Por: Jonas | 19 Abril 2016
Há anos, as guaridas fiscais são conhecidas, toleradas e até fomentadas, pois beneficiam muitos à custa do restante da sociedade. Existem propostas internacionais e para Argentina de limitar o acesso ao sistema de empresas offshore. Abaixo, as opiniões de um advogado e de um economista sobre o assunto. Os dois artigos são publicados por Página/12, 18-04-2016. A tradução é do Cepat.
Solução óbvia
O advogado e consultor de Tax Justice Network, Andrés Knobel, opina que “o pior não é que existam indivíduos que recorram aos paraísos fiscais para lavar dinheiro, financiar terrorismo, evadir impostos ou esconder os frutos da corrupção. Gente má há em todos os lugares. O terrível é que conhecendo o que está ocorrendo, o restante continue sem fazer nada para freá-lo. Se os paraísos fiscais se baseiam no secretismo, é necessário combatê-los com a transparência. Se a obscuridade se conquista escondendo um indivíduo por detrás de cadeias corporativas, fideicomissos e testas-de-ferro, para que possa cometer crimes sem ser descoberto, é preciso exigir que se identifique esse indivíduo, considerado o ‘beneficiário final’”.
Eis o artigo.
O escândalo dos Papéis do Panamá demonstra que os paraísos fiscais não têm partido. Não são exclusivos de um agrupamento político, de um governo ou da classe política. Nem sequer se limitam ao Panamá. São muitos e estão abertos a qualquer um com dinheiro suficiente, sem fazer perguntas. O mais grave não é o que foi revelado pelos meios de comunicação, não se trata de indivíduos que tiveram a “má sorte” de ser descobertos agora, mas, sim, de um sistema perverso em pleno apogeu e expansão.
A obscuridade não começou com o Panamá e lamentavelmente não irá terminar com este escândalo. Há anos, os paraísos fiscais são conhecidos, tolerados e até fomentados, pois beneficiam muitos à custa do restante da sociedade, claro. Advogados, contadores, assessores fiscais, funcionários, empresas, indivíduos. Ninguém considera estar fazendo algo ruim, todos simplesmente acreditam estar fazendo o seu trabalho.
Por isso, o pior não é que existam indivíduos que recorram aos paraísos fiscais para lavar dinheiro, financiar terrorismo, evadir impostos ou esconder os frutos da corrupção. Gente má há em todos os lugares. O terrível é que conhecendo o que está ocorrendo, o restante continue sem fazer nada para freá-lo. Se os paraísos fiscais se baseiam no secretismo, é necessário combatê-los com a transparência. Se a obscuridade se conquista escondendo um indivíduo por detrás de cadeias corporativas, fideicomissos e testas-de-ferro, para que possa cometer crimes sem ser descoberto, é preciso exigir que se identifique esse indivíduo, considerado o “beneficiário final”.
Esta reivindicação encabeçada por diferentes organizações não governamentais (ONGs) não é utópica, já existe. Uma Diretiva da União Europeia de 2015 exige que se crie registros centrais de “beneficiários finais” para as sociedades e outras pessoas jurídicas, que deverão identificar seus verdadeiros donos, independentemente da cadeia de empresas de paraísos fiscais que se interponham. Ucrânia, Holanda, Noruega e o Reino Unido foram mais longe ainda, estabelecendo registros públicos para que qualquer comerciante, jornalista ou ONG, possa ter acesso à informação. Os originários registros públicos de comércio consideravam a publicidade como algo essencial. Que argumentos podem existir, agora, para manter oculto aquele que cria uma empresa, que em definitivo é uma ficção legal?
É necessário copiar a normativa europeia? Não necessariamente. Mesmo que muitas destas leis representem um grande avanço para a transparência, o diabo sempre está nos detalhes. Por um lado, não existe um registro semelhante para fideicomissos. Para que um registro seja efetivo, deve incluir todos os tipos de entidades. Caso contrário, qualquer um que queira permanecer oculto, escolherá a forma jurídica mais obscura. Também é necessário definir quem será considerado “beneficiário final”, para que os requisitos não sejam tão exigentes que fiquem muitas lacunas. Igualmente importante é que a informação esteja disponível on-line para que qualquer pessoa, especialmente uma autoridade de outro Estado possa ter acesso a ela. Outro detalhe relevante é que a informação esteja digitalizada e em formato de dados abertos. Desta forma, as autoridades poderão cruzar a informação daqueles que figuram como beneficiários finais com suas declarações realizadas, registros civis e migratórios, consumos de cartão de crédito e extratos bancários, para descobrir casos de ocultamento ou falsidade.
Serve, caso não seja feito por todos? É verdade que mesmo que a Argentina contasse com um registro central e público de beneficiários finais para todos os tipos de entidades, muitas das revelações dos Papéis do Panamá não teriam sido detectadas. Para isso, seria necessário que todos os países (especialmente, os paraísos fiscais) também tivessem estes registros. No entanto, a Argentina ganharia muito, inclusive se fosse o único país que os tivesse. Se a Argentina exigisse o registro dos beneficiários finais de qualquer entidade que queira operar no país, seja daqueles que queiram abrir uma conta bancária, comprar uma casa ou vender produtos e serviços, se tornaria muito mais difícil lavar dinheiro no país (por exemplo, comprando imóveis com dinheiro do narcotráfico), vender faturas apócrifas para ajudar outros a evadir impostos ou dissimular subornos e até controlar em que empresas participam os funcionários públicos para descartar casos de corrupção ou conflito de interesses nos contratos de obra pública e nos provedores do Estado.
Diferentes ONGs, como Tax Justice Network, juntas com funcionários do governo, vêm analisando propostas de transparência (como os registros de beneficiários finais), já antes da divulgação do escândalo. Seria desejável que os Papéis do Panamá servissem para catalisar a vontade política de acabar com a obscuridade na Argentina.
Uma mudança possível
“A legislação [argentina] vigente é absolutamente permissiva e, consequentemente, cúmplice. Deve ser modificada radicalmente, com urgência. Não é legítimo abonar a fuga de capitais e evasão fiscal daqueles que mais possuem”, opina Juan Valerdi, economista e integrante de Tax Justice Together.
Eis o artigo.
A divulgação dos Papéis do Panamá deve ser aproveitada em todo o mundo para impulsionar uma discussão profunda a respeito do grave dano que as guaridas fiscais ocasionaram em nossas economias e sobre o modo mais rápido de acabar com elas. De nada serve colocar o acento, como se está fazendo, nos “ricos e famosos” da Argentina e do restante do mundo. Estes documentos revelaram informações que “complicam” o Presidente da Argentina, membros de seu gabinete, o secretário de um Presidente da década passada e o jogador de futebol mais famoso da Argentina.
O escândalo descoberto oferece uma perfeita oportunidade para analisar as razões que situam o país como “caso crítico” diante das “guaridas”, pois torna público os vínculos não santos de uma frutífera sociedade de negócios para poucos e muito poderosos argentinos, e para propiciar e concretizar reformas legislativas de base que as revoguem.
A legislação vigente é absolutamente permissiva e, consequentemente, cúmplice. Deve ser modificada radicalmente, com urgência. Não é legítimo abonar a fuga de capitais e evasão fiscal daqueles que mais possuem.
No ano 2000, ao ser definido o texto ordenado da Lei de Imposto sobre os Lucros, mediante o Decreto 1037/2000, criou-se uma lista taxativa “negativa” de 88 “guaridas” (piedosamente denominadas “jurisdições de baixa tributação”). A lista “negativa” na lei de imposto sobre os lucros, habilitava medidas especiais de controle e exigência de documentação das operações na AFIP, no Banco Central e no sistema financeiro que possibilitavam controlar atividades de fraude e evasão fiscal, manipulação de preços de transferência com os quais as multinacionais registravam suas operações, fuga de capitais, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
Em maio de 2013, mediante o Decreto 589/2013, eliminou-se a lista “negativa” e a mesma foi substituída por uma lista “positiva” que inclui as chamadas “jurisdições cooperantes”. A condição fixada para que um país-guarida seja definido como “cooperante” é que tenha firmado um convênio de troca de informação com a AFIP ou que, a critério da AFIP, tenha “iniciado as negociações necessárias com o Governo para assinar um acordo de troca de informação em matéria tributária”.
Os acordos de troca de informação entre países cooperantes são inúteis. Isso foi exposto por diversos especialistas e ONGs locais, regionais e internacionais. Uma prova cabal da inutilidade denunciada é o que ocorreu com os dados de 4040 argentinos que a AFIP pôde identificar como titulares de contas não declaradas no HSBC de Genebra, já que o pedido de informação oficial a Suíça teve como resultado uma resposta negativa das autoridades daquele país, em razão da origem da informação que motivou a solicitação. Os documentos detalhando titularidade e movimentos de contas no HSBC de Genebra foram extraídos do banco pelo ex-funcionário informático Hervé Falciani, em 2008. Incluem mais de 130.000 sonegadores de diversas nacionalidades e em consequência dessa informação foi aberta, entre outras, uma investigação sobre a participação do ministro da Fazenda e Finanças Alfonso Prat Gay, na Argentina.
As normas vigentes de resguardo anti-evasão, assim como as de luta contra lavagem de ativos e financiamento do terrorismo, em relação com as atividades econômicas de pessoas físicas e jurídicas que operam na Argentina e têm como contraparte outras domiciliadas em países como Panamá, Bahamas, Suíça, Jersey, Seicheles, Luxemburgo, Ilhas Cayman, Bermudas, Ilha de Man, Ilhas Virgens e outras reconhecidas guaridas fiscais, possuem um tratamento semelhante ao que ocorre com países desenvolvidos, com um nível de tributação razoável e sem obscuridade bancária e societária.
Em definitivo, a situação atual da Argentina frente ao gravíssimo problema da fuga de ativos, lavagem de capitais e evasão tributária, relacionados com as guaridas fiscais, é de extrema debilidade. A falta de ação para resolver esta delicada situação por parte das autoridades políticas e da AFIP atuais, salpicadas pelo escândalo dos Papéis do Panamá e a Lista Falciani, oferece uma perfeita e imperdível possibilidade de materializar, com caráter urgente, uma reforma legislativa contra os paraísos fiscais, em concordância com os princípios de transparência apresentados na campanha que levou o atual presidente em exercício a vencer o segundo turno. Seria uma forma concreta e efetiva de reparar o erro pelo qual é acusado e a respeito do qual lhe pedem explicações e instruem investigações.
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O sistema perverso das offshore. Duas análises - Instituto Humanitas Unisinos - IHU