09 Dezembro 2016
“Piergiorgio Welby e Walter Piludu? Se tivessem sido meus pacientes, eu teria seguido as suas decisões sem a necessidade de tribunais. Porque a rejeição dos tratamentos não é eutanásia, mas uma questão de boa prática médica. Já hoje, a lei [italiana], a Constituição e o código deontológico permitem isso. O Magistério da Igreja também é claro: não existe um direito de morrer, mas certamente um ‘direito de morrer com toda a serenidade, com dignidade humana e cristã’.”
A reportagem é de Caterina Pasolini, publicada no jornal La Repubblica, 08-12-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois da sentença de Cagliari, que autorizava Piludu, doente de esclerose lateral amiotrófica (ELA), a pedir para retirar o respirador sedado, indo embora sem sofrer, entrevistamos Mario Sabatelli, médico do Hospital Gemelli de Roma, uma instituição de fortes tradições católicas. Ele chefia o “Nemo”, o departamento de vanguarda para os doente de ELA: 10 leitos, 140 novos pacientes por ano, 250 em tratamento.
Escolher prolonga a vida?
Sim. Eu vejo isso na minha experiência. Os doentes entre nós sabem que poderão renunciar ao respirador, quando, para eles, ele se tornasse intolerável. Só com essa garantia, 30% aceitam hoje a traqueostomia.
Quem deve decidir?
Só o doente pode avaliar se a ventilação mecânica é o tratamento proporcional à própria condição e, portanto, não lesivo à sua dignidade de vida. Quem aceita tem o direito de ser assistido em casa, ajudado pelas instituições. Quem rejeita tem o direito de morrer com dignidade.
Você fala de abusos nos hospitais.
Eu conheço o calvário de quem vive com a ELA. Por isso, acho escandaloso que em muitos prontos-socorros os médicos se arrogam o direito de entubar pacientes que disseram “não” ou ameaçam mandá-los de volta para casa se não aceitarem a ventilação forçada. Uma loucura. A tarefa do médico é seguir as escolhas do paciente, aliviar o sofrimento. Muitos não o fazem por medo, ignorância da Constituição e dos documentos da Igreja.
Qual é a opção?
Entre morrer sem dor com uma sedação ou aceitar o auxílio das máquinas. Com a chegada dos ventiladores portáteis, a escolha é entre uma máscara ligada à máquina ou a traqueostomia.
Escolha ética ou médica?
Certamente ética. Depende da visão existencial que o paciente tem, das suas ideias, da sua pessoa. A nós, médicos, cabe a tarefa de informá-lo de modo aprofundado. No Gemelli, nós estudamos um plano de tratamento com os doentes, escutamos as vontades daqueles que vivem com um tubo na garganta, uma sonda para se alimentar. Nós os acompanhamos no caminho, até o fim. Porque eu não os deixo ir embora, não os deixo morrer. Eu os acompanho até o fim. Eu me asseguro de que as suas vontades sejam seguidas e que eles não sofram.
Você os adormece e tira o respirador?
Sim, fizemos isso com pacientes que, cansados de viver imóveis, ligados às máquinas, disseram “chega”. Eles foram sedados profundamente, e só nesse momento a máquina que soprava ar nos pulmões foi desligada. Morreram sem dor, dormindo.
Alguns dizem: é eutanásia.
Há uma diferença abissal com a eutanásia, tanto nos objetivos quanto nos procedimentos. Aqui, falamos de escolhas terapêuticas. Quem diz isso é a lei. A Constituição, no artigo 32, salienta que ninguém pode ser obrigado a passar por tratamentos. O paciente é quem escolhe, e a rejeição da respiração forçada se insere no consentimento informado. É claro que o resultado final é a morte, mas é diferente de dar um remédio que provoca o fim. A pessoa escolhe, e o princípio que nos guia é a proporcionalidade.
O que diz a Igreja?
Em um documento de 1980, está escrito: “É lícito interromper a aplicação de tais meios, quando os resultados decepcionam as esperanças depositadas neles”. O médico deve assistir aqueles que sofrem, eliminar a dor. Eu, médico, reconheço o direito de recusar o tratamento e assisto o sintoma, a sensação de sufocamento, com a sedação.
Alguns falam de homicídio.
Nos anos 1950, Pio XII disse: “A tarefa do médico é aliviar os sofrimentos, e, se o remédio acelerar o fim, o nosso objetivo é eliminar o sofrimento”. Portanto, a sedação profunda é eticamente aceitável.
Os pacientes decidem morrer?
As pessoas que renunciam aos tratamentos não decidem morrer, decidem como viver. A vida é um valor inestimável, mas é preciso se encarregar dela, ajudar as famílias. Em vez disso, eu vejo pacientes de ELA, de tratamentos caros e complexos, deixados sozinhos. Há diferenças enormes na qualidade da assistência, dependendo da cidade.
Falta uma lei sobre o fim da vida?
As cinco pessoas das quais desligamos os respiradores tinham pedido isso com a própria voz. O problema é que, como muitos se agravam, 8%, eles permanecem lúcidos, mas não podem se comunicar. A Aisla, a associação dos pacientes, está trabalhando em disposições antecipadas de tratamento que permitam o respeito da vontade quando não puderem dizê-la. Porque a lei ainda é uma utopia.
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"Eu, médico e católico, desligo as máquinas dos pacientes que pedem." Entrevista com Mario Sabatelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU