04 Agosto 2017
Íntimo do ambiente de crise, já tendo atendido dezenas de figurões do mundo político e empresarial em 20 anos de carreira, o consultor Mário Rosa vê na "fraqueza" do presidente Michel Temer seu grande trunfo para se manter no cargo hoje - além da "sorte".
A fraqueza, explica, faz dele um presidente "extremamente sedutor e atraente" para congressistas em busca de poder.
A reportagem é de Mariana Schreiber, publicada por BBC Brasil, 04-08-2017.
"É melhor você ser um aliado de um presidente fraco que precisa de você, do que fazer parte de um governo forte que não precisa. O presidente fraco precisa de todo mundo, e isso torna ele muito próximo do Parlamento", disse à BBC Brasil, em conversa na última semana.
Na entrevista, Rosa já dava como certa a vitória de Temer na Câmara dos Deputados, que se confirmou nesta quarta-feira, quando a maioria rejeitou o andamento da denúncia de corrupção passiva contra ele.
Nas vésperas da votação, o governo liberou centenas de milhões de reais em emendas parlamentares e, com outras ações, atendeu interesses de grupos específicos, como deputados ligados ao agronegócio (facilitação para pagamento de dívidas de produtores) e de Estados mineradores (aumento dos royalties de empresas de mineração). Ambos os grupos deram forte contribuição para enterrar a denúncia.
Mas Temer hoje não oferece vantagens apenas para seus aliados. Seus adversários políticos também ganham com a continuidade do governo, garante Rosa: "Quem bate ganha, quem defende leva. Quem bate ganha voto, ganha aplauso, ganha visibilidade, ganhar credibilidade. E quem defende leva recursos, leva vantagens, leva dinheiro. Então, ele é ótimo porque atende os dois lados".
Já a sorte de Temer, acredita o consultor, é a ausência de provas "arrebatadoras" e a possibilidade de rivalizar com outro "vilão", no caso o delator Joesley Batista, dono da JBS, que, em troca de liberdade, o acusa dos crimes de corrupção passiva e obstrução da Justiça. É uma situação muito mais "fácil", avalia, que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo contraponto hoje é o juiz "herói" Sergio Moro.
"Se você entender que tudo isso é um drama, com papéis de vilão e herói, Lula tem um contraponto muito difícil. Agora Temer, quando polariza com Joesley, réu confesso que recebeu uma vantagem judicial muito fora do padrão dos outros empresários, tem um contraponto muito melhor", analisa.
"Ali, Temer tomou uma decisão fundamental, em qualquer batalha de relações públicas e política, de decidir quem é o adversário, porque não é a luta do bem contra o mal, podia ser do mal contra o mal, do mal maior contra o mal menor, mas não do bem contra o mal de maneira tão absoluta", observa.
O outro contraponto de Temer no "drama" da JBS - cuja delação trouxe gravação comprometedora de conversa do presidente com Batista, além de imagens de seu ex-assessor especial Rocha Loures recebendo propina de R$ 500 mil em uma mala - é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
É mais um elemento que ajuda o presidente no Congresso, ressalta Rosa, já que dezenas de parlamentares estão sob investigação da PGR. "Quando ele polariza com o Janot, no tribunal que o julga (a Câmara) está dizendo assim: 'você vai votar em mim ou no Janot?' Ele foi hábil e teve sorte porque não apareceram ainda provas arrebatadoras", afirma.
Na sua visão, o Ministério Público tem sido "hiper demandado" e isso gerou "uma hipertrofia" da instituição, negativa para a democracia.
"Se até o mandato do Presidente da República pode variar sob qualquer pretexto, a qualquer hora, nós estamos cruzando a linha do precipício. Daí em diante é a lei da selva, ninguém sabe o que vem. Então, há instinto de autopreservação também (dos parlamentares)", ressalta.
Para o consultor, a vitória na Câmara contra a denúncia de Janot representa um "reequilíbrio entre os poderes muito positivo", a partir da articulação entre Executivo e Legislativo.
"Com esse afã do Ministério Público de decidir derrubar um presidente em três meses, nós estaríamos resvalando numa imprevisibilidade institucional que eu acho extremamente regressiva. Então, a vitória política dele (Temer) é muito mais importante do que ele. Ela mostra que as instituições brasileiras conseguem se equilibrar mesmo em momentos de extremo estresse como nós estamos vivendo".
Crítico do troca-troca presidencial, Rosa considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi "golpe", "um escândalo", mas defende agora que Temer conclua seu mandato.
E ainda vê vantagem no que muitos classificam como algo antidemocrático e autoritário: que o presidente impopular, "um cão sarnento", "faça as reformas que ninguém quer fazer para não perder votos".
Enquanto Temer se livrava da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na mesma noite Rosa lançava seu último livro, Entre a glória e a vergonha, ao lado do plenário, no Salão Nobre da Câmara. O local e data foram escolhidos de propósito para coincidir com o dia D de Temer.
A obra conta um pouco da sua vida de consultor de crises, reunindo causos curiosos ou momento íntimos de fragilidade de pessoas importantes como o senador Renan Calheiros (PMDB), o escritor Paulo Coelho, o marqueteiro Duda Mendonça, o cantor Roberto Carlos, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e o empresário Abílio Diniz. Em vinte anos, Rosa atendeu grandes empresas por muito dinheiro, e outros clientes, como políticos, de graça, acumulando créditos para favores futuros.
Em meio ao caos da votação da denúncia, passaram pelo lançamento Calheiros, hoje seu amigo, o senador José Serra (PSDB), os ministros Gilberto Kassab (Comunicações) e Mendonça Filho (Educação), além do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que, aliás, já leu o livro.
Quem também já conferiu a obra foi Temer. "Me enviou um telegrama: 'belíssima biografia'", contou.
A decisão de escrever o livro de memórias veio de um momento de crise do próprio autor, que foi alvo da operação Acrônimo da Polícia Federal em 2015, por ter contratado anos antes a empresa de Carolina Oliveira, assessora de imprensa hoje mulher de Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais.
A suspeita é que os contratos tivessem relações com transações irregulares entre empresas e o BNDES. Rosa diz que apenas subcontratou Oliveira para atender alguns de seus clientes e que todos os serviços e pagamentos estão comprovados.
Como a partir daí teve que quebrar o sigilo de sua operações, decidiu escrever o livro para explicar seu trabalho.
Suas críticas ao Ministério Público, afirma, nada tem a ver com o fato de ter sido "vítima de uma bala perdida" da operação, o que, segundo ele, acabou lhe trazendo um rico aprendizado ao viver na pele o que muitos de seus clientes passaram.
"Não falo isso porque tenho raiva do que aconteceu comigo, pelo contrário, o que aconteceu comigo foi dolorosíssimo, mas foi transformador", garante.
"Entendo como coisa do destino, acidente de trabalho. Vivi em um ambiente perigoso a vida inteira, assim como um funcionário que trabalha na rede de energia elétrica. Fazia parte do meu risco, do meu negócio, mas na hora que você toma o choque, evidentemente você desmaia ou morre."
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Temer é 'ótimo' para todos: 'quem bate, ganha aplausos, quem defende, leva dinheiro', diz consultor de crises - Instituto Humanitas Unisinos - IHU