Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 22º Domingo do Tempo Comum, 28 de agosto de 2022 (Lucas 14,1.7-14). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ainda durante a viagem para Jerusalém, Jesus é alertado de que Herodes quer matá-lo e, por isso, é convidado a fugir. Mas ele não foge; pelo contrário, manda dizer-lhe que aquilo que ele deve fazer, ele o faz com parrhesía, com franqueza, obedecendo à vontade do Pai, até levar a cumprimento a sua obra (cf. Lc 13,31-33). Para Jesus, Herodes é apenas uma “raposa”, um impuro ao qual ele, durante a paixão, não se dignará sequer a olhar, permanecendo mudo diante dele, sem responder às suas perguntas (cf. Lc 23,8-9).
Jesus não foge, mas completa o seu caminho indiferente às ameaças de Herodes e, no dia de sábado, convidado a almoçar por um dos chefes dos fariseus, aceita entrar na sua casa. Jesus havia se tornado um rabi muito conhecido e, portanto, era frequentemente convidado, muitas vezes após a sua pregação na sinagoga, à mesa de alguns notáveis (cf. Lc 7,36; 11,37).
Esse chefe da sinagoga e os outros escribas e fariseus que convidavam Jesus queriam, talvez, honrá-lo? Queriam discutir com ele sobre a interpretação da Lei? Queriam examiná-lo, pô-lo à prova (cf. Lc 10,25)? Lucas anota que, no presente caso, estavam observando o seu comportamento.
E eis que, diante de Jesus, há um homem doente de hidropisia (cf. Lc 14,2), portanto – segundo a opinião religiosa da época – alguém atingido por Deus por causa de um grave pecado cometido, relacionado à sexualidade. É sábado, o dia do Senhor, dia da vida plena, do triunfo da vida sobre a doença e sobre a morte: Jesus, portanto, sente em si a necessidade de libertar esse homem de uma doença incapacitante e infamante. Ele sabe que será contestado, porque, aos olhos dos doutores da Lei e dos fariseus, aquilo que ele fará parecerá uma operação médica, vetada no sábado. Por isso, ele faz uma pergunta aos seus interlocutores, forçando-os a se manifestarem: “É lícito ou não curar em dia de sábado?” (Lc 14,3). Mas eles não respondem, e então Jesus toma aquele doente pela mão, cura-o e despede-o (cf. Lc 14,4). Diante desse gesto e da pergunta subsequente, eis cair ainda um silêncio embaraçoso (cf. Lc 14,5-6).
Somente Jesus, sempre atento e vigilante sobre o que acontece ao seu redor, toma de novo a palavra. Vê que os convidados à mesa buscam o primeiro lugar, como sempre, o lugar daqueles que são honrados pelo chefe, reservado a quem é respeitável, importante. Isso ocorre ainda hoje, nos banquetes solenes: à espera do início da refeição, os presentes espiam onde está o lugar do anfitrião e, com olho voraz, identificam a cadeira mais próxima a ele, lançando-se sobre ela como uma presa. Por isso, em alguns almoços, ou o anfitrião indica os lugares a serem tomados à mesa ou eles são indicados por cartõezinhos postos ao lado do prato...
Dada essa situação, Jesus dá um ensinamento que adverte contra o protagonismo e o exibicionismo de quem busca os primeiros lugares. Ele faz isso por meio de uma parábola, que lemos mais uma vez, parafraseando-a. Quando você, leitor do Evangelho, for convidado a um banquete, a uma festa, não procure ocupar o primeiro lugar, isto é, não acredite ser um convidado importante e mais digno do que outros para estar ao lado de quem convocou a festa, porque, em tal caso, você corre o risco de ser chamado a ceder o lugar para outro convidado mais digno do que você.
É uma questão de modéstia, de não ter um superego que lhe cega e faz você acreditar que vale mais do que os outros. Seria vergonhoso que você fosse forçado a retroceder diante de todos, fazendo emergir assim a sua indignidade, a pretensão da sua importância. Em vez disso, permaneça modesto, perto dos últimos lugares, não se superestime, e, então, talvez acontecerá que aquele que lhe convidou venha lhe dizer: “Amigo, venha mais para a frente, mais perto de mim!”. Assim, aparecerá a todos os comensais a sua real importância aos olhos do dono da casa.
É claro que essas palavras de Jesus correm o risco de ser entendidas como um convite a uma falsa humildade, aquela de quem se serve também da escolha do último lugar à mesa, desejando no seu coração ser chamado para a frente e, assim, ser exaltado diante de todos. Mas a intenção de Jesus, através dessa parábola, é aquela expressada no seu dito conclusivo: “Quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado”.
Sim, somente quem é humilhado pode ser realmente humilde: ao contrário, ai de quem finge humildade em vista da exaltação! Aqui, mais do que nunca, trata-se de impedir que nós mesmos adotemos estratégias ou táticas. É como se Jesus dissesse a cada um de nós: “Fique lá atrás, com modéstia, sem atitudes de pequenez forçada e, sobretudo, não deseje aquilo que não depende de você”.
Simplicidade, discrição, desinteresse devem fazer parte do estilo de uma pessoa, de um cristão, e só assim a festa poderá ser vivida de modo autêntico e não como uma cena, uma oportunidade para aparecer. Aquilo que alguém “é” não deve ser temido; aquilo que não é, mesmo que aconteça, é apenas uma cena. Somente quem se humilha será exaltado, enquanto quem busca ser humilde e parece humilde sem ser humilhado é simplesmente perverso, criador de uma cena que passa (cf. 1Cor 7,31).
A festa pode ser vivida permanecendo no próprio lugar e não tentando roubá-lo dos outros. E isso vale em qualquer comunidade: estar no próprio lugar sem ambicionar lugares mais altos, sem buscar lugares ocupados pelos outros, pode ser fatigante, mas está de acordo com “o pensamento de Jesus”, é evangélico e contribui para a verdadeira construção da comunidade.
Portanto, cada um fique em seu lugar, avaliando a si mesmo segundo a graça e os dons recebidos do Senhor (cf. Rm 12,3-6a), porque quem se superestima cairá lá de cima, de modo desastroso para si e para os outros. Cristo continua sendo o exemplo dessa humildade, ele que, tendo vindo entre nós, tomou o último lugar, realmente o último, que ninguém poderá tirar dele!
Depois, Lucas acrescenta outra exortação de Jesus, não mais sobre os convidados, mas sobre quem convida a uma refeição, a um banquete: “Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos, para que não se sintam forçados a te retribuir o convite”. Triste constatação de Jesus, capaz de fazer emergir o raciocínio de muitos que, sem consciência, dizem: “Como eles nos convidaram, agora é a nossa vez”, segundo uma lógica de troca utilitarista que nega toda gratuidade.
Digamos a verdade: ainda hoje ou, melhor, hoje mais do que no passado, ocorre exatamente assim, e não somos mais capazes de gratuidade, de convidar os outros à nossa casa, porque o ídolo da reciprocidade e do interesse nos domina. Infelizmente, convidamos alguém calculando quantas vezes fomos convidados por ele e apenas por razões que nos assegurem um interesse e um retorno.
Em vez disso, Jesus nos adverte: o almoço ou o jantar festivo só são o que são quando são oferecidos gratuitamente, sem esperar um retorno. Por isso, especialmente na comunidade cristã, é preciso preparar a mesa convidando aqueles a quem ninguém convida, porque não podem retribuir, mesmo quando convidá-los não traz honra ou decoro.
Pobres, aleijados, coxos, cegos, estrangeiros, necessitados (todas as categorias de pessoas que, no tempo de Jesus, eram excluídas do templo, consideradas indignas e atingidas pela ignomínia) devem poder ter acesso à nossa mesa; se forem excluídos, a nossa mesa não é uma mesa de acordo com o Evangelho, que pede a partilha do alimento, a acolhida a quem é pobre e último, descartado pela sociedade.
A bem-aventurança que Jesus reserva àquele que convida e hospeda é destinada a pessoas capazes de gratuidade: àquelas que, não recebendo recompensa agora dos convidados, a receberão do próprio Deus!
E não nos esqueçamos de que os almoços abertos aos pobres, aos mendicantes de amor, aos pecadores são aqueles dos quais Jesus participava e que ele havia preparado na sua vida. A eucaristia que celebramos, se for aberta somente àqueles que se sentem dignos e justos, enquanto exclui os pobres e os pecadores perdoados, também não é a eucaristia de Cristo, mas sim uma eucaristia “nossa”: um banquete religioso, mas mundano, não de acordo com a lógica do Evangelho!
Sim, o banquete eucarístico é preparado pelo Senhor, que chama a todos, mesmo aqueles que se consideram indignos, porque não é o pecado que se opõe à salvação, mas sim o fato de se considerar “digno”, munido de uma justiça pessoal: isso impede a comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs.