05 Junho 2017
Às margens da rodovia Transamazônica, a 80 quilômetros de Altamira, Pará, a estrutura da usina de Belo Monte surge de repente na paisagem e impressiona quem passa por ali. No portão de entrada, a movimentação de prestadores de serviço ainda é grande, tratores e caminhões circulam pelas estradas de terra no interior do terreno.
A reportagem é de Nádia Pontes, publicada por Deutsche Welle, 04-06-2017.
Mas é na casa de força principal da hidrelétrica que o trabalho segue 24 horas por dia. Funcionários fazem a montagem final das turbinas, que acontece ao lado das que já estão em funcionamento. Até 2019, serão instaladas 18 turbinas – a sexta se prepara para entrar em operação. Quando concluída, Belo Monte será uma das maiores hidrelétricas do mundo.
Num andar acima, na sala de monitoramento, computadores mostram os números detalhados da geração de energia elétrica. Tudo começou a funcionar pra valer há um ano, com a água acumulada no reservatório formado após o barramento do rio Xingu.
Mas toda essa atividade terá que ser suspensa, após a decisão de uma Corte Especial no início de abril, em resposta a uma das várias ações judiciais abertas por procuradores públicos, ambientalistas e associações contrárias à usina.
Desembargadores entenderam que a hidrelétrica não deve operar até que a Norte Energia finalize as obras de saneamento básico em Altamira. O consórcio formado para operar a hidrelétrica informou que ainda não foi notificada da decisão.
O projeto faz parte da lista com 23 obrigações que a empresa recebeu em 2011, quando o Ibama autorizou sua instalação. Tudo teria que ser cumprido até 2014, antes de a usina começar a operar. Não foi o que aconteceu, denunciam procuradores da República.
“As ações previstas não se implementaram, esse custo foi transferido para a população atingida. A decisão da corte é muito importante, mostra uma mudança no Judiciário”, afirma Thaís Santi, procuradora do Ministério Público do Pará, que move 25 processos contra Belo Monte.
Desde o início de sua construção, em janeiro de 2011, protestos e denúncias de irregularidades chamaram a atenção do mundo para a obra, orçada em 16 bilhões de reais. Os custos, no entanto, já teriam ultrapassado 30 bilhões de reais.
“A energia garantida remunera perfeitamente o investimento e justifica esse empreendimento com essa potência garantida, com esse arranjo que foi feito”, afirma Humberto da Nobrega, superintendente da área de qualidade e projetos eletromecânicos da Norte Energia, sobre a usina cogitada há mais de 30 anos.
Segundo a empresa, os gastos nas áreas social e ambiental foram de mais de 4 bilhões de reais – a mesma cifra investida em equipamentos eletromecânicos.
Para a procuradora Thais Santi, que acompanhou toda a implantação de Altamira, o custo real da usina ainda é desconhecido. “A gente não sabe. Porque todas essas ações condicionantes não foram implementadas. Existe um passivo enorme.”
A situação criada após um ano desde o início do funcionamento de Belo Monte colocaria em xeque a sua viabilidade. “Eu acredito, e tenho cada dia mais consciência que, mesmo que todas as ações tivessem sido implementadas, eu tenho duvidas em afirmar se Belo Monte seria viável”, declara Santi.
A Polícia Federal investiga também pagamento de propina durante a construção da obra depois de Belo Monte ter sido citada por delatores na Operação Lava Jato.
Abaixo da barragem construída no Xingu está a Terra Indígena Paquiçamba, do povo Juruna. O trajeto de barco de Altamira até lá leva um pouco mais de duas horas, com percurso interrompido pelo paredão de pedras e concreto. A viagem por água segue após o transbordo gratuito da embarcação até a outra margem, feito pela Norte Energia.
“A gente vive uma aflição. A nossa água é controlada por comportas. Criaram um hidrograma de consenso, mas ele não funciona para nós porque o nível da água muda muito rápido, a todo instante”, conta Leiliane Jacinto Pereira Juruna.
Na lista de obrigações que a Norte Energia recebeu em 2011 estava a implantação de projetos para diminuir o impacto da usina junto aos povos indígenas que vivem na Volta Grande do Xingu.
“Eles estão oferecendo que a gente crie peixe em tanques. Isso é muito constrangedor para nós”, afirma a Leiliane, que passa algumas semanas na cidade para concluir o curso de enfermagem, área que sofre carência de atendimento em sua aldeia. “Antes tínhamos total liberdade para pescar no rio o peixe que a gente queria. Agora não dá mais. E a nossa renda praticamente desapareceu."
A ilha que a pescadora Maria Francineide Ferreira dos Santos usava como base fica acima da barragem. O pequeno espaço de terra no meio do Xingu foi inundado após a construção da usina. As árvores frutíferas, que atraiam os peixes, hoje estão quase secas, debaixo d’água.
“O rio não dá mais peixe, está tudo morto, acabado”, diz apontando o cajueiro que fazia sombra enquanto pescava. “Belo Monte não assume o erro e não reconhece o impacto que fizeram no nossa natureza”, denuncia.
A ligação íntima com o rio começou quando Maria Francineide veio ao mundo – ela nasceu dentro do barco, rumo à cidade. Quando o pai dela percebeu que a recém-nascida e esposa passavam bem, deu meia volta para o povoado ribeirinho e cancelou a ida ao hospital. Hoje ela faz parte do Conselho Ribeirinho do Reservatório da UHE Belo Monte.
Os pescadores não foram indenizados pela Norte Energia, que alega não ter detectado qualquer alteração em relação à quantidade do pescado. Com a formação do reservatório, no entanto, essa posição pode mudar.
“A gente já monitora e prevê que possíveis transformações devem encaminhar para uma necessidade de olhar especificamente para as questões que dizem respeito ao pescado do peixe”, respondeu Luciana Soares, gerente do Meio Socioeconômico da empresa.
Para a Norte Energia, a construção de Belo Monte colocou aquela região do Pará no mapa de investimentos. “Somos partícipes de um processo de transformação dessa região, um novo olhar para essa região da Amazônia, um olhar que vise um legado de sustentabilidade”, detalha Soares.
As organizações não governamentais da região discordam fortemente. “Na observação do Instituto Socioambiental, quase 100% dos grupos dos impactados estão numa situação muito pior do que viviam anteriormente”, rebate Marcelo Salazar, coordenador-adjunto do Programa Xingu, morador de Altamira há mais de uma década.
Antonia Melo, que luta ao lado dos indígenas contra a construção da usina desde 1989, ficou muito tempo sem ir para as margens do Xingu após a instalação de Belo Monte. Ela conta que as pessoas ficaram doentes de tristeza, sofreram um adoecimento da alma.
“Não precisamos desse modelo na Amazônia, que desrespeita os povos e os saberes locais”, critica. “Governo e Norte Energia nunca vão pagar. Eles têm para com os povos do Xingu uma divida que será histórica. Por mais que façam as condicionantes, nunca vão pagar, restituir, o mal, o prejuízo, o desastre, o crime, na nossa vida.”
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Após um ano de funcionamento, Belo Monte segue envolta em polêmicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU