08 Agosto 2017
Quer pagar menos impostos? Faça um sanduíche de empresas, com duas fatias irlandesas e uma holandesa.
Imagine que você é americano. Crie uma empresa nas Bermudas, no Caribe, e venda para ela sua propriedade intelectual. Essa empresa abre em seguida uma filial na Irlanda.
Crie então outra empresa na Irlanda, que faz as cobranças de sua operação na Europa. Agora, crie uma outra empresa na Holanda.
A reportagem é de Tim Harford, publicada por BBC Brasil, 06-08-2017.
Faça com que sua segunda empresa na Irlanda envie dinheiro para seu negócio na Holanda, que imediatamente envia-o para sua primeira empresa na Irlanda, que tem sede nas Bermudas.
Já está entediado ou confuso? Essa é justamente a ideia.
O sucesso de paraísos fiscais depende de sua capacidade de ao menos dificultar a compreensão do fluxo de dinheiro e, nos casos mais graves, impossibilitá-lo.
Técnicas de contabilidade que dão dor de cabeça só de pensar nelas permitem que multinacionais como Google, eBay e Ikea minimizem os impostos devidos - de forma totalmente legal.
É fácil entender por que isso deixa as pessoas com raiva. Impostos são uma espécie de mensalidade de um clube: parece errado evitar seu pagamento e se beneficiar dos serviços oferecidos aos associados - no caso de um país, Estado ou cidade, estamos falando de segurança, estradas, esgotos, educação e assim por diante.
Mas os paraísos fiscais nem sempre tiveram uma reputação tão ruim. Eles já funcionaram como locais seguros para minorias escaparem de regimes autoritários. Na Alemanha nazista, por exemplo, judeus contaram com a ajuda de banqueiros suíços para esconder seu dinheiro.
Infelizmente, os bancos da Suíça logo desfizeram essa boa imagem ao mostrar que estavam igualmente dispostos a ajudar nazistas a esconderem bens que roubaram e relutantes em devolvê-los a seus donos originais.
Hoje em dia, paraísos fiscais são polêmicos por duas razões: a evasão fiscal, que usa meios ilícitos para evitar o pagamento de impostos, e a elisão fiscal, que explora brechas na lei para evitar o pagamento de impostos de forma legal.
As leis valem para todos: pequenos negócios e até mesmo pessoas comuns poderiam criar sistemas internacionais para tirar proveito de diferentes legislações. Só que eles não faturam o suficiente para justificar o que teriam de pagar a contadores por esse tipo de serviço.
Se cidadãos comuns quisessem reduzir sua conta de impostos, suas opções estariam limitadas a diferentes formas de crime de evasão fiscal: fraudes sobre os valores devidos, transações em dinheiro vivo não declaradas ou até mesmo passar pela Receita Federal no aeroporto sem declarar os produtos que superam o valor permitido para compras no exterior.
Autoridades fiscais apontam que grande parte da evasão fiscal deriva de incontáveis - e modestas - infrações, e não de ricos e milionários escondendo seu dinheiro com a ajuda de banqueiros escusos. Mas é difícil ter certeza. Afinal, se fosse possível medir o problema de forma precisa, ele sequer existiria.
Talvez não seja surpreendente que o sigilo bancário tenha começado na Suíça: as primeiras regulamentações que limitam a capacidade de um banco compartilhar informações sobre seus clientes foram aprovadas em 1713 em Genebra.
O segredo em torno de operações ganhou força nos anos 1920, quando muitos países europeus elevaram impostos para pagar dívidas contraídas na Primeira Guerra Mundial - e muitos cidadãos ricos buscaram formas de esconder seu dinheiro.
Ao perceber que isso favorecia sua economia, em 1934, a Suíça tornou crime que banqueiros divulgassem informações financeiras.
O eufemismo para paraísos fiscais é offshore - termo usado para contas e empresas mantidas no exterior. Gradualmente, paraísos fiscais surgiram em pequenas ilhas como Jersey, Malta e no Caribe.
Mas a real explicação é histórica: o desmantelamento de impérios europeus nas décadas após a Segunda Guerra Mundial.
Por não querer dar de forma clara subsídios às Bermudas ou às Ilhas Virgens, o Reino Unido encorajou esse países, por exemplo, a desenvolverem expertise em serviços relacionados aos da City de Londres, como é chamado o centro financeiro da capital britânica. Assim, o subsídio ocorreu de forma indireta, por meio de receitas financeiras movimentadas nessas ilhas.
O economista Gabriel Zucman teve uma ideia engenhosa para estimar a riqueza que está escondida no sistema bancário de paraísos fiscais.
Em teoria, se forem somados os ativos (bens) e passivos (obrigações devidas) informados por todos os centros financeiros globais, as contas devem ficar em equilíbrio, mas isso não acontece. Cada um desses centros tende a informar individualmente mais passivos do que ativos.
Zucman analisou os números e descobriu que, globalmente, os passivos superavam em 8% os ativos. Isso sugere que ao menos esse percentual da riqueza global não é declarada. Outros métodos aplicados para fazer esse cálculo chegam a somas ainda maiores.
O problema é particularmente grave em países em desenvolvimento. Por exemplo, Zucman estima que 30% da riqueza da África esteja escondida em paraísos fiscais. Ele calcula em US$ 14 bilhões (R$ 43,8 bilhões) o prejuízo anual na arrecadação de impostos. Isso seria suficiente para construir muitos hospitais e escolas.
A solução de Zucman é a transparência: criar um registro global de quem é dono do quê e dar fim ao sigilo e ao anonimato bancário que protegem empresas e fundos.
Isso pode ajudar com a evasão fiscal, mas a elisão fiscal é um assunto bem mais complexo e repleto de sutilezas. Para entender por quê, imagine que eu seja dono de uma padaria na Bélgica, de uma fábrica de laticínios na Dinamarca e de uma loja de sanduíches na Eslovênia.
Se eu vendo um sanduíche de queijo e ganho 1 euro de lucro, quanto desse valor deve ser taxado na Eslovênia, onde vendi sanduíche, na Dinamarca, onde o queijo foi produzido, e na Bélgica, onde assei o pão? Não há uma resposta simples.
Nos anos 1920, conforme os impostos aumentavam enquanto o mundo se globalizava, a Liga das Nações (antecessora da ONU) criou protocolos para lidar com essas questões.
Eles permitem que empresas tenham alguma flexibilidade escolher onde registram seus lucros. Há argumentos em prol desse sistema, mas ele também possibilita alguns truques contábeis duvidosos.
Há um exemplo apócrifo muito mencionado que ilustra bem os extremos lógicos dessa prática: uma empresa em Trinidad e Tobago supostamente vende canetas esferográficas para uma empresa-irmã por US$ 8,5 mil cada uma, resultando em mais lucros sendo contabilizados em Trinidad, onde se paga menos impostos, e menos em locais onde as taxas são mais elevadas.
A maioria dos truques do tipo são menos óbvios e, por isso, mais difíceis de quantificar. Ainda assim, Zucman estima que 55% dos lucros de empresas americanas passem por paraísos fiscais, como Luxemburgo e Bermudas, o que gera prejuízos de US$ 130 bilhões para o contribuinte.
Outra estimativa aponta que as perdas em arrecadação em países em desenvolvimento superem em muito o volume de dinheiro enviado como ajuda humanitária a essas nações.
Há soluções possíveis: os lucros poderiam ser taxados globalmente, com governos criando formas de determinar qual proporção dos impostos devidos deve ser paga a cada país.
Uma fórmula similar existe para determinar a parte dos lucros devida por empresas americanas a cada unidade da federação dos Estados Unidos.
Mas isso depende de vontade política para lidar com os paraísos fiscais. E, ainda que em anos recentes tenham surgido algumas iniciativas neste sentido, especialmente por meio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), elas geraram pouco impacto.
Talvez não seja uma surpresa, dados os incentivos envolvidos. Pessoas inteligentes podem faturar mais explorando brechas do que tentando acabar com elas.
Governos têm incentivos para competir entre si ao oferecer menos impostos, porque receber uma pequena parte de um valor é melhor do que uma parte maior de nada.
Para ilhas pequenas, pode inclusive fazer sentido isentar de impostos, já que a economia local será beneficiada pelo impulso a seus mercados de advocacia e contabilidade.
O maior problema talvez seja que os paraísos fiscais se beneficiam principalmente da elite financeira, incluindo alguns políticos e seus doadores de campanhas. Enquanto isso, a pressão de eleitores por medidas contra esses esquemas é limitada pela natureza confusa do problema.
Vai um sanduíche aí?
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Quanto da riqueza mundial está escondida em paraísos fiscais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU