O escândalo daqueles que estavam sob a cruz é o mesmo que sentimos diante das guerras, da fome e dos desequilíbrios do nosso tempo: o escândalo de um Deus ausente.
O comentário é do teólogo leigo italiano Gabriele Cossovich, professor do Instituto Salesiano Santo Ambrósio, em Milão, sobre a liturgia do Domingo de Ramos, Ano C – A Paixão segundo Lucas (Lc 22,14-23,56). O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 13-04-2025.
A escuridão reina ao fundo. Eles avançam, cada vez mais densos, até encher tudo com uma sombra angustiante e sem sentido. Pouco importa se o Calvário se destaca no centro da cena, com três cruzes cravadas no chão pingando sangue, ou se imagens passam, como manchetes de jornais, de todas as partes do mundo falando de guerras, fome, desequilíbrios, destruição: a mesma escuridão paira sobre o cenário e nos corações daqueles que a testemunham.
A história da Paixão, que o Evangelho do Domingo de Ramos reconta integralmente todos os anos, conta a história de um homem há dois mil anos – um homem a quem os cristãos insistem em chamar Deus – mas nessa história podemos encontrar o tormento da humanidade ao longo do tempo: discussões intermináveis sobre quem é o maior, incompreensões por parte dos mais próximos e de maior confiança, a traição de um amigo, gestos de amor esvaziados e transformados no seu oposto, solidão, abandono… Quantas pessoas experimentam tudo isto todos os dias?
Uma prisão clandestina, não por um crime específico, mas por ser um incômodo, colocando em questão a ordem e o poder vigentes; um julgamento simulado, com acusações forjadas, elaboradas para justificar uma sentença predeterminada; uma multidão chamada a se expressar, condicionada com métodos dissimulados para atender à vontade de poucos; um magistrado que, em vez de fazer justiça, condena os inocentes e liberta os culpados; um poder que escolhe o que é conveniente em vez do que é certo, prefere uma notícia falsa premiada pelas pesquisas a uma verdade impopular; pessoas escarnecidas, ridicularizadas, insultadas, submetidas a violência gratuita e cruel, espancadas, estupradas, mortas sem piedade, sem remorso, sem qualquer compaixão. Em quantas partes do mundo isso acontece todos os dias?
E então há aquela palavra, Deus. O grande ausente, no Evangelho da Paixão como no nosso mundo. Jesus reza, clama, implora, tão intensamente que transpira sangue. Mas Deus não responde. A injustiça, a violência e a morte vivenciadas por Jesus ocorrem no silêncio total de Deus. Aquele Deus em quem Jesus sempre confiou, como um Filho em seu Pai, mas que no momento de maior necessidade não está presente. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Jesus grita um instante antes de morrer, nos Evangelhos de Marcos e Mateus. Somente Lucas tenta aliviar o escândalo de um Messias que morre clamando contra Deus, colocando na boca de Jesus as palavras de extrema confiança: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Quantos de nós clamamos a Deus em meio ao sofrimento e não recebemos resposta? Quantos de nós, todos os dias, experimentamos a ausência de Deus, nos sentimos abandonados por Ele?
Diante da cruz, diante da cena do Calvário, todos – escribas, fariseus, discípulos, apóstolos – concordam em uma coisa: não havia Deus ali. A mesma percepção que temos todos os dias quando folheamos um jornal ou assistimos ao noticiário na TV. O escândalo vivido por aqueles que estavam sob a cruz é o mesmo que sentimos quando observamos o mal que marca a história. O escândalo de um Messias e um mundo que parece abandonado por Deus.
Há muitas maneiras pelas quais os cristãos buscam aliviar o fardo desse escândalo. Considerando-o parte de um plano divino, de um mecanismo que se alimenta do sofrimento, através do qual Deus salvaria a humanidade: mas Deus é um Deus que pede dor e sangue inocente como preço pela salvação? Ou passando imediatamente à página seguinte do Evangelho, dando pouca importância à cruz e colocando a tónica imediatamente na Ressurreição: uma visão que leva a considerar a realidade do mundo e da história apenas como um momento de passagem, uma prova em vista da vida futura. Se a cruz nos deixa sem palavras, basta ler o próximo capítulo para encontrar um final feliz; se o mundo é marcado pelo mal, a solução é sair do mundo, permanecer puro diante da podridão da história, separando os bons dos maus, os escolhidos dos condenados, esperando ser recompensado na vida após a morte. Mas isso não é exatamente o oposto do que Jesus Cristo fez e ensinou?
Diante do escândalo da cruz e do mal na história, as tentativas de recolocar Deus para salvá-lo desse absurdo revelam-se imediatamente distorções inacreditáveis. Mas o que os apóstolos entenderam escandalosamente depois da Ressurreição é que Deus estava naquela cruz. Não que Deus tenha usado a cruz para seus propósitos, nem que Deus estivesse em um lugar diferente, em uma vida após a morte diferente daquela cruz. Deus estava naquela cruz, assim como está presente na história de hoje e em todas as outras épocas. E naquela cruz, como em nosso mundo, Deus é amor que nunca acaba.
A cruz, como confirma o gesto da Eucaristia, é escolhida por Jesus como lugar do amor. Não como um lugar de sacrifício – a ideia de sacrifício (palavra que não por acaso está ausente das narrativas da Paixão) responde à lógica utilitária daqueles que buscam obter o favor de Deus: eu te ofereço algo e tu me dás algo em troca – mas como um lugar de doação. Jesus, depois de ter sofrido todo tipo de traição e injustiça, entrega-se na cruz, clamando a Judas, Pedro, Caifás, Pilatos: Eu continuo a amar-vos! Esta é a resposta de Deus ao mal: diante da nossa história, marcada pelo ódio e pelo sofrimento, tanto à vítima mais inocente quanto ao carrasco mais brutal, a toda a humanidade, Deus repete: Eu continuo a amar-te!
Não há sofrimento, dor, traição, abandono de Deus e dos homens que exista fora do abraço de Deus, “nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o porvir, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus” (Rm 8,38-39). Esta é a salvação que Jesus oferece na cruz. Parafraseando uma famosa expressão de Teresa de Lisieux, Jesus nos dá um Deus que, no coração do mundo e da história, escolhe ser amor.
Isso não é suficiente? Teríamos preferido um Deus que, quando oramos adequadamente, intervém magicamente, eliminando a dor e o sofrimento de nossas vidas? Será que Deus é decepcionante quando deixa tudo como está, sem fazer distinção entre o bem e o mal, entre o justo e o perverso? Quem simplesmente ama?
A escuridão reina ao fundo. Eles avançam, cada vez mais densos, até encher tudo com uma sombra angustiante e sem sentido. Mas, dentro desta escuridão, o rosto do crucificado nos lembra que tudo o que nos acontece e na história é acompanhado pelo olhar amoroso de um Deus que não abandona. E podemos, em troca, dar o amor que recebemos. Contribuindo assim para escrever um futuro de esperança.