14 Dezembro 2021
"É realmente insuportável a atitude moralista e hipócrita de quem grita escândalo só porque não olha para si mesmo, de quem fala tanto de misericórdia e a ignora para fazer brilhar a própria palidez devida à falta de paixões e de convicções. Esta é uma igreja que não conhece nem Jesus nem o Evangelho!", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 13-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
São muitas as declarações do Papa Francisco em diferentes ocasiões e nas últimas décadas nunca conhecemos papas que com simplicidade, sem levar em conta a tradicional reserva eclesiástica romana, se expressaram sobre questões inclusive bastante delicadas. Entre tantas palavras, a mídia escolhe apenas aquelas que despertam audiência, que entram no debate por tratarem de questões que afetam diretamente a sociedade.
Outras passam despercebidas, justamente quando seriam intrigantes não apenas para os crentes, mas para todos aqueles que tentam questionar-se sobre a identidade dos outros.
Na viagem de volta de Chipre e da Grécia, questionado por um jornalista do Le Monde sobre os recentes eventos das igrejas da França, o Papa, depois de ter confessado ser ele mesmo como outros bispos um pecador, e depois de ter lembrado que a igreja foi fundada por Jesus sobre Pedro, a Rocha se revelou um graveto, renegador de Cristo e mentiroso, também disse: “Como é que a Igreja daquela época sabia acolher um bispo (Pedro) pecador a ponto de renegar e abandonar Jesus? Porque era uma igreja normal, acostumada a se sentir pecadora, sempre, todos pecadores: era uma igreja humilde. Vemos que a nossa igreja não está acostumada a ter um bispo pecador, e fingimos dizer: 'É um santo, o meu bispo' ... Não, somos todos pecadores!”.
Essas palavras não devem ser lidas como uma tentativa de praticar a humildade e falam de uma verdade decisiva que desapareceu do horizonte das igrejas nos últimos séculos. Porque todos os discursos eclesiais centrados na Igreja e empenhados em uma apologética da Igreja produziram na consciência dos cristãos uma imagem distorcida dela: uma Igreja imaculada, idealizada, sem sombras que pretende ser mestra de toda a humanidade. Portanto, uma Igreja nobre, que brilha pelo seu empenho com a caridade, que com suas prerrogativas merece domínio, e por isso recebe o aplauso e o reconhecimento de todos, inclusive dos poderes dominantes que ela frequenta graças ao reconhecimento de seus méritos. Esta é a imagem da igreja sempre nos mais elevados lábios oficiais, inculcada nos crentes e exibida aos não-cristãos.
Mas a realidade é que uma igreja tão bela e imaculada não é deste mundo, está nos céus, como revela o Apocalipse, e nesta terra a igreja sempre aparece com rugas (visão de Hermas, século II), em seu caminhar no deserto parece suja, e é mais uma caravana de pessoas normais, em exílio, ferida e marcada pelos próprios pecados.
Por outro lado, se a igreja aparece esfuziante, bela, gloriosa, vestida de púrpura e ouro - diz o Evangelho -, então habita os palácios de reis e dos dominadores e - diz o Apocalipse - é sedutora como a grande prostituta da Babilônia, que se senta e domina entre o povo “adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas” (Ap 17,4) ... Não é a igreja desejada por Cristo, mas a anti-igreja!
É realmente insuportável a atitude moralista e hipócrita de quem grita escândalo só porque não olha para si mesmo, de quem fala tanto de misericórdia e a ignora para fazer brilhar a própria palidez devida à falta de paixões e de convicções. Esta é uma igreja que não conhece nem Jesus nem o Evangelho!
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A verdadeira igreja não é adornada, bela e imaculada. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU