09 Janeiro 2017
Dia 10 de Janeiro será lançado o livro "In Viaggio” (Edizioni Piemme), a narrativa de viagens internacionais de Francisco, escrito por Andrea Tornielli. Um capítulo do livro contém uma entrevista com o Papa sobre suas viagens. Publicamos aqui um fragmento.
A entrevista é publicada por Vatican Insider, 08-01-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis a entrevista.
Santidade, você gosta de viajar?
Sinceramente, não. Nunca gostei de viajar. Quando era bispo em outra diocese, em Buenos Aires, costumava vir a Roma apenas se fosse necessário, e se pudesse não vir, não vinha. Sempre foi difícil para mim estar longe da minha diocese, que para nós, os bispos, é a nossa "esposa". E, além disso, eu sou bem "habitudinário", pois para mim, tirar férias é ter um pouco mais de tempo para rezar e ler, embora nunca tenha precisado mudar de ares ou de ambiente para descansar. Por mais que isso às vezes seja necessário: como por exemplo, quando fazemos os exercícios da Cúria Romana, na Quaresma, e todos nós passamos uma semana em Ariccia.
Quando o pontificado começou, você esperava ter viajado tudo o que viajou?
Não, não, realmente! Como eu disse, não gosto de viajar. E eu nunca teria imaginado que teria feito tantas viagens...
Como começou? O que foi que o levou a mudar de ideia?
A primeira viagem foi para Lampedusa. Uma viagem italiana. Não estava no programa, não haviam convites oficiais. Senti que tinha de ir, pois as notícias sobre os imigrantes mortos no mar, afogados, haviam me tocado e comovido muito. Crianças, mulheres, jovens... Uma tragédia angustiante. Vi as imagens do resgate dos sobreviventes e recebi as testemunhas dos acontecimentos acerca da generosidade e hospitalidade dos habitantes de Lampedusa. Era importante ir até lá. E depois houve a viagem ao Rio de Janeiro para Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Tratava-se de um compromisso pré-agendado, já estabelecido. O Papa sempre participa das JMJs [...] Esta viagem nunca esteve em discussão, eu tinha de ir, e foi o meu primeiro retorno à América Latina.
A JMJ foi um evento ao qual o Papa não poderia faltar. Mas e as outras viagens?
Depois do Rio, veio outro convite, e depois outro. Simplesmente respondi que sim, deixando, de alguma maneira, me "levar". E agora sinto que preciso viajar, ir visitar as igrejas e estimular as sementes da esperança que existem por lá.
O quanto lhe pesam essas viagens internacionais, do ponto de vista físico?
Essas viagens são pesadas, mas vamos dizer que no momento consigo levá-las. Talvez elas me pesem mais a partir do ponto de vista psicológico do que a partir do ponto de vista físico. Serviria-me mais usar este tempo para ler, para se preparar. Uma viagem não apenas te ocupa durante os dias em que estás fora, no país ou nos países que visitas. Há também a preparação, o que normalmente ocorre em períodos em que existe também todo o trabalho normal para ser feito. Quando retorno para casa, no Vaticano, geralmente no primeiro dia após a chegada estou bastante cansado e preciso me recompor. Mas sempre carrego comigo rostos, depoimentos, imagens, experiências... Uma riqueza inimaginável, que sempre me leva a dizer: "Valeu a pena".
Você mudou alguma coisa na agenda já estabelecida de viagens papais?
Não muito. Tratei, por exemplo, de eliminar completamente os almoços com representantes. É natural que tanto as autoridades institucionais do país visitado, quanto os bispos, desejem celebrar o hóspede que chega. Não tenho nada contra a ser acompanhado na mesa. Recordemo-nos que o Evangelho está cheio de histórias e depoimentos que justamente descrevem circunstâncias como esta: o primeiro milagre de Jesus acontece durante um banquete de bodas [...] Mas se a agenda de viagem, como quase sempre acontece, já está muito cheia de encontros, prefiro comer de maneira simples e rápida. Basta-me pouco, um pouco de arroz e um pouco de verduras. Normalmente almoço com as companhias mais estreitas, mais íntimas: geralmente são o núncio apostólico do país visitado e o responsável pela organização das viagens, que antes era o Dr. Alberto Gasbarri e agora é o Monsenhor Mauricio Rueda Beltz. O comandante Domenico Gianni junta-se a nós com outros dois gendarmes, dois guardas suíços e, para concluir, os meus dois auxiliares de câmara, que são muito bons: são pais de família e sabem fazer as coisas direito.
O que você sente frente ao entusiasmo das pessoas que o esperam durante horas para vê-lo passar pelas ruas?
O primeiro sentimento é de que quem sabe lá fora estejam as pessoas gritando "Hosana!", mas como lemos no Evangelho, também podem estar aqueles que gritam "Crucifiquem-no!". Um segundo sentimento extraio de um episódio que li em algum lugar. Trata-se de uma frase que o então cardeal Albino Luciani disse a propósito dos aplausos que um grupo de coroinhas dedicou-lhe ao recebê-lo. Ele disse mais ou menos assim: "Mas, vocês imaginam que o burrinho em que Jesus ia sentado na entrada triunfal de Jerusalém poderia pensar que os aplausos eram para ele?". O Papa, portanto, deve estar ciente de que ele "leva" Jesus, testemunha Jesus e a sua proximidade, intimidade e ternura para com todas as criaturas, especialmente para aqueles que sofrem. Por isso, algumas vezes pedi para aqueles que gritam "Viva o Papa!" que gritassem "Viva Jesus!".
Há expressões belíssimas sobre a paternidade em um dos diálogos do Beato Paulo VI com Jean Guitton. O Papa Montini revelou ao filósofo francês: "Creio que de todas as virtudes de um papa, a mais invejável é a da paternidade. A paternidade é um sentimento que invade o espírito e o coração, que nos acompanha a cada hora do dia, que não pode diminuir, mas que aumenta porque também aumenta o número de filhos. É um sentimento que não fadiga, que não cansa, que descansa qualquer cansaço. Nunca, nem por um momento, senti-me cansado quando levantei a mão para abençoar. Não, nunca me cansarei de dar a bênção, nem de perdoar". Paulo VI disse isto imediatamente depois de voltar da Índia. Creio que são as palavras que explicam por que os papas nos tempos modernos decidiram viajar.
Recordações de viagens que ficaram guardadas em sua memória?
O entusiasmo dos jovens no Rio de Janeiro, sacudindo o papamóvel. E, em seguida, também no Rio, uma criança, que conseguindo escapulir-se da segurança, subiu as escadas correndo e me abraçou. Recordo das pessoas que estiveram no Santuário de Nossa Senhora de Madhu, no norte do Sri Lanka, onde além de ter sido acolhido por cristãos, também fui recebido por muçulmanos e hindus, um lugar ao qual os peregrinos chegam como membros de uma única família. Ou as boas-vindas nas Filipinas. Ainda tenho diante de meus olhos o gesto daqueles papais que levantavam seus filhos, para que os abençoasse, e parecia-me que eles queriam dizer: "Este é o meu tesouro, meu futuro, meu amor, por isso vale a pena trabalhar e fazer sacrifícios".
E também havia muitas crianças com deficiência e seus pais não os escondiam, "É assim mesmo, mas é meu filho". Gestos que vêm do coração. Ainda me lembro de todas das pessoas que me acolheram em Tacloban, que se mantém firme nas Filipinas. Chovia muito naquele dia. Eu tinha de celebrar a missa para lembrar as milhares de mortes provocadas pelo Tufão Haiyan e o mau tempo quase fez com que a viagem fosse cancelada. Mas eu não poderia não ir: realmente me tocaram muito as notícias sobre esse tufão que devastou essa região em novembro de 2013. Estava chovendo e eu vestia uma capa de chuva amarela sobre as vestes papais da missa que iríamos celebrar lá, da maneira que era possível, em um pequeno palco sacudido pelo vento. Depois da missa, um mestre de cerimônias me disse que havia ficado surpreso e edificado porque os acólitos, apesar da chuva, nunca perderam seu sorriso. Havia também o sorriso no rosto de jovens, papais e mamães. Uma alegria verdadeira, apesar das dores e do sofrimento daqueles que perderam a sua casa ou algum de seus entes queridos.
O que acontece depois de uma viagem: como lembra das pessoas que conheceu?
Carrego-as em meu coração, rezo por elas, rezo pelas situações dolorosas e difíceis com as quais entrei em contato. Rezo para que as desigualdades que enxerguei sejam reduzidas.
Muitas viagens pelo mundo, mas quase nenhum dos países da União Europeia. Por quê?
O único país da União Europeia que visitei foi a Grécia, com apenas cinco horas de viagem à Lesbos para encontrar e consolar os refugiados, junto com meus irmãos Bartolomeu I de Constantinopla e Hyeronimos de Atenas [...]. Depois fui ao Parlamento Europeu e ao Conselho da Europa em Estrasburgo, mas essa foi, antes de tudo, uma visita a uma instituição e não a um país. Mas, de qualquer maneira, já visitei outros países que são europeus, embora não façam parte da União: a Albânia e a Bósnia-Herzegovina. Preferi privilegiar os países onde posso dar uma pequena ajuda, estimular aquele que apesar das dificuldades e dos conflitos, trabalham pela paz e pela unidade. Países que estão ou que estiveram em sérias dificuldades. Isto não significa que eu não tenha atenção na Europa, a qual incentivo como posso para que torne a descobrir e colocar em prática as suas raízes e valores mais autênticos. Estou convencido de que não serão as burocracias ou os instrumentos das altas finanças que irão nos salvar da crise atual e resolverão o problema da imigração, que para a Europa é a maior emergência após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Entre as novidades das viagens papais há, imagino, um protocolo diferente em relação à segurança. É isso mesmo?
Agradeço aos gendarmes e os guardas suíços, porque eles se adaptaram ao meu estilo. Não consigo me mover em carros blindados ou no papamóvel com janelas de vidro blindado fechadas. Compreendo muito bem as exigências de segurança e agradeço a todos aqueles que, com dedicação e muito esforço durante as viagens se mantêm perto de mim, protegendo-me. Mas um bispo é um pastor, um padre, e não podem existir muitas barreiras entre ele e as pessoas. Por esta razão, desde o princípio disse que teria viajado somente se pudesse sempre ter contato com as pessoas.
Havia muita apreensão durante a primeira viagem ao Rio de Janeiro, mas muitas vezes percorri o calçadão de Copacabana com o papamóvel aberto, cumprimentando os jovens, parando perto deles, abraçando-os. Não houve nenhum incidente em todo o Rio de Janeiro, naqueles dias. Devemos confiar e entregar a Deus. Estou ciente de que posso correr riscos. Mas devo dizer que, talvez, mantenha-me inconsciente, pois não temo por minha pessoa. No entanto, estou sempre preocupado pela integridade daqueles que viajam comigo e, acima de tudo, das pessoas com as quais me encontro em diferentes países. O que me preocupa são os riscos concretos, as ameaças para aqueles que vão e participam de uma celebração ou um encontro. Sempre existe o perigo de alguma ação não considerada por parte de algum louco. De qualquer forma, estou sempre com o Senhor.
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"Percebi que deveria viajar depois da missão para Lampedusa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU