18 Mai 2017
" A batalha pela justiça social e pela preservação da natureza passa necessariamente pela luta contra a corrida armamentista, pela redução dos gastos militares, pelo desarmamento, pela harmonia entre os povos, pelo redirecionamento da energia de guerra para a energia de paz e pela democratização da produção e da oferta de energia renovável" escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 17-05-2017.
“The future will be renewable-based or there won't be a future” (Adolfo Rebollo, CEO of Ingeteam)
Os Estados Unidos se envolveram em uma série de guerras visando garantir o egoístico acesso aos recursos petrolíferos globais. As guerras do Afeganistão e do Iraque são exemplos recentes de intervenções militares desastrosas para todos os países envolvidos e para o mundo. Calcula-se que os EUA gastaram cerca de US$ 6 trilhões de dólares nestes dois conflitos militares (fora as perdas de vida humana, não humana e os desastres ambientais).
No governo Barack Obama, os EUA gastaram anualmente cerca de US$ 550 bilhões em despesas de guerra e no aparato bélico. Agora em 2017, o governo Donald Trump pretende aumentar estes gastos em 10%, elevando-os para a casa dos US$ 600 bilhões anuais. O discurso oficial argumenta que são despesas para garantir a segurança interna e a liberdade no mundo. Mas muitos críticos mostram que o exagerado arsenal militar dos EUA tem a função de garantir o acesso do país aos combustíveis fósseis depositados nos territórios estrangeiros.
Porém, existe um outro caminho para os EUA e o mundo. Ambientalmente, a “Era do Petróleo” está com os dias contados (seja pelo Pico de Hubert ou pelo Orçamento Carbono). Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras, a “Idade do Petróleo” vai acabar não por falta de petróleo, mas por avanços tecnológicos que vão permitir a construção de uma nova matriz energética, não-fóssil, de baixo carbono, renovável e mais limpa do ponto de vista ambiental.
Artigo de Tom Solomon (26/10/2016) mostra a viabilidade da transição da matriz energética dos EUA nas próximas duas décadas. Para ele, existe uma maneira viável de superar os combustíveis fósseis e sair da crise climática a tempo de evitar os piores efeitos do aquecimento global. O plano se baseia no trabalho realizado pela equipe de Mark Jacobson, da Universidade de Stanford (www.thesolutionsproject.org), que descreve um futuro com 100% de energia renovável até 2050.
Considerando as metas do Acordo de Paris (de dezembro de 2015) – para manter o aquecimento global abaixo de 1,5º C. – será preciso substituir todos os combustíveis fósseis por energias renováveis e limpas, com 50% até 2030 e com 100% até 2050. No caso dos EUA, para transformar a matriz energética seria preciso atingir: 3.966 GW de energia fotovoltaica (PV-solar); 2.421 GW de eólica; e 61 GW de novas capacidades de hidroelétrica + geo + onda + maré. Para atingir 100% destes 6.448GW em 2050 e 50% até 2030 deveria haver um esforço redobrado.
Em 2015, os EUA instalaram 7,3 GW de PV solar e 8,6 GW de eólica. Se estes acréscimos de capacidade forem mantidos seria preciso 405 anos para atingir 100% dos 6.448 GW. Portanto, é preciso investimentos maciços na área, com pelo menos 488 gigafactories até 2029.
A tabela abaixo mostra a estimativa do custo financeiro para a mudança da matriz energética dos EUA. Os investimentos anuais seriam de US$ 283 bilhões. Nota-se que este valor é menos da metade do orçamento anual de defesa, proposto por Donald Trump, de cerca de US$ 600 bilhões.
O custo total para a efetivação de uma matriz 100% renovável até 2037 seria de US$ 6,3 trilhões. Isto é semelhante ao custo total gasto nas guerras do Iraque e do Afeganistão. Por outro lado, haveria uma economia no gasto com combustíveis fósseis, além de mitigar o efeito estufa.
O prefeito de Chicago, Rahm Emanuel, anunciou em abril de 2017 que a cidade se comprometeu a garantir que todos os edifícios governamentais serão alimentados por 100% de energia renovável até 2025, o que tornaria a cidade de Chicago a maior cidade do país a manter todas as suas instalações públicas abastecidas por energia não fóssil.
O que o artigo de Tom Solomon (26/10/2016) mostra é que as barreiras para uma matriz 100% renovável são políticas, não técnicas. A resistência vem dos setores econômicos que perderão negócios (petróleo, gás, carvão e indústria automobilística com combustão interna), além do complexo industrial-militar.
Este mesmo raciocínio vale para o mundo. O relatório de 2016 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI, sigla em inglês) mostra que os gastos militares no mundo chegaram à impressionante cifra de cerca de US$ 1.700.000.000.000,00 (um trilhão e setecentos bilhões de dólares), representando 2,5% do PIB mundial.
Assim, fica claro que é preciso inverter a lógica militarista da estratégia de fortalecer o poder de guerra para garantir acesso aos combustíveis fósseis. Ao invés dos gastos de morte, é preciso investir na paz e no aproveitamento das enormes reservas de sol e vento que estão à disposição de todos os países. O sol nasceu para todos, cabe saber transformá-lo em energia e em fonte de progresso pacífico para a sociedade e o meio ambiente. A metade dos recursos gastos com despesas militares seria suficiente para mudar a matriz energética mundial e para ter uma chance de salvar o mundo do desastre do aquecimento global.
Neste sentido, os senadores Jeff Merkley (D-OR), Bernie Sanders (I-VT), Edward J. Markey (D-MA) e Cory Booker (D-NJ) fizeram uma proposição legislativa visando 100% de energia limpa e renovável até 2050. O chamado “100 by Act 50” estabelece um roteiro para uma transição para 100% de energia limpa e renovável até 2050. É o primeiro projeto de lei introduzido no Congresso americano que vai prever completamente uma transição de combustíveis fósseis para os Estados Unidos, inclusive visando a segurança energética para eliminar a dependência dos combustíveis fósseis do Oriente Médio.
Segundo a organização Sierra Club, já existem 25 cidades nos EUA que se comprometeram a implementar 100% de energia renovável até 2035. No início de maio, a cidade de Atlanta, na Georgia, aderiu à campanha “Ready For 100%” e se tornou a maior cidade do Sul dos EUA a se comprometer com o fim do uso de combustíveis fósseis.
Portanto, a batalha pela justiça social e pela preservação da natureza passa necessariamente pela luta contra a corrida armamentista, pela redução dos gastos militares, pelo desarmamento, pela harmonia entre os povos, pelo redirecionamento da energia de guerra para a energia de paz e pela democratização da produção e da oferta de energia renovável.
ALVES, JED. A economia verde e os gastos militares. Ecodebate, Rio de Janeiro, 14/04/2011
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Superar a dependência do petróleo e construir uma matriz energética 100% renovável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU