A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 3º Domingo do Tempo de Advento, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Lucas 3,10-18.
“As multidões perguntavam a João: ‘Que devemos fazer’”? (Lc 3,10)
A primeira palavra da liturgia deste domingo, na antífona de entrada tirada da segunda leitura, é um convite à alegria. Não se trata de uma alegria que procede do exterior, fruto de uma conquista ou de um presente; ela brota da tomada de consciência de que “Deus é Emmanuel”.
Essa alegria, no AT, está baseada na salvação que vai chegar. Hoje estamos em condições de dar um passo a mais e descobrir que a salvação já chegou, porque Deus não tem que vir de nenhuma parte; Ele já veio, está vindo e virá sempre. Nós é que precisamos ativar uma atitude de atenção e vigilância para entrar em sintonia com esta Presença, sempre nova e surpreendente.
Fazendo de todos nós sua morada, Deus nos comunicou tudo o que Ele mesmo é. Não devemos estar alegres “porque Deus está próximo”, mas porque Deus já está em nós.
A alegria é como a água de uma fonte: nós só a vemos quando aparece na superfície. Mas antes, ela percorreu um longo caminho que ninguém pode conhecer, através das entranhas da terra. A alegria não é um objetivo a conquistar; é, antes de tudo, uma consequência de um estado de ânimo que se alcança depois de um processo. Esse processo começa pela experiência de “sentir-se habitado”, ou seja, tomada de consciência de nosso verdadeiro ser. Se descobrimos que Deus habita nosso ser, encontraremos a absoluta felicidade dentro de nós.
No evangelho deste domingo, surge uma repetida pergunta: “Que devemos fazer?” As respostas a estas perguntas manifestam muito bem a diferença entre a pregação de Jesus e a de João Batista.
Segundo a mentalidade do AT, Deus estava mais preocupado com o cumprimento de sua vontade expressa na Lei. O Batista segue nessa direção, porque acreditava que a salvação que esperavam de Deus dependia da conduta de cada um. Esta era também a atitude dos fariseus; daí sua escrupulosidade e rigor no cumprimento de todas as leis e normas.
A partir da perspectiva da religiosidade judaica, o Batista pede àqueles que o escutam uma determinada conduta moral para escapar do castigo iminente. Essa conduta não se refere ao cumprimento de normas legais, como faziam os fariseus, mas manifesta uma preocupação para com os outros. Todas as propostas apresentadas por João Batista estão encaminhadas a melhorar as relações entre as pessoas, a tornar essas relações mais humanas, superando todo egoísmo.
No entanto, o evangelho de Jesus propõe uma motivação mais profunda. O objetivo não é escapar da ira de Deus, mas prolongar a atitude do próprio Jesus, numa vida de entrega aos demais. Ele nos convida a descobrir o amor, que é Deus, dentro de nós mesmos e, como consequência, dedicar-nos a agir conforme às inspirações dessa presença. Para o Batista, a aceitação de Deus depende do que nós fazemos.
O Evangelho, por sua vez, nos diz que a sintonia com essa Presença divina é ponto de partida, e não a meta. Continuar esperando a salvação de Deus é a prova de que não descobrimos ainda essa presença dentro de nós, e continuamos desejando que chegue de fora. Santo Agostinho expressou isso com clareza: “Ame e faça o que quiseres”. Este é o melhor resumo da mensagem de Jesus.
A certeza de ter Deus presente em nós não depende de nossas ações ou omissões. É anterior à nossa própria existência. Não ter isto claro, pode nos fazer cair no “ativismo religioso”, onde o centro passa a ser o nosso falso eu que realiza ações em favor dos outros; caímos no perfeccionismo das ações morais, onde transparece o nosso ego inflado, que espera recompensas tanto da parte de Deus como dos outros (elogios, admiração...). Com esta atitude estamos projetando sobre Deus nossa maneira de proceder e nos afastamos dos ensinamentos do evangelho que nos diz exatamente o contrário.
A salvação não está em satisfazer os desejos de nosso falso eu.
Nem sequer a resposta de João Batista pode nos tranquilizar, pois na realização de uma série de obras pode entrar em cena o nosso ego que busca projeção. Não se trata de “fazer” ou deixar de fazer, mas, movido pela Presença que nos plenifica, fortalecer uma atitude oblativa que nos leve a responder, em cada momento, às necessidades concretas do outro que clama por ajuda. O decisivo é que, a partir do centro divinizado de nosso ser, flua humanidade em todas as direções, na mais pura gratuidade.
A experiência de sentir-nos habitados pelo Deus de Amor desperta em nós o sentimento humano mais nobre que é a gratidão; e este sentimento se expressa numa atitude constante de abertura e serviço aos demais.
Na vivência cristã, sempre corremos o risco de transformar o “fazer” em simples ativismo, ou seja, uma ação desprovida de sentido e de direção. De fato, vivemos mergulhados numa cultura de resultados, distraídos e perdidos na variedade de luzes, cores, sensações fugazes, vivências superficiais... A existência inteira faz-se maquinal e rotineira. Caímos numa pura “fazeção”, ou seja, fazer por fazer, fazer para afirmar-nos, fazer para brilhar, fazer para produzir, fazer para nos impor...
Falta uma referência e um horizonte que unifique tudo, que possibilite reorientar e canalizar nossas potencialidades, impulsos, inspirações, que desperte nossa paixão e dê novo sentido à nossa missão.
Para integrar bem os diversos dinamismos da vida, é decisivo centrar no horizonte que inspira nossa vida e nos motiva a fazer o que fazemos e como fazemos. E o horizonte é “ajudar”.
“Ajudar” é, para a espiritualidade do Advento, o horizonte e a chave de integração de nossa vida.
“Ajudar”, como atitude pessoal e comunitária, é o equivalente evangélico “servir”. Um “ajudar” (servir) que brota da experiência de ser “ajudado” (servido) por um Deus servidor.
No “ajudar” dão-se as mãos o amor a Deus e o amor à pessoa humana, a experiência interior e a ação cotidiana, a ação e a contemplação; nele se expressam a profundidade e o enraizamento da pessoa nas exigências cotidianas da vida; nele convergem a busca de Deus e o compromisso com o mundo.
“Ajudar” é o oposto do ativismo, que é um fazer “insensato”, sem sentido e sem direção. “Ajudar” é fazer com inspiração, com horizonte de sentido; é perguntar-se continuamente: “por que faço isso? para quem faço?... “Em que posso ajudar?” (D. Luciano M. de Almeida)
“Ajudar” não vai na linha do impor, senão do propor. Tal atitude requer presença gratuita, desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar dependências, mas fazendo-a crescer em liberdade.
“Ajudar” implica possibilitar ao outro ser protagonista de seu processo, devolver a ele a autoria, a autonomia... No “fazer” o centro somos nós, no “ajudar” é o outro; no “fazer” medimos a quantidade, no “a”, a qualidade de nossa ação. No “ajudar” há parceria (mão dupla): na medida em que ajudamos, somos ajudados; na ajuda há um enriquecimento e crescimento mútuo.
“Ajudar” não é substituir os outros naquilo que eles podem e têm de fazer, ou dizendo o que tem de ser feito, mas colocá-los em condição para que eles mesmos se experimentem ajudados, descubram o Deus que ajuda a todos e sintam o impulso para ajudar como ideal de suas vidas.
“Ajudar” os outros, inspirados e animados pelo Espírito de Jesus, é o que torna “espiritual” nossos atos, nossos pensamentos e orações, nossos trabalhos, nossa vida inteira.
“Ajudar” torna “espiritual” nossa vida, toda nossa vida.
- Não pergunte a ninguém o que você tem de fazer. Descubra seu verdadeiro ser e encontrará seu modo original de proceder na relação com os outros. Sua meta deve ser a de ativar e expandir o que você já é na sua essência.
Só poderá expandir seu verdadeiro ser se suas relações com os outros são cada dia mais humanas, sem nenhum resquício egóico.