.
"Também para o IOR servirá uma espécie de escudo – explica um banqueiro que conhece bem o assunto – que regularize os erros e os desvios do passado." E é principalmente para chegar a diretrizes que permitam que o Vaticano e a Itália saibam como se comportar que o acordo anunciado por Matteo Renzi e confirmado nessa sexta-feira pelo padre Lombardi está prestes a chegar.
Seja qual for o resultado da negociação, uma coisa é certa: os tempos em que o Vaticano negava uma resposta aos pedidos e às informações acabou. O caminho de transparência já é inevitável, e muito se deve a Bento XVI, que instituiu por primeiro a AIF, a autoridade de informação financeira que supervisiona eventuais irregularidades dentro das finanças vaticanas.
A estrada da transparência no IOR também diz respeito ao setor de nomeações. Desde a última sexta-feira, de fato, o "banco vaticano" tem um novo vice-diretor: foi formalizada pelo Conselho de Superintendência do instituto (a diretoria secular) a nomeação de Gianfranco Mammì para o cargo vacante desde 2013, isto é, desde que Massimo Tulli saiu de cena, por causa da investigação que o envolvera junto com o então diretor-geral, Paolo Cipriani.
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IOR: 700 contas seculares são fechadas. Sob análise, o tesouro dos institutos religiosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU