24 Setembro 2017
Rompendo um silêncio de três meses, o ex-auditor-geral do Vaticano afirmou nesse sábado que foi forçado a sair em junho por causa de intimidações feitas por uma velha guarda hostil à reforma, enquanto duas altas autoridades vaticanas insistiram que têm “provas esmagadoras” de que Libero Milone violou as leis vaticanas ao espionar ilegitimamente as pessoas, incluindo seus superiores e as pessoas do seu próprio escritório.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 24-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No sinal mais recente das profundas divisões internas em torno da reforma das finanças do Vaticano, o ex-auditor-geral Libero Milone afirmou nesse sábado que foi forçado a sair em junho por falsas acusações fabricadas por uma velha guarda, enquanto duas altas autoridades vaticanas insistiram que têm “provas esmagadora” de que Milone violou as leis do Vaticano ao espionar ilegitimamente as pessoas, incluindo seus superiores e pessoas de dentro do seu próprio escritório.
Foi a primeira vez que Milone falou publicamente depois que o Vaticano anunciou que ele abandonaria o cargo em 20 de junho, não fornecendo nenhuma explicação sobre por que ele estava deixando o posto apenas dois anos depois do início do seu mandato de cinco anos. Aquela breve declaração dizia que a sua saída ocorria “por comum acordo”, mas Milone disse ter sido “intimidado” e forçado a se demitir.
“Eu queria fazer o bem para a Igreja, reformá-la como me tinha sido pedido, mas não me deixaram”, disse Milone.
“Eu acredito que o papa é uma grande pessoa e tinha começado com as melhores intenções”, afirmou Milone. “Mas eu temo que ele tenha sido impedido pelo velho poder que ainda está todo lá e que se sentiu ameaçado quando entendeu que eu podia relatar ao papa e a Parolin o que eu tinha visto nas contas.”
A referência é ao cardeal italiano Pietro Parolin, o secretário de Estado do Vaticano e, de fato, o principal assessor do papa.
No sábado, Milone falou com um grupo de repórteres do jornal italiano Corriere della Sera, do Wall Street Journal, da agência de notícias Reuters e do canal de notícias da televisão italiana SkyTg24. Milone disse que estava rompendo o seu silêncio porque “eu não podia mais permitir que um pequeno grupo de poder expusesse a minha pessoa pelos seus jogos obscuros”.
Contatado pela Reuters, o arcebispo italiano Giovanni Angelo Becciu, a segunda autoridade mais alta na Secretaria de Estado no seu papel de sostituto, ou “substituto”, chamou as afirmações de Milone de “falsas e injustificadas”.
“Ele foi contra todas as regras e estava espionando a vida privada dos seus superiores e da sua equipe, inclusive eu”, disse Becciu à Reuters. “Se ele não tivesse concordado em renunciar, teríamos processado ele.”
Domenico Giani, chefe da polícia do Vaticano, disse à Reuters que havia “provas esmagadoras” contra Milone, embora nem ele nem Becciu forneceram detalhes sobre as acusações.
No domingo, a Sala de Imprensa do Vaticano divulgou uma declaração expressando “surpresa e pesar” sobre os comentários de Milone, que, segundo a nota, “não manteve o acordo de manter a confidencialidade sobre os motivos da sua renúncia ao cargo”.
“Com base nos estatutos, a tarefa do auditor-geral é analisar os orçamentos e as contas da Santa Sé e das administrações relacionadas”, afirma o comunicado. “Infelizmente, o escritório dirigido pelo Dr. Milone, excedendo as suas competências, encarregou ilegalmente uma empresa externa para realizar atividades de investigação sobre a vida privada de expoentes da Santa Sé.”
“Além de constituir um crime”, afirma o comunicado, “isso comprometeu irremediavelmente a confiança no Dr. Milone, que, confrontado com as suas responsabilidades, aceitou livremente renunciar.”
“Por fim”, continua o comunicado, “assegura-se que as investigações foram realizadas com todo o escrúpulo e no respeito pela pessoa.”
Milone disse aos repórteres que ele não podia falar sobre o conteúdo do seu trabalho de auditoria para o Vaticano, que, disse ele, ainda está coberto por acordos de confidencialidade, mas discutiu as circunstâncias da sua saída do Vaticano e as suas opiniões sobre o estado geral do projeto de reforma do papa.
Ex-delegado italiano da Deloitte, uma empresa internacional de auditoria e serviços tributários, em vários pontos da sua carreira, Milone também trabalhou para grandes empresas globais como a Fiat e a Wind. Quando assumiu o cargo recém-criado de auditor-geral em 2015, ele foi indicado como a peça final do quebra-cabeça para promover uma nova era de transparência e de responsabilidade nas finanças vaticanas.
Como Milone descreve, no entanto, mesmo que a posição do auditor-geral devesse prestar contas diretamente ao papa, ele foi “bloqueado” de ver Francisco depois de abril de 2016, progressivamente isolado e impedido no seu trabalho e, no fim, obrigado a renunciar quando confrontado com acusações de má conduta e ameaçado de prisão se não renunciasse imediatamente.
Especificamente, Milone sugeriu que estava sendo punido por ter lançado uma investigação sobre um possível conflito de interesses envolvendo um cardeal italiano, a quem ele recusou nomear.
Quando concordou em renunciar, disse Milone, ele recebeu uma carta que já havia sido preparada e datada com vários meses de antecedência, indicando que o esforço para impedi-lo estava em curso há algum tempo.
Milone também pareceu vincular a sua renúncia com a saída do cardeal George Pell, atualmente em licença, lidando com acusações de abuso sexual na sua Austrália natal.
Milone disse aos jornalistas que tinha escrito para Francisco em julho, através de um “canal seguro”, dizendo que ele era vítima de uma intimidação e que estava “admirado” que isso tinha acontecido ao mesmo tempo em que Pell, que havia sido nomeado por Francisco em 2014 como o homem para a reforma financeira, tinha saído da cena.
Milone deu a entender que, talvez, não foi uma coincidência que as acusações de abuso contra Pell, que, segundo as notícias, remontam há décadas, tenham vindo à tona apenas nos últimos dois anos, ao mesmo tempo em que seus esforços de reforma estavam se tornando cada vez mais controversos dentro do Vaticano.
Milone, que disse ter ido abraçar Pell antes da sua partida para a Austrália, disse aos repórteres que não tinha recebido resposta àquela carta a Francisco.
Como Milone descreve, ele foi convocado ao escritório de Becciu no dia 19 de junho e foi informado de que o papa tinha perdido a fé nele e queria a sua renúncia. Quando Milone perguntou o porquê, ele disse que recebeu uma série de explicações, “algumas das quais pareciam incríveis”.
Quando pediu para ver o papa, disse Milone, disseram-lhe, em vez disso, que ele fosse à Gendarmeria, a principal força policial do Vaticano, onde Giani o interrogou. Depois, foi conduzido ao escritório de Milone, onde Giani exigiu acesso a documentos. Falando ao SkyTG24, Milone disse que, durante o interrogatório, ele se sentiu como em um antigo episódio de Starsky e Hutch.
No fim, disse Milone, ele foi confrontado com dois recibos para pagamentos a um contratante externo para verificar dispositivos de vigilância no seu escritório, o que ele disse que resultou na descoberta de um acesso não autorizado ao seu computador e spyware implantado no computador da sua secretária para copiar arquivos.
Milone disse ter dito a Giani que um dos dois recibos era falso e negou qualquer apropriação indevida de fundos.
Becciu, no entanto, disse à Reuters que Milone havia contratado o contratante para espionar outras pessoas de forma ilícita dentro do Vaticano.
Milone reconheceu que, talvez, seja verdade que ele perdeu a confiança do papa, mas sugeriu que a maneira pela qual as autoridades vaticanas projetaram a sua saída era “estranha”.
“O papa poderia ter me telefonado e ter me dito isso”, afirmou Milone. “Em vez disso, houve toda essa encenação que cheira a character assassination.”
No geral, Milone ofereceu uma avaliação severa sobre o estado do projeto de reforma, sugerindo que os movimentos iniciais rumo à transparência e à prestação de contas estão sendo revertidos.
“Eu vejo isso o tempo todo no mundo dos negócios”, disse Milone à televisão italiana. “É o que acontece quando você muda os objetivos, mas não muda a gestão... A resistência à mudança é natural.”
No entanto, Milone também disse que, se Francisco pedisse que ele voltasse, ele faria isso, dizendo: “Eu não gosto de não terminar algo que comecei”.
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Ex-auditor do Vaticano afirma que foi forçado a sair por causa da ''velha guarda'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU