05 Abril 2017
El Salvador se tornou o primeiro do mundo a proibir a mineração de ouro e outros metais. A votação da assembleia legislativa em 29 de março marcou a culminância de uma campanha que durou vários anos, na qual o arcebispo de San Salvador e a Universidade Centro-Americana, instituição jesuíta, desempenharam um papel importante. Os proponentes da proibição dizem que as práticas de mineração industrial colocavam um risco grave ao abastecimento de água já limitado do país.
A reportagem é de Gene Palumbo, publicado por America, 03-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na semana passada, quando os bispos salvadorenhos estiveram em Roma para a visita ad limina, Dom José Luis Escobar Alas, da Arquidiocese de San Salvador e presidente da Conferência Episcopal do país, contou ao Papa Francisco que a mineração “ameaçaria o nosso país com desastres”.
Ele disse que a Igreja tinha pedido a proibição “em total acordo com a sua encíclica Laudato Si’, e juntamente com as comunidades mais empobrecidas diretamente ameaçadas pela mineração (...) Em nosso pequeno e densamente povoado país, [a mineração] contaminaria as águas (...) e causaria um dano irreparável ao meio ambiente, à fauna e flora e, de forma mais séria, à vida e saúde das pessoas”.
A contaminação decorrente de iniciativas anteriores na área da mineração já tinha chegado a níveis alarmantes em El Salvador.
Os defensores da proibição dizem que novos empreendimentos no setor prejudicariam o Rio Lempa, que é a maior fonte de água do país.
Escobar Alas contou à Rádio Vaticano que, embora a mineração sempre cause algum prejuízo, “em nosso país ela seria ainda pior”. Acrescentou que as leis de mineração no país eram tão fracas que somente uma proibição legal resolveria.
O projeto de lei que propunha a proibição foi apresentado à assembleia em fevereiro. Em 9 de março, apoiadores marcharam do centro de San Salvador até o prédio legislativo para pressionar os legisladores. À frente da marcha estiveram Escobar Alas, o reitor da Universidade Centro-Americana, Andreu Oliva, SJ, e José María Tojeira, SJ, diretor do Instituto para os Direitos Humanos desta universidade e ex-provincial da América Central.
A nova lei exige que o ministro da Economia feche as minas existentes, ao mesmo tempo em que proíbe o governo de emitir novas licenças para a prática de mineração, e dá a mineiros artesanais e de pequena escala um período de dois anos para extinguir a produção.
A mineração havia se tornado altamente contencioso no país de 6.3 milhões de habitantes, com grupos ambientalistas denunciando os efeitos nas fontes de água e a contaminação do solo. Grupos contrários à mineração afirmam que, pelo menos, quatro pessoas morreram em conflitos.
“Missão cumprida”, disse via Twitter após a votação o congressista Guillermo Mata do partido governista, a Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí. “Enquanto partido político, somos os condutores, mas o trabalho pesado foi feito pelos movimentos sociais, pelas ONGs e a Igreja”.
Até o momento, as empresas de mineração foram impedidas por proibições temporárias emitidas pelos últimos três presidentes do país. Isso levou a empresa canadense Pacific Rim (mais tarde, OceanaGold) a processar El Salvador no Centro Internacional de Solução para Disputas sobre Investimentos – CISDI, do Banco Mundial. A empresa exigiu que El Salvador lhe pagasse U$ 250 milhões em indenização por ter negado o seu pedido de lançamento de um projeto minerador.
Em outubro passado, o CISDI não só decidiu em favor de El Salvador como também ordenou que a OceanaGold pagasse ao país U$ 8 milhões para ajudar a custear as despesas tidas em decorrência da defesa jurídica. Até agora a OceanaGold negou-se a pagar, e na semana passada o CISDI emitiu uma decisão complementar ordenando a empresa a pagar juros também.
O Pe. Tojeira, diretor do Instituto para os Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana, tem criticado a companhia mineradora desde 2008. “Quando disseram que estariam vindo para trazer desenvolvimento e bem-estar aos salvadorenhos, alguns acreditaram”, disse ele. “Mas agora, depois das ameaças que fizeram, está claro qual o interesse da empresa: o ouro e a riqueza que ela pode obter”.
Segundo ele, os projetos de mineração “rompem o tecido social em regiões onde estão assentados (...) e quando as empresas saem do local, a área fica mais pobre do que era antes (...) fica desolada ambientalmente, em ruína física e moral”.
O tema uniu os bispos de El Salvador. O predecessor de Dom José Luis Escobar Alas, Fernando Saenz Lacalle, era membro da Opus Dei e considerado um prelado social e politicamente conservador em muitos debates. Mas ele tinha estudado química antes de ingressar para o seminário e estava bastante ciente do dano causado pelo uso do cianeto no processo de mineração.
“Não queremos que nenhuma gota disso entre no país”, disse Lacalle.
“É injusto”, acrescentou, “arriscar a saúde das pessoas e danificar o meio ambiente para que umas poucas pessoas que não moram aqui possam ficar com 97% dos lucros e nos deixar com 100% do cianeto”.
Muito embora esta seja a primeira proibição à mineração em nível nacional, outros países já proíbem alguns processos mineradores, como o uso do cianeto para extrair ouro.
Grupos contrários à mineração elogiaram a votação na assembleia salvadorenha.
“É fantástico o que este pequeno país realizou”, falou Manuel Perez-Rocha do Instituto para Estudos Políticos em Washington. Este instituto, parte de uma coalizão internacional contra a mineração metálica, vê a nova lei como uma “inspiração para os países da região”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Incentivado por lideranças católicas, El Salvador se torna o primeiro país a proibir a mineração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU