06 Março 2012
Em Catamarca, uma das províncias mais pobres da Argentina, a noroeste de Buenos Aires, a população está em pé de guerra. A maior parte das estradas está bloqueada há várias semanas por centenas de manifestantes contrários à exploração, pela empresa canadense Barrick Gold, da mina a céu aberto “La Alumbrera”. Na província vizinha de La Rioja, os habitantes protestam contra um outro projeto, da companhia canadense Osisko Mining Corporation, em Nevado de Famatina.
“A água é mais preciosa que o ouro”: esse é o grito de guerra lançado em toda a América Latina por comunidades camponesas, ambientalistas e cientistas que denunciam o impacto ambiental e social da exploração de minas a céu aberto. Além de explosivos, essas obras usam cianeto para extrair os minérios, e enormes quantidades de água. A Alumbrera chega a consumir até 100 milhões de litros por dia.
A reportagem é de Chrystelle Barbier e Christine Legrand, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 06-03-2012.
No Peru, no início de fevereiro, uma grande “marcha nacional” reuniu em Lima milhares de pessoas que foram defender a água de suas regiões, que elas acreditam estar ameaçada pela expansão das concessões a mineradoras, que ocupam grande parte do território. No centro da manifestação está a oposição a Conga, imenso projeto de mineração que prevê secar várias lagoas de Cajamarca, no norte do país.
A corrida pelas riquezas minerais do continente, que estão entre as maiores do planeta, se acelerou nos últimos anos com a alta no preço dos minérios. A produção de ouro teria aumentado 6.000 % entre 2003 e 2006 na Argentina. No Peru, principal produtor de prata do mundo, as exportações em minérios bateram recordes em 2011, chegando a US$ 27,36 bilhões (cerca de R$ 47,33 bilhões), ou seja, 59% do montante das exportações do país.
Fonte inigualável de renda, o setor minerador é uma grande questão para os governos, que veem ali um manancial econômico. Em compensação, inúmeros especialistas alegam que a mina a céu aberto gera poucos benefícios, em comparação com os enormes lucros das multinacionais que as exploram. Segundo eles, essa atividade muitas vezes tem um impacto limitado sobre o emprego, o tempo do ciclo de mineração e essencialmente durante a construção das instalações.
No Peru, mais de uma centena de conflitos sociais são de origem socioambiental. Espremida nos Andes peruanos, 180 quilômetros ao nordeste de Lima, a cidade de Oroya ilustra o dilema. Os cerca de 33 mil habitantes pedem pela retomada das atividades mineradoras, suspensas por razões econômicas desde junho de 2009.
Um plano de reestruturação apresentado no início de 2012 poderia permitir que a Doe Run Peru, empresa do grupo americano Renco, retomasse suas atividades em breve. “As pessoas querem trabalhar”, admite Emma Gomez, da ONG Cooperacción. Mas ela se revolta contra uma escolha forçada “entre o direito ao trabalho e o direito à saúde”, mencionando as doenças respiratórias do muitos habitantes ou o alto índice de chumbo detectado no sangue das crianças da região. Embora ela tenha começado em 1997, a Doe Run Peru não conseguiu vingar um programa visando a reduzir a poluição provocada pela mina.
Outro projeto muito polêmico é o de Pascua Lama, dividida entre a Argentina e o Chile. Os ambientalistas denunciam os danos que a mina poderia provocar às geleiras, de ambos os lados da Cordilheira dos Andes. “As atividades agrícolas e a vida das pessoas dependem de um abastecimento em água doce que vem das geleiras”, lembra o biólogo argentino Raúl Montenegro. O veto, em 2008, da presidente argentina Cristina Kirchner a uma lei de proteção das geleiras que limitava a exploração mineradora e petroleira nas áreas protegidas, foi crucial para o lançamento desse projeto de US$ 1,5 bilhão.
Como a prioridade é atrair investidores, os governos relegam a segundo plano as preocupações ambientais. “Os crimes de contaminação são ignorados”, queixa-se António Gomez, procurador federal das províncias mineradoras de Catamarca, Santiago del Estero e Tucumán (norte da Argentina), denunciando “a impunidade das companhias mineradoras” e a “corrupção do poder judiciário”. Os estudos sobre o impacto ambiental muitas vezes são feitos pelas próprias multinacionais. E as ONGs denunciam as ameaças das quais muitas vezes são alvo.
O presidente peruano Ollanta Humala, que defende uma “mineração responsável”, garante que a agricultura e os projetos em mineração podem coabitar. Mas esse discurso não convence as populações, que acusam as multinacionais de desprezar seus direitos e de poluir seus recursos naturais. Elas pedem para que sejam consultadas, como exige a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. No Peru, uma “lei de consulta prévia” foi promulgada em setembro, mas não entrou em vigor. Leis similares existem na Argentina, na Bolívia, no chile e no Equador. Elas não são aplicadas.
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Na América Latina, o boom da mineração gera cada vez mais conflitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU