24 Mai 2017
Relatório da CPI dos Frigoríficos mostra boom da empresa no Mato Grosso entre 2010 e 2015; plantas ficaram fechadas e geraram desemprego
A reportagem é de Izabela Sanchez Fontes, publicada por De Olho nos Ruralistas, 22-05-2017.
Instalada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso há mais de um ano, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os frigoríficos no estado chegou ao final com uma protagonista bem conhecida: a JBS. O relatório final foi aprovado no dia 5 e expõe o caminho construído pela JBS Foods para concentrar a indústria da carne no Mato Grosso. Os deputados pedem investigação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O documento aponta que a empresa de Wesley e Joesley Batista controla hoje 56% de todo o mercado matogrossense. O crescimento mais acentuado dos abates ocorreu entre 2011 e 2015, período em que a JBS adquiriu e arrendou frigoríficos. O documento da CPI – instalada no dia 8 de março de 2016 – destaca que para isso, a empresa adquiriu concorrentes que preferiu deixar fechadas:
– Estas indústrias arrendadas na sua grande maioria eram paralisadas, ou acabavam paralisando suas atividades, isso sem que tivesse uma justa causa como o Cade disciplina na Lei nº 12.529/2011, no artigo 36, inciso XVII.
A CPI concluiu que há “domínio de mercado” da JBS no Mato Grosso.
Para mostrar o caminho dessa concentração, a CPI utilizou bases de cálculo de mercado, como a combinação da participação no mercado (market share) e o índice Herfindahl-Hirschman. Este pode assumir valores entre 0 e 10000. Quanto menor ele for, menor a concentração de mercado. No caso de um monopólio o índice chega a 10000. Em 2015, o índice da JBS atingiu 3669,03.
Conforme o documento, a JBS possui 18 plantas industriais no Mato Grosso. Desse total, 11 funcionam e outras 7 estão paralisadas. A resolução que pede a aprovação do relatório final da CPI destaca que a empresa adquiriu ou arrendou outras 7 plantas que não foram operadas e, por isso, não constam no cadastro do Ministério da Agricultura.
Com isso o número de frigoríficos da JBS no Mato Grosso subiu para 25, no fim de 2015. “Grande parte delas paralisadas, mesmo aquelas arrendadas”, aponta o relatório, “o que levanta certa curiosidade quanto aos motivos de tantas locações para manter o abate paralisado naquelas localidades”.
Segundo o relatório, as justificativas para fechamento de algumas plantas frigoríficas foram relativas à inviabilidade da planta: falta de matéria, inviabilidade financeira, liquidação judicial. Em um dos casos foram alegados problemas ambientais. Em outro, problemas com a estrada; em outra, com a desossa.
A CPI foi presidida pelo deputado Ondanir Bortolini (PSD) e relatada pelo deputado Zé Domingos Fraga (PSD). As investigações tomaram como direção três linhas de pesquisa: a quantidade de indústrias pertencentes ao grupo JBS; a quantidade de abate do grupo; e a superioridade concorrencial da JBS.
Um dos resultados do fechamento das plantas adquiridas foi o desemprego. No relatório, os deputados explicam que 18 municípios do Mato Grosso tiveram 21 indústrias paralisadas, totalizando 14 mil e 927 demissões. Em todas as cidades, o desemprego afetou a economia local e provocou êxodo. Em alguns locais, milhares de pessoas deixaram as cidades em busca de empregos.
No município de Colíder, o fechamento de um dos frigoríficos da JBS teve um impacto que o relatório chama de “catastrófico”:
– Vários funcionários tiveram que se mudar de cidade já com a casa, pagando aluguel, para viver uma vida péssima, onde o salário mal dava para despesas como água e luz. Três mil pessoas eram mantidas com salário do frigorífico, somando empregos indiretos e diretos.
Em abril deste ano, fora do âmbito da CPI, a JBS de Colíder foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 2 milhões de indenização por expor seus funcionários a risco, principalmente pelo vazamento de amônia. Desse total, R$ 700 mil se referiam a “dumping social”. O termo se refere à violação dos direitos dos trabalhadores por meio do aumento da competitividade desleal no mercado.
A CPI identificou uma disparidade em relação ao abate de outras marcas no estado, como Marfrig e Vale Grande. A Marfrig, segunda colocada em número de abate de bovinos, não alcança 25% do abate realizado pela JBS – cenário que era bem diferente no ano de 2010.
Os deputados concluíram que os frigoríficos do Mato Grosso “foram implantados com base em projetos fracos tecnicamente”. O documento explicita que a proximidade das plantas industriais e a dependência de incentivos públicos não considerou logística, preços praticados, pontos fortes e fracos. “Em alguns casos, sem uma análise criteriosa do custo de produção”.
Para a CPI, o Estado foi omisso e distribuiu incentivos na base do “quem pode mais, chora menos”. A política tributária adotada, mais especificamente no período entre 2010 até 2014, motivou “acentuada e sistemática concentração de mercado”.
O relatório observa que a JBS foi inflada com incentivos fiscais do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), numa coincidência “devastadora” para o mercado da bovinocultura de corte no Mato Grosso:
– A dependência de incentivos públicos do setor é de se assustar; indústrias apenas com um olho no mercado e outro no seu custo de produção se tornam frágeis administrativamente e totalmente expostas às imperfeições do mercado quando dependem “ad eternum” de incentivos públicos.
O documento destaca o papel assumido pelo governo estadual, com as medidas tributárias adotadas no período analisado, e pela União:
– Se está diante de um caso clássico de concentração econômica, ainda pior do que se estivéssemos diante dos conceitos teóricos de monopólio ou oligopólio, isto porque neste caso especifico houve, intencionalmente ou nem tanto, a participação maciça do Estado, seja no âmbito estadual ou federal.
A JBS também está na mira da CPI dos Incentivos Fiscais. As duas comissões trocaram informações sobre os incentivos. Um deles é objeto de ação civil pública por improbidade administrativa envolvendo o ex-governador Silval Barbosa, secretários de governo e o diretor da JBS no Mato Grosso.
Silval Barbosa é um dos mencionados nas delações recentes da Lava-Jato, divulgadas na semana passada. Confira neste texto do G1: “Dono da JBS diz ter pago R$ 7,5 milhões de dívida de campanha de Silval Barbosa“. Em fevereiro ele foi preso pela quinta vez, durante as investigações da Operação Sodoma. A CPI recomendou à Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso que fiscalize os incentivos que tenham ficado de fora da ação civil pública. E pede ao Cade abertura de procedimento administrativo “com o objetivo de averiguar/investigar os malefícios da concentração de mercado apurada pela CPI dos Frigoríficos”, promovendo os atos necessários “para resguardar a livre concorrência no Brasil”.
A reportagem do De Olho nos Ruralistas procurou a JBS, por meio da assessoria de imprensa, mas a empresa não quis dar sua versão.
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CPI mostra como JBS dominou 56% do mercado da carne no MT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU