Publicamos, aqui, o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo do Tempo Comum, 30 de janeiro de 2022 (Lucas 4, 21-30). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O trecho do Evangelho de hoje é a continuação da passagem do domingo passado (cf. Lc 4,14-21). Estamos ainda na sinagoga de Nazaré, o vilarejo onde Jesus foi criado e para onde havia voltado no início da sua pregação na Galileia. Participando do culto da sinagoga no dia de sábado, Jesus escutou a leitura da Torá e, convidado a ler a segunda leitura tirada do profeta Isaías (cf. Is 61,1-2), fez um comentário, uma homilia sintetizada por Lucas, nas palavras: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”.
E eis a reação da audiência: “Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca”. Com a sua homilia, Jesus chamou a atenção da audiência, soube despertar o interesse e a admiração, porque as suas palavras eram também “palavras de graça” (lógoi tês cháritos).
Assim como o Messias do Salmo 45, Jesus é louvado porque “a graça está espalhada em seus lábios” (v. 3). Portanto, poderíamos dizer que a primeira pregação de Jesus no retorno ao seu vilarejo de origem pareceu inicialmente um sucesso, provocou estupor, mas logo pareceu um “sinal de contradição” (Lc 2,34).
De fato, o relato sofre uma virada repentina. Aqueles que acabaram de aprovar e “aplaudiram” Jesus dizem: “Este é o filho de José, o carpinteiro que bem conhecemos como nosso concidadão. É um homem, nada mais do que um simples homem comum, nada mais!”. As palavras de Jesus admiraram aquelas pessoas: a mensagem que ele deu é boa – pensam os habitantes de Nazaré – mas é a mensagem de um homem comum, como se podia ver e descrever conhecendo bem o seu pai, José. O entusiasmo e a admiração não levam à fé em Jesus, porque os presentes, para reconhecer a sua autoridade, não se contentam com palavras: querem sinais, milagres que garantam a sua missão!
Jesus, conhecendo os pensamentos do coração deles (cf. Jo 2,24-25), passa para o ataque duro e frontal. Não evita o conflito, não o silencia, mas, pelo contrário, o faz explodir. “Sem dúvida – diz ele – vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum!”.
É uma tentação que Jesus ouvirá sendo dirigida a si mesmo várias vezes: aqui entre os seus, mais tarde em Jerusalém (cf. Lc 11,16) e, finalmente, até na cruz (cf. Lc 23,35-39). É a demanda de sinais, de ações extraordinárias, de milagres: mas toda a Escritura adverte que precisamente essa atitude é a primeira atitude dos homens religiosos que, tentando a Deus, na realidade, rejeitam-no. Sempre, como escreve Paulo, “os homens religiosos pedem sinais” (cf. 1Cor 1,22)...
Na verdade, em Cafarnaum, Jesus havia realizado ações de libertação da doença e do pecado, mas estas eram, justamente, apenas “sinais” para manifestar a sua vontade: a libertação de todos os males, a libertação para todos, assim como Jesus acabara de ler no profeta Isaías.
Diante dessa súbita mudança de humor da audiência em relação a ele, do estupor à indignação, Jesus pronuncia algumas palavras cheias de mansidão e, ao mesmo tempo, de pesar, palavras sugeridas pela sua assiduidade às Escrituras, especialmente aos profetas.
Com um solene “amém”, ele emite uma sentença breve, mas eficaz, afiada como uma flecha: “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. Jesus a pronuncia com pesar pela rejeição sofrida, mas também com uma alegria interior indizível, porque, precisamente a partir dessa rejeição, ele recebe um testemunho.
Louvando-o pelas suas palavras de graça, eles não lhe davam testemunho, mas, paradoxalmente, agora, rejeitando-o, sim: porque isso ocorre com quem é profeta, com quem traz em sua boca uma palavra de Deus e a entrega a quem escuta.
Jesus, portanto, naquele momento, recebe o testemunho do Espírito Santo que sempre o acompanha e que lhe diz: “Tu és verdadeiramente um profeta, por isso conheces a rejeição!”. Sim, profeta a caro preço, e somente quem conhece a rejeição pelas suas palavras – que podem ser cheias de graça, mas não são acolhidas pela falta de reconhecimento da sua autoridade (exousía) – também conhece a mansa e serena certeza de desempenhar um serviço não em nome próprio, mas no nome do Senhor; não por interesse pessoal, mas em obediência a uma vocação e a uma missão vividas e sentidas como mais fortes do que a própria disposição interior e os próprios desejos humanos. Essa é a atitude dos homens de Deus, dos profetas.
Aqui também se deve destacar a tensão entre Nazaré, a pátria, e Cafarnaum, cidade estrangeira para Jesus, mas onde ele encontraria justamente estrangeiros, não judeus que têm uma fé nunca vista por ele em Israel, dentro do povo de Deus (cf. Lc 7,9): é mais fácil para Jesus agir em espaços estrangeiros do que nos do próprio povo de Deus.
Ele sabe muito bem que as Escrituras atestam que essa rejeição também ocorreu para os profetas Elias e Eliseu, e ele diz isso. Foi uma viúva estrangeira, de Sarepta na Sidônia, que acolheu o primeiro e que lhe deu comida no tempo da carestia e da fome (cf. 1Re 17,7-16). Quanto a Eliseu, ele curou um estrangeiro, Naamã, o sírio (cf. 2Re 5), enquanto não conseguiu purificar nenhum dos leprosos pertencentes ao povo eleito.
Com essas palavras, Jesus, na sua missão, faz cair toda fronteira, todo muro de separação: não há mais uma terra santa e uma profana; não há mais um povo da aliança e os outros excluídos da aliança. Não: há uma oferta de salvação dirigida por Deus a todos. Ou, melhor, o Deus de Jesus ama os pagãos porque tem como que nostalgia deles, que, durante os séculos, permaneceram longe dele. Jesus, portanto, vai buscá-los, encontrá-los e acha neles uma fé-confiança que lhe permite aquela ação libertadora pela qual ele havia sido enviado por Deus.
Essas palavras de Jesus, que atestam o fim dos privilégios de Israel e a acolhida dos gentios, não podiam deixar de aumentar a rejeição a ele e desencadear ainda mais a ira contra ele: “Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício”.
É a violência que não suporta quem revela a sua fonte no coração humano... Desse modo, Jesus faz uma primeira experiência daquilo que aconteceria a ele quando chegasse o tempo do seu ministério em Jerusalém. Jesus é perseguido pela ira dos homens religiosos que não aceitam o rosto de Deus pregado e revelado por ele, um homem não investido de autoridade por parte das instituições sagradas: tentam expulsá-lo já no início do seu ministério, ainda na Galileia, na sua casa.
Mas, para Jesus, ainda não chegou o tempo da paixão e, assim, simplesmente, com coragem e liberdade, “passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” na direção de Cafarnaum (cf. Lc 4,31). “Transiens per medium illorum ibat”, atesta a Vulgata. Jesus que “passa pelo meio”, que “passa fazendo o bem” (cf. At 10,38), que passa causando entusiasmo, mas também rejeição.
Ontem como hoje, “Jesus passa pelo meio e vai”, mas nós não nos damos conta disso... Ele passa pelo meio da sua Igreja, mas vai além da Igreja; como Elias, como Eliseu, ele vai ao encontro dos pagãos que Deus ama.
Essa imagem é cara para Lucas: Jesus passa e vai. E a Herodes, que gostaria de impedi-lo, ele manda dizer: “Vão dizer a essa raposa – Jesus nunca o nomeia! –: eu expulso demônios, e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia estarei no fim. Porém, é necessário que, hoje, amanhã e no dia seguinte, eu vá pela minha estrada, porque não é possível que um profeta morra fora de Jerusalém” (Lc 13,32-33).
Até que chegue a hora dos adversários, “o poder das trevas” (Lc 22,53), Jesus caminha, vai, mas já agora está pronto! No quarto Evangelho, aquilo que acontece aqui em Nazaré está sintetizado nas palavras do prólogo: “A Palavra veio entre os seus, e os seus não a acolheram” (Jo 1,11).