10 Agosto 2015
Geógrafo e ex-embaixador, Michel Foucher é titular da cátedra de geopolítica aplicada no Collège d'études mondiales. Ele é autor de várias obras, entre elas "Obsessão por Fronteiras" (Ed. Radical Livros, 2012)
A entrevista é de Jean-Baptiste de Montvalon, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo portal Uol, 07-08-2015.
Eis a entrevista.
Diante da crise dos imigrantes em Calais, um deputado do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) sugeriu que a Inglaterra retomasse a cidade, enquanto parlamentares franceses queriam que os controles na entrada do Reino Unido fossem deslocados para Douvres... O que o senhor acha dessa "batalha" em torno de uma fronteira intraeuropeia?
Se houvesse a ameaça de uma "batalha", os "burgueses de Calais" dessa vez saberiam resistir a um cerco… Nossas capacidades estratégicas progrediram desde a Guerra dos Cem Anos! É engraçado que esse cenário de reconquista seja mencionado por um deputado eurocético e acabe desenterrando um antigo mapa mental: a Mancha foi, até o século 19, um mar para dois reinos, e portanto uma região de confrontos; tendo se tornando um mar interno europeu, é o único que tem um duplo topônimo nos mapas oficiais, Mancha e English Channel. Na tradição militar inglesa, o mar separa e faz fronteira; na França, é a costa fortificada.
Onde fica a fronteira franco-britânica?
Ela está onde se efetuam os controles de alfândega e polícia, na Gare du Nord e em Saint-Pancras, em Roissy e Heathrow, em Douvres, Calais, assim como em uma dezena de outros portos. A fronteira jurídica é marítima, no meio do caminho entre as costas de Estados ribeirinhos, e terrestre, no meio do túnel sob a Mancha segundo o tratado assinado na catedral de Canterbury em fevereiro de 1986, na presença da Rainha Elizabeth e do presidente Mitterrand. Esses limites estabelecem a área de extensão da convenção de Schengen, que Londres recusou ao mesmo tempo em que abria suas portas para os imigrantes dos países que aderiram à União Europeia em 2004, sobretudo poloneses e bálticos.
Em nosso continente, o que recobre a noção de fronteira?
Os limites da soberania e da identidade nacionais permanecem. Ao passar de Estrasburgo para Kehl, na Alemanha, a ausência de controle alfandegário não apaga em nada as características próprias das duas nações. O espaço da Europa instituída é mais fluido. A liberdade de circulação é saudada pela opinião pública europeia, quando aplicada a ela mesma.
Mas o compartilhamento de atributos da soberania pressupõe que a cada instante se construam acordos coletivos, como se viu durante a crise grega. O Estado-nação, dotado de sua aparência fronteiriça – limite, não barreira – é o núcleo de base, mas no mundo tal como tem o inconveniente de ser, ele deve se desenvolver de acordo com os outros para ter alguma influência.
O custo humano e financeiro das imigrações pode causar um reforço das fronteiras e colocá-las em xeque?
O cálculo do custo pressupõe uma tipologia fina, segundo as trajetórias migratórias. De quem estamos falando? Dos franceses de Londres? Dos curdos de Berlim? Dos malineses da Ile-de-France? Dos sírios de Estocolmo? Estudos sérios mostram que os benefícios, individuais e coletivos, são nitidamente superiores aos custos: trabalho, competências importadas e adquiridas, envio de salários às famílias nos locais de origem. Nessa era global, todos sabem, desde o antigo terceiro mundo até Moldova, que a grama do vizinho é mais verde. As migrações são irrepressíveis. A prosperidade e a segurança da Europa a tornam atraente. É preciso reforçar o diálogo na gestão dos regimes fronteiriços, para além das circunstâncias excepcionais.
Depois das tragédias em torno das Canárias, Madri percebeu que era tão importante ajudar a Mauritânia e o Senegal quanto os países andinos hispanófonos. O acesso legal ao espaço europeu para estudar ou exercer uma atividade pressupõe uma iniciativa gerida em conjunto com os países de partida. A convenção de Schengen só tinha um objetivo interno, a livre circulação reservada aos cidadãos dos países signatários. As crises a atuais tragédias levantam a questão de uma ação fora da União Europeia: ajuda direcionada para o desenvolvimento, programas geridos em conjunto de migração circular e sobretudo de mobilidade nas zonas de interação migratória e, às vezes, intervenções nas zonas de crise.
Há pesquisadores estudando as consequências de uma eventual abertura de todas as fronteiras. O que o senhor pensa dessa possibilidade?
O artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de fato afirma o direito de deixar seu país. Essa liberdade ainda não foi conquistada em todos os lugares. Mas o direito de emigrar não encontra seu corolário no de imigrar. A disparidade do regime dos vistos é grande: é mais fácil um dinamarquês ir para a Indonésia do que o contrário. Os vistos para entrar no espaço Schengen são exigidos em 134 Estados. Não há certeza de que a assimetria de tratamento dure muito, pensando na igualdade dos direitos dos países. O Senegal reativou os vistos para os franceses, e ir para a Argélia não é fácil, o que de certa forma seria uma mensagem de reciprocidade. Todas as possibilidades merecem ser tentadas, primeiro porque tratam da mobilidade para sair e entrar na Europa instituída.
Como o senhor julga a maneira como os políticos franceses têm abordado essa questão das fronteiras e da imigração?
A fronteira civilizada é uma interface e um recurso. Sua função de barreira só se impõe em caso de ameaça direta contra nossa segurança. Uma mudança de discurso político sobre essas questões seria saudável, com o reconhecimento público da realidade duradoura das mobilidades e a necessária construção de dispositivos que as regem: vistos de trabalho de longa duração, co-gestão das mobilidades entre países de partida e países de chegada, criação de regras para acabar com o regime ilegal dos coiotes...
O que está em jogo também é nossa escolha de uma relação com o mundo. A imagem positiva do Reino Unido, projetada pela mensagem dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, essa imagem de um país moderno e multicultural, aberto e globalizado, alimenta uma atração irresistível, mesmo nos confins do Sudão. E é por isso que se vê um fluxo tão grande para Calais. Os franceses – tanto opinião pública quanto dirigentes - , que são candidatos para os Jogos Olímpicos de 2024 e uma Exposição Universal em 2025, estariam inspirados a pensar nisso e afinal assumir todos os componentes de uma política de abertura, em um mundo de comunicação instantânea, longe de um ilusório ensimesmamento.
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"As migrações são irrepressíveis", diz geógrafo e ex-embaixador francês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU