06 Junho 2017
Numa época em que os laços políticos entre Estados Unidos e Europa parecem estar se desfazendo, exacerbados pela decisão recente de Trump em abandonar o acordo climático de Paris, podemos dizer que, em termos católicos, a “aliança do Atlântico” está, na realidade, forte e vem se fortalecendo cada vez mais.
O comentário é de John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 04-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Neste exato momento, não seria exagero dizer que a relação política entre EUA e Europa parece estar à beira de se desfazer. No mínimo, os laços que cruzam o Atlântico estão sofrendo uma tensão redobrada.
Esta semana, Trump anunciou sua retirada do acordo climático de Paris, desencadeando uma reação severa (e curiosamente unificada) da Alemanha, França e Itália. Isto ocorreu na esteira de um choque, no G7, com a chanceler Angela Merkel, que a levou a dizer que, uma vez a Europa não mais podendo contar com os EUA e a Grã-Bretanha, é chegada a hora de os europeus assumirem as rédeas de seu próprio destino – o que equivale a uma declaração de independência.
Antes, a vitória do Brexit na Inglaterra, acompanhada da eleição de um líder americano cujo mantra é “a América em primeiro lugar”, já não parecia favorecer uma cooperação internacional, e agora ficou mais difícil ainda imaginar que uma “era de bons fluídos” entre EUA e Europa virá tão cedo.
Na sexta-feira passada, durante um congresso internacional, no entanto, eu defendi uma tese contraintuitiva: embora os laços políticos possam estar desgastados, os laços eclesiásticos entre EUA e o Velho Continente estão fortes e vem se fortalecendo cada vez mais.
A ocasião era o Diálogo Whitsun, evento bienal na província austríaca de Stryria que reúne figuras leigas e religiosas para refletir sobre certos temas da atualidade. Ele ocorreu no pitoresco Castelo de Seggau, originalmente construído para abrigar os arcebispos de Salzburgo e, mais tarde, de Seckau e que, hoje, funciona como um grande centro de retiros e conferências. Tem vista para a cidade de Leibnitz, não muito longe da fronteira com a Eslovênia.
O tema deste ano foi a relação entre Estados Unidos e Europa, e a minha tarefa era discutir a dimensão religiosa, e particularmente a católica, das coisas. Defendi que, embora os políticos possam estar se distanciando, os bispos católicos têm se aproximado em, pelo menos, três áreas fundamentais.
A primeira é a perseguição aos cristãos, especificamente no Oriente Médio. Esta tem sido anunciada como uma prioridade dos bispos europeus e americanos, refletindo o valor histórico e espiritual que eles emprestam à região, assim como o reconhecimento das realidades brutais que estas pessoas aí enfrentam.
No passado, quando as conversas entre os bispos se voltaram para o Oriente Médio, via-se uma lacuna enorme entre os europeus e americanos. Via de regra, muitos bispos dos EUA tendem a ser pró-israelenses, e muitos bispos europeus tendem a ser pró-palestinos. Portanto, uma cooperação aqui poderia encontrar dificuldades para ser posta em prática. (Devemos condenar as forças de segurança israelenses que dificultam a vida dos cristãos árabes, ou os palestinos por fomentar o Hamas?)
Agora que o foco principal se deslocou para o Iraque e a Síria, todavia, este não é mais o caso. Além disso, a simples urgência da situação fez essa discussão parecer irresponsável.
Os bispos europeus e americanos também dividem essencialmente o mesmo diagnóstico político do conflito sírio, que é um “sim” para os esforços internacionais de manutenção da paz, mas um “não” à troca de regime via força militar. Isto se baseia, é claro, no que eles ouvem dos bispos sírios, que reiteradamente advertem que, por mais ruim que Assad possa ser, o que viria depois de uma derrubada forçada dele provavelmente será pior ainda.
Uma segunda área em que há uma convergência crescente é a imigração.
Por trinta anos, principalmente os bispos europeus mais conservadores estiveram céticos, se não mesmo hostis, à imigração, preocupando-se com que a maré crescente de migrantes majoritariamente muçulmanos apagasse as origens cristãs do continente.
Alguns prelados europeus apoiavam as limitações e proibições aos migrantes muçulmanos, ou um tratamento preferencial a migrantes de países tradicionalmente católicos.
Nos EUA, no entanto, a trinta anos atrás o centro de gravidade dentro da conferência episcopal era grandemente pró-imigrante, em parte porque a maioria deles eram católicos e traziam uma religiosidade dinâmica para o país.
Hoje, a migração e os pedidos de refúgio na Europa trazem uma parcela cada vez maior de cristãos para o continente, incluindo grupos vindos da África, Ásia e Oriente Médio. Raramente vemos um bispo europeu, hoje, que não tenha uma experiência direta com as dificuldades que estes imigrantes enfrentam, e que não conheça os dons que têm a oferecer.
Semana passada, quando eu e minha colega Inés San Martín perguntamos ao Cardeal Christoph Schönborn, de Viena, onde ele enxergava sinais de esperança para a religião na Europa, a sua primeira resposta instintiva foi “na imigração cristã”.
“Temos uma variedade de comunidades cristãs vindas de todo o mundo, da China à América Latina”, disse. “Elas trazem um fervor renovado, um novo fermento, uma vida nova à Igreja local”.
Claro, a liderança do Papa Francisco na defesa dos migrantes e refugiados fortalece esta tendência.
Em terceiro lugar, os bispos dos EUA cada vez mais se encontram no mesmo barco que seus companheiros europeus no tocante às guerras culturais.
Em certo sentido, a Igreja americana há tempos é vista com fortemente pró-vida, mais do que a sua contraparte europeia. No entanto, isso se deve ao fato de que, nos últimos trinta anos mais ou menos, temas como aborto, casamento gay e eutanásia têm sido questões em aberto na vida política americana, enquanto que basicamente elas já foram assentadas na maioria das sociedades europeias.
Esta diferença está se estreitando cada vez mais. Embora os EUA continuarão a debater as restrições ao aborto e questões como o financiamento público a esta prática, a maioria dos analistas concorda que o aborto, em todas as fases da gestação, não voltará a ser recriminalizado. A decisão no caso Obergefell legalizou o casamento homoafetivo, e a tendência no nível dos estados é favorável a leis que permitem certas formas de eutanásia.
Consequentemente, os bispos americanos irão se centrar mais na objeção de consciência: evitarão combater o conteúdo destas decisões, mas procurarão criar e defender espaços para que os fiéis possam divergir enquanto ainda desempenham funções fundamentais na vida pública. Este é um desafio que os bispos europeus têm enfrentado há muitos anos, e os americanos podem se ver atraídos por estas reflexões.
Se quiséssemos acrescentar um outro elemento que aproxima o catolicismo americano e europeu, este seria o Papa Francisco.
Como o primeiro papa de um país em desenvolvimento, Francisco não tem uma visão diferente para a Europa e os EUA, pelo menos no nível do detalhe. O que ele tem é uma visão para os países desenvolvidos do primeiro mundo, abraçando a Europa e os EUA e convidando-os a um maior senso de responsabilidade para com as periferias.
Em outras palavras, para Francisco a Europa e os EUA têm uma vocação comum.
Resta saber se esta convergência católica será suficiente para manter unidos a Europa e os EUA numa época em que os líderes políticos parecem determinados a separá-los. Não obstante, é de surpreender que, pelos menos em termos católicos, a aliança atlântica parece estar mais saudável do que nunca.
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Em termos católicos, a relação entre EUA e Europa está em boa forma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU