09 Junho 2015
Se há algum lugar na terra que esteja precisando de um “efeito Francisco” em termos de promoção da paz e cura, este lugar é, sem dúvida, a Bósnia e Herzegovina.
Hoje, a Bósnia é o país de 3,8 milhões de pessoas com o mais alto índice de desemprego no mundo e que conta com uma paz frágil entre muçulmanos, cristãos ortodoxos e católicos – uma paz em constante risco de desmoronamento.
É por isso que o Papa Francisco passou o sábado em Sarajevo, a capital do país, com o lema de sua visita de um dia sendo “A paz esteja convosco!”.
A reportagem é de John L. Allen Jr., vaticanista norte-americano, em artigo publicado por Crux, 06-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Apesar do sucesso dos Acordos de Dayton, apoiados pelos EUA em 1995, que deu fim a uma guerra civil que já durava três anos e que havia deixado 100 mil bósnios mortos e que fez Sarajevo sinônimo de franco-atiradores e limpeza étnica, ninguém aqui caiu na ilusão de que esta estabilidade está garantida a longo prazo.
A Bósnia atualmente divide-se em uma república sérvia ortodoxa e uma federação católico-muçulmana, e poucos parecem estar verdadeiramente satisfeitos com tal divisão. Muitos sérvios querem se separar; os muçulmanos buscam um país unificado, no qual eles provavelmente iriam ser o grupo dominante; e a maior parte da minoria católica croata exige a sua própria região autônoma.
Lembranças do trauma dos anos de guerra vieram por parte de dois sacerdotes e uma freira, que contaram suas histórias ao Papa Francisco.
O Rev. Zvonimir Matijević, trazendo consigo dois bastões para se manter de pé, recordou ter sido capturado por forças sérvias no Domingo de Ramos, em 1992, e apanhado tanto que precisou passar 26 dias em um hospital e se submeter a seis transfusões para sobreviver. Ele ainda carrega as cicatrizes das algemas de metal pesado que lhe forçaram usar.
Um sacerdote franciscano chamado Jozo Puškarić descreveu o período em que ficou mantido num campo de concentração. Disse que apanhava todos os dias e que, quando as coisas pareciam sem esperança, clamava fervorosamente pela morte.
A Irmã Ljubica Šekerija disse que, em 1993, foi feita prisioneira por muçulmanos de países árabes que haviam entrado na Bósnia para se juntar ao combate; eles transportaram o seu grupo para uma localidade próxima de onde estavam. Os sequestradores inicialmente quiseram que ela pisasse em cima do rosário que trazia consigo e, mais tarde, exigiram que professasse o Islã, o que a religiosa se recusou a fazer. Depois de três dias, ela foi solta.
No entanto, em meio à crueldade, houve também momentos emocionantes de decência. Puškarić disse que, em parte, sobreviveu porque uma muçulmana repassava clandestinamente alimentos no campo de concentração, enquanto que Šekerija disse que um dos militantes, envergonhado pelos maus-tratos à freira, ofereceu-lhe uma pera para mantê-la firme.
O pontífice, obviamente, se comoveu. Quando em lágrimas Matijević terminou de falar, Francisco se aproximou, curvou-se, beijou sua mão e pediu que o velho sacerdote lhe desse a bênção.
Ele então deixou de lado o texto preparado, preferindo falar de improviso.
“Estas são as histórias de seu povo, de suas mães e pais na fé”, disse Francisco, visivelmente emocionado.
“Não se esqueçam dos mártires”, disse o papa. “Vocês não têm direito de esquecer a sua história. Não para se vingar, mas para fazer a paz”. Ele pediu perdão e ternura para com os ex-inimigos.
Na maior parte, este sábado pareceu ter presente não o pontífice efervescente que o mundo veio a conhecer, mas sim algo como um profeta do Antigo Testamento.
Durante uma missa para mais de 60 mil pessoas, Francisco disse – como tem feito em outras ocasiões – que inúmeros conflitos armados em todo o mundo, hoje, representam uma “Terceira Guerra Mundial” travada aos poucos.
“Há quem quer, deliberadamente, criar e fomentar este clima de guerra, de modo particular os que causam conflitos entre culturas e civilizações diferentes, como também aqueles que o fazem para vender armas e especular sobre as guerras”.
“Guerra significa crianças, mulheres e idosos nos campos de refugiados; significa deslocamentos forçados; casas, estradas, fábricas destruídas e, sobretudo, tantas vidas ceifadas”, disse. “Vocês são testemunhas disso aqui: quanto sofrimento, quanta destruição, quanta tribulação!
“Hoje, queridos irmãos e irmãs, o povo de Deus eleva, novamente, o seu grito contra a guerra, é o grito de todos os homens e mulheres de boa vontade: Guerra nunca mais!”
É uma frase primeiramente pronunciada pelo Papa Paulo VI às Nações Unidas em 1965, e repetida pelos pontífices desde então.
Este simbolismo sombrio do evento foi muito bem pensado visando mostrar que a coexistência entre facções discordantes aqui é possível.
A certa altura, o pontífice soltou vários pombos brancos à frente do palácio presidencial. Sentou-se em uma cadeira especial trabalhada por um entalhador muçulmano local e escutou um coro de jovens muçulmanos, ortodoxos e católicos cantar uma música chamada “Ame as pessoas”. Participou em um encontro inter-religioso com muçulmanos, ortodoxos e judeus, com oradores de cada uma das tradições pedindo perdão e reconciliação.
Não importando o quão comovente tenha sido este dia, muitos bósnios pareceram céticos que a presença do papa vá transformar a situação do país em pouco tempo.
“Os nossos políticos são irremediavelmente incapazes de ouvir e compreender o Papa Francisco”, disse o Rev. Iko Markovic, sacerdote e teólogo católico local. “Eles só conseguem instrumentalizar a religião e Deus da forma como vêm fazendo desde o começo”.
O tempo irá dizer se o grito ousado pela paz que Francisco expressou no sábado, ou o realismo resoluto de Markovic, é o que melhor captura o que o futuro do país tem pela frente. De qualquer forma, foi impressionante ver o pontífice disposto a empregar o seu capital político para dar uma chance à paz.
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Francisco se esforça para dar chance à paz em batalha desgastada na Bósnia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU