10 Dezembro 2016
Os padres da Opção pelos Pobres advertiram que “a mudança que se prometia foi uma mentira”. Disseram que “a verdadeira intenção foi restaurar o modelo econômico liberal”, que está provocando “a destruição do país” e “não fecha sem repressão”.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada por Página/12, 09-12-2016. A tradução é de André Langer.
O Grupo de Padres em Opção pelos Pobres emitiu, na quinta-feira passada, sua vigésima carta, neste caso dirigida “a todos aqueles que queiram lê-la”, na qual fazem uma avaliação do primeiro ano da administração da Aliança Mudemos. O coletivo, integrado por 150 sacerdotes e diáconos de todo o país que trabalham com setores populares, avalia que “o balanço que fizemos é sumamente negativo e desanimador”, porque “a prometida mudança com base em manter o que se conseguiu, resolvendo erros e problemáticas pendentes, foi uma mentira”, dado que “a verdadeira intenção foi restaurar o modelo econômico neoliberal e a matriz social e cultural de um conservadorismo nocivo e anacrônico que já conhecíamos, mas que nos surpreendeu em sua capacidade de ignorar as necessidades da população, que dá a sensação de estar demais em sua foto”. E frente ao modo de proceder do Governo os sacerdotes advertiram que “já vimos este filme; este modelo ‘não fecha’ sem repressão”.
Os padres que “no começo deste governo e ao constatar o cerco informativo” decidiram “oferecer ao Povo de Deus e a todos os varões e mulheres de boa vontade uma carta jornalística que mostrasse a realidade negada pelos meios de comunicação”, anunciaram agora sua decisão de encerrar estes pronunciamentos entendendo que se trata de “um ciclo cumprido”, embora “continuaremos do lado do povo, que na história argentina e latino-americana sempre buscou as formas de superar os ciclos injustos e opressivos como este”.
Em seu balanço crítico da gestão encabeçada por Mauricio Macri, o grupo de sacerdotes católicos sustenta que se trata de “um governo sem política, sem história e sem verdade”, que está provocando “a destruição da economia e do país”, cujas decisões impactam na vida dos pobres e dos trabalhadores e no campo popular, porque “a saúde, o trabalho e a educação deixaram der ser entendidos como direitos e convertem-se em áreas de exploração comercial”, apoiados na “mentira de uma Justiça independente” e em um “ambiente de perseguições e de democracia de baixa qualidade”.
Ao assinalar as “cumplicidades” do governo, os Padres em Opção pelos Pobres apontam para o “sindicalismo de ficção”, para os “multimeios de incomunicação”, para “uma amigável oposição parlamentar” e para “uma Igreja que esqueceu o Evangelho”. Advertem também que “os direitos humanos e o processo de memória, verdade e justiça (estão) em perigo”.
Em seu documento, os sacerdotes sustentam que a partir da chegada de Macri ao Governo “começou um processo implacável, acelerado e sistemático de destruição operacional e simbólica de tudo o que foi construído em 12 anos de governo da Frente para a Vitória”, enquanto se iniciava “a implantação compulsiva de uma matriz econômica e cultural conservadora, repressiva e autoritária que converteu em terra arrasada muitas conquistas e reivindicações históricas para a massa popular de trabalhadores e que uma boa parte dos eleitores do Governo acreditaram – porque assim tinha dito – que seriam mantidos”. Dizem também que “esse processo de perseguições e de destruição veio decorado em um pacote de frivolidades e alegrias, de progressismo pedante, de ‘paz e administração’, de nova moral e supostos novos ares, diante de uma população que eles mesmos veicularam como ‘sem paciência para a política’”.
De acordo com os Padres em Opção pelos Pobres, “não havia dúvida de que muitos temas da agenda nacional necessitavam ser discutidos, reconfigurados ou solucionados”, mas “arrasar com tudo o que foi construído revelou mais um espírito de revanchismo conservador do que de continuidade democrática”.
A isso os signatários do documento acrescentam o que eles mesmos denominam de “estilo Mudemos”: um modo de agir que se caracteriza por sua “mentalidade conservadora” e expressão da “anti-política”, que manifesta um “permanente desprezo pelas instituições democráticas, pelo Estado, pela militância política, pela democracia, pela pátria, pelo povo, pela cultura latino-americana, pela história e seus próceres, pelos projetos coletivos e populares” e que começou a “ser injetado nos brevíssimos discursos, conferências ou declarações do Presidente e seus funcionários”.
No mesmo “estilo” denunciam também a prática da “pós-verdade” entendida como mentira, porque “este Governo mentiu desde antes mesmo de assumir, porque fez todo o contrário do que tinha afirmado antes de fazê-lo (...) enganando os seus eleitores”. Mas, acrescentam os padres, “não há dúvida de que este Governo soube – através de suas sofisticadas e onerosas equipes de comunicação – utilizar com eficácia o poder da mentira para convencer”. Destacam que “a hipocrisia, o cinismo, a falsidade do Presidente, ministros e funcionários são um verdadeiro ataque institucional cotidiano ao povo argentino”.
Mais adiante, afirmam que a conjunção de “funcionários incompatíveis” com sua atuação anterior como CEOs ou gerentes no setor privado e de “corrupção estrutural”, dada a localização destas pessoas para “trabalhar nas mesmas áreas onde trabalharam” ou porque se coloca “pessoas que estão sendo processadas por lavagem de dinheiro à frente do organismo que controla a lavagem de dinheiro”, evidencia conflitos de interesse e incompatibilidades. No entanto, apontam os padres, “para o Governo e seus aliados, a corrupção é conjugada exclusivamente no passado”, denunciando que “a perseguição de supostos corruptos do passado é uma operação midiática com vistas a dar a impressão de que se combate a corrupção, enquanto saqueiam o Estado através de desregulações ou outorgando negócios que beneficiam privados, amigos, empresas e parentes sem nenhum escrúpulo”. Em uma das suas afirmações mais categóricas os sacerdotes católicos afirmam que “os ministros do gabinete atual são vendilhões do dinheiro público e o repartem entre seus amigos”.
No texto denuncia-se também que “os principais multimeios de comunicação pintam o cenário que mais convém ao relato oficial escondendo a realidade e forçando os temas de capas e colunas para que pareça que está acontecendo aquilo que convém que as pessoas acreditam que está acontecendo”, ao passo que as redes sociais estão “invadidas por equipes de perseguidores (trolls) pagos para desanimar, fustigar, acossar a quantos pensarem ou opinarem diferente daquilo que se queira impor”. Referem-se também aos “(ex)jornalistas que antes informavam e agora fazem o que se pede a eles, aos que antes queriam perguntar e agora não têm mais perguntas, (e que hoje) estão escrevendo as piores páginas da história da comunicação na Argentina”.
A respeito da economia, sintetizam os padres que “todos os dados com os quais poderíamos medir a vitalidade econômica estão muito piores que há um ano”, resultando em um “modelo de fome e pobreza, de desigualdade e concentração da riqueza, de desindustrialização e destruição do emprego, de primarização da economia e perda da soberania, de minimização do Estado e absolutização do mercado, de destruição do consumo e da produção, de endividamento desenfreado para cobrir a fuga de capitais”.
Após denunciar “a mentira de uma Justiça independente” e apoiar sua afirmação em uma série de fatos, também com base a situações concretas, os padres advertem que “se multiplicaram as intervenções repressivas violentas das forças de segurança diante de pessoas desarmadas e fracas”, que “se tenta demonizar as manifestações populares nas ruas e criminalizar os protestos sociais”, que “se impediu a população de ocupar legitimamente o espaço público em atos pátrios colocando na rua uma ilimitada quantidade de efetivos policiais para instalar um clima de medo e perda de liberdade que não experimentávamos há muitos anos” e que “se produziu confusos ataques a sedes de partidos políticos”, enquanto “se quer produzir um clima de medo e fechamento para avançar no saque ao país”.
Em um parágrafo destinado à Igreja, os padres dizem que “não é a primeira vez em nossa história que muitos setores do Episcopado parecem estar mais preocupados em não prejudicar ou incomodar os poderosos do que em ficar do lado dos pobres”. Assinalam então que “se os bispos estão mais interessados em evitar conflitos sociais, sem se preocuparem com as causas que os provocam e desse modo evitar tomar posição a favor dos pobres, essa atitude não nos parece ser muito coerente com a práxis de Jesus de Nazaré nem com os discursos recentes do Papa Francisco”. Diante disso, os Padres em Opção pelos Pobres afirmam que “confiamos no Deus da Vida, no Deus dos Pobres que, seguramente, nos ajudará a abrir os caminhos de uma democracia mais justa e inclusiva”.
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Argentina e governo Macri. “O balanço é sumamente negativo”, afirma Grupo de Padres em Opção pelos Pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU