18 Janeiro 2022
"Quem não lê alega como justificativa a falta de tempo disponível, mas as escolhas no uso do tempo são reveladoras do que para nós importa na vida. A leitura é a luta contra a alienação do tempo, é afirmação da liberdade. Se nos falta tempo, o livro nos espera na estante, na mesinha de cabeceira, quase um aviso para encontrar tempo para a leitura, tomando distância daquilo que nos distrai", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 10-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo o monge, "não basta orar e trabalhar, é preciso ler para ouvir bater o coração do mundo, para manter em exercício a escuta".
"Bem-aventurado aquele que lê, porque também saberá escutar!", afirma conclusivamente o monge.
Passado o clima animado das férias natalinas, das férias em nossas montanhas e dos passeios à beira-mar, voltamos à rotina diária de vida marcada sobretudo pelo trabalho.
A nova onda da pandemia pede que fiquemos o máximo possível dentro de casa, e o frio do janeiro europeu não convida as pessoas a sair, principalmente os idosos. Torna-se, portanto, agradável ficar em casa e dedicar-se à leitura: de fato, se for praticada como uma arte, a leitura é uma escola de silêncio e de interioridade, ao ler a pessoa fica em silêncio e deixa o livro falar, mas também aprende o respeito, a atenção e a escuta.
A leitura, na verdade, é uma conversa com alguém que está ausente e pode estar a mil milhas de distância no tempo e no espaço. Mas, sobretudo, é um diálogo com quem teve uma vida mais criativa que a nossa: é o acolhimento da palavra de um outro. Agostinho de Hipona comparava a leitura a um espelho que revela o leitor a si mesmo, e Gregório Magno afirmava que "o que está escrito cresce com quem o lê!". Marcel Proust, ao final de Em Busca do Tempo Perdido, fez questão de informar que seus leitores seriam "leitores de si mesmos".
Especialmente na nossa sociedade, em que domina a imagem, ler continua a ser uma operação de humanização, surpreendente na sua simplicidade: não são necessárias tecnologias complicadas nem iniciações especiais porque basta pegar um livro, abri-lo quando se tiver vontade e ler ressuscitando o que está escrito. Em plena liberdade posso depois fechar o livro, ler mais adiante ou voltar atrás... e posso pensar, meditar com o ritmo que eu mesmo decido e de que preciso para entender as páginas "de dentro", intus legere. Por isso senti a necessidade de enriquecer o mandamento monástico, expressando-o com as palavras: Ora, lege et labora!
Não basta orar e trabalhar, é preciso ler para ouvir bater o coração do mundo, para manter em exercício a escuta.
Quem não lê alega como justificativa a falta de tempo disponível, mas as escolhas no uso do tempo são reveladoras do que para nós importa na vida. A leitura é a luta contra a alienação do tempo, é afirmação da liberdade. Se nos falta tempo, o livro nos espera na estante, na mesinha de cabeceira, quase um aviso para encontrar tempo para a leitura, tomando distância daquilo que nos distrai.
Sempre me impressionou na profecia de Ezequiel o relato bíblico segundo o qual Deus pede ao profeta para comer o livro... Sim, comer o livro, que é mais do que o ler, é torná-lo corpo e vida. Talvez nem todos recebam essa educação do livro, mas, pelo menos para muitos, como escrevia Italo Calvino, "ler é perceber uma voz que se faz ouvir quando menos se espera, uma voz que vem não se sabe de onde, de algum lugar para além do livro, para além do autor, para além das convenções da escrita”. Bem-aventurado aquele que lê, porque também saberá escutar!
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A arte da leitura. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU