25 Outubro 2018
O voto decisivo deste domingo no Brasil marcará um antes e um depois na história do maior país da América Latina. A vitória do extremista de direita, Jair Bolsonaro, prevista pelas pesquisas, mergulhará o Brasil numa era incerta, na qual, se todas as ameaças forem cumpridas, a democracia sofrerá um claro revés. Diante desse cenário, o EL PAÍS buscou a opinião dos principais intelectuais, pensadores e personalidades da cultura da América e Europa, que avaliam a possível chegada ao poder de Bolsonaro.
A informação é publicada por El País, 24-10-2018.
Foto: Tabercil - Wikimedia Commons
Estaríamos entrando em um período de escuridão, que teria consequências não só para o Brasil. Seria a vitória do preconceito e da intolerância. Seria também o fim da agenda ambiental do país, a saída do Brasil do acordo climático de Paris, o fim do sistema de cotas nas universidades e outros mecanismos de inclusão social. As portas estariam abertas para o desmatamento da Amazônia. A retórica bolsonarista o coloca mais perto de Duterte do que de Trump, com as consequências desastrosas que se veem no regime ditatorial filipino. Em relação a seu programa econômico, vale lembrar que o ultraliberalismo da escola de Chicago coexistiu apenas com regimes ditatoriais na América Latina, como no Chile de Pinochet. Não acredito que esse modelo possa ser estabelecido em um país democrático como o Brasil, a menos que a própria democracia seja colocada em risco.
Foto: IDominick - Wikimedia Commons
Se Jair Bolsonaro vencer o segundo turno das eleições será uma fissura profunda em nossa sociedade, no país e no mundo. Ele espalhou o ódio de tal forma que causa vergonha em Marine Le Pen e faz Donald Trump parecer um republicano moderado. Há um pico imprevisto nos crimes de ódio e não devemos esquecer que o Brasil tem o maior número de assassinatos a sangue frio de ativistas LGBT e ambientalistas. Ele quer tirar o Brasil do acordo climático de Paris, das Nações Unidas. Além disso, abrirá caminho para que o setor rural marche pela Amazônia armado com pistolas, pesticidas e motosserras. Isso não é apenas um problema do Brasil, é um assunto de todos, para que se tenha um futuro mais seguro. Precisamos de todos, e precisamos agora. Unam-se.
Foto: Rodrigo Fernández - Wikimedia Commons
Jair Bolsonaro, o favorito para vencer o segundo turno eleitoral no Brasil, surge do desencanto na esquerda que, sendo culpada por corrupção, matou muitas esperanças: não era a corrupção um vício exclusivo da direita? Mas também surge da transformação de um eleitorado imenso, o maior e mais variado na América Latina, em uma grande escola de samba onde a mais pervertida demagogia, Deus, ordem e família, dão os passos de sua dança macabra; ensaia sua passagem a nostalgia de ditaduras militares para que sejam submetidos à lei os criminosos que reinam nas favelas, e não a pobreza; cantam à capela suas loas ao salvador da pátria patriarcal os pregadores das igrejas fundamentalistas que, graças aos rendimentos e dízimos, vivem com o luxo dos reis do baralho; mexe o traseiro a complacência dos grandes magnatas com um olho fechado para a corrupção dos capos dos partidos da direita e o outro aberto para enviar à forca os da esquerda; e enquanto os tambores rufam, o rei Momo vai em sua carruagem seguido por sua corte da qual as mulheres foram expulsas, coroado em uma quaresma eleitoral que, logo veremos, terá sua Sexta-Feira Santa.
Foto: Eneas de Troya - Flickr
Bolsonaro representa um risco extraordinário para a América Latina e para o mundo inteiro. Estamos vendo a ascensão nas eleições de um candidato que não podemos hesitar em classificar como fascista. É um candidato discriminatório e racista que, paradoxalmente, conseguiu, seja pelo medo num sentido pragmático de conveniência, obter o apoio dos setores que ele próprio repudia. Ele se opôs a qualquer prática democrática ao dedicar seu voto ao torturador de Dilma Rousseff, insultou os homossexuais, os negros, os pobres. É realmente vergonhoso que ele seja um candidato que nega a participação comunitária, a tolerância, e que, aparentemente, será o homem forte do Brasil. É muito perigoso que este exemplo, semelhante ao de Trump, embora mais agudo, possa estimular respostas semelhantes no continente. Estamos diante de uma ascensão da irracionalidade política que nos obriga a lembrar que Hitler chegou democraticamente ao poder.
Foto: Reprodução | El País
Para mim, parece que a provável eleição de Bolsonaro seja talvez a coisa mais perigosa que aconteceu na América Latina nos últimos tempos. Não só pelo modo como sua capacidade de gerar ódio vai afetar os brasileiros, nem pela impraticabilidade de suas políticas econômicas, mas porque sua promessa de abrir a região amazônica à exploração comercial põe em perigo à saúde de todo o planeta.
Foto: Martin Schulz - Flickr
Jair Bolsonaro é um fascista: e seria um erro, um novo erro na longa cadeia de erros que nós, democratas, cometemos nos últimos dois anos, acreditar que é desproporcional chamá-lo por esse nome. O que acontece é que o fascismo dele é um fascismo de um novo cunho, que ainda não nos assusta como deveria, talvez porque ele age de dentro, minando a democracia por meio da exploração de suas próprias liberdades, das suas próprias garantias. Mas seus traços são inconfundíveis: o elogio ao autoritarismo militarista, a violência verbal mais cínica e direta que se viu na política latino-americana em décadas, o grotesco assédio moral de todas as minorias e, acima de tudo, o uso eficaz do discurso de confrontação e da divisão (do nós contra eles: primeira página do manual do populismo extremista). Sua vitória no Brasil, balizada pela desinformação do Facebook e as calúnias em rede do Whatsapp, propiciada pelo ressentimento, medo e ignorância, seria uma instância a mais no desmantelamento progressivo da democracia ocidental. São palavras fortes, como é forte o primeiro adjetivo deste parágrafo; mas continuar jogando com palavras fracas é o que nos conduziu até aqui. Essas pessoas são perigosas, e seus eleitores estão equivocados. Que não tenhamos vergonha de dizer isso.
Foto: Rodrigo Fernández | Wikimedia Commons
Estou terrivelmente preocupada com o discurso homofóbico, antimulheres e pró-ditadura de Bolsonaro, e que isso não seja suficientemente pesado para que não votem nele. Como alguém pode votar dizendo "não importa o que ele diga sobre os homossexuais, porque vamos ter uma taxa de juros melhor"? No que estamos nos transformando? Como pode uma pessoa sensata dizer semelhante barbaridade? Acho que isso aconteceu porque durante 20 anos houve um crescimento das igrejas evangélicas e a direita conseguiu se unir a elas. O poder que faltava à direita latino-americanas está sendo alcançado por meio dessas uniões. É um processo que vimos, que não conseguimos reverter e que hoje já está instalado no Brasil. Não sei se em outros países uma situação semelhante poderá acontecer. (Sebastian) Piñera no Chile teve algumas conversas com os evangélicos, aqui passamos todo o nosso tempo vendo a governadora, o presidente, se reunindo com a Igreja Católica e os evangélicos como se isso não tivesse nenhum custo no futuro. Mas tem.
Jorge Ramos | Foto: atodomomento.com
O crescimento de Bolsonaro no Brasil reflete, infelizmente, o pior do Brasil e da América Latina. Não há dúvida. Em nosso hemisfério há uma enorme desilusão com a democracia. Como a democracia não se come, nem evita que te matem, nem reduziu significativamente a distância entre ricos e pobres, há um retorno à ideia do homem forte. Em toda a América Latina temos tido uma selvagem variedade de tiranos e ditadorzinhos. Mas agora no Brasil reaparece como um monstro de mais cabeças: machista, homofóbico, xenófobo, misógino e racista.
Assim como ocorreu com Trump nos Estados Unidos, é muito preocupante que milhões de eleitores brasileiros não vejam problema em votar em alguém como Bolsonaro. É como se seu voto não dissesse nada sobre eles. Mas se equivocam. Seu voto fala quem você é. Gostem ou não, os quase 63 milhões de pessoas que votaram em Trump se parecem com ele. Em algo. O mesmo ocorre no Brasil. E preparem-se: Trump − com seus ataques, mentiras e preconceitos − dividiu o país ao meio. Os brasileiros estão a ponto de fazer isso também. E tudo, ironicamente, graças à democracia.
Foto: Daniela Lombana - Wikimedia Commons
“Ou já não acontece o que eu entendia, ou já não entendo o que está acontecendo” é uma frase célebre de [o falecido escritor mexicano Carlos] Monsiváis. O que está ocorrendo no Brasil não pode ser entendido com o velho esquema do enfrentamento entre esquerda e direita. O outro esquema binário de compreensão, autoritarismo versus liberalismo, aproxima-se mais, mas também não esgota a análise.
Para que a leitura da velha esquerda funcione é necessária uma massa de população explorada. Mas se nas áreas mais pobres das grandes cidades o desemprego chega a 20% ou 30%, esta faixa não pode ser chamada de explorada, e sim de marginalizada, irrelevante em termos trabalhistas, porque, embora haja postos de trabalho, essa parcela dos cidadãos não foi educada para poder exercê-los.
Na velha esquerda liberal defendemos a liberação sexual, a ruptura com a Igreja católica, a descriminalização do uso de drogas, e fomos permissivos e negligentes com a delinquência, atribuindo sua causa à miséria. Isso pode ter sido libertador para a burguesia, mas nas áreas urbanas marginalizadas significou gravidez infantil e juvenil, substituição do catolicismo pelas seitas evangélicas, vício crescente em drogas e uma insegurança desenfreada que afeta, principalmente, os pobres e a classe média. Também fechamos um olho para a corrupção, se os corruptos eram de esquerda.
Em uma situação assim, desesperadora, não é de estranhar que ganhe o mais arrogante e o mais louco. Aquele que não se pareça em nada com o político tradicional e que ofereça supostas soluções fáceis de entender: a ira fascista, a repressão feroz e o nacionalismo rasteiro. Que ganhe entre os mais ricos e reacionários é normal. Mas, se ganha entre as classes médias e marginalizadas, isso não se deve ao que ele diz, e sim ao fato de que pelo menos entendem o que ele diz, principalmente se aquilo que diz é parecido com o que os pastores evangélicos gritam nos sermões.
Foto: Rodrigo Fernández - Wikimedia Commons
O Brasil é um país de frequentes surpresas eleitorais. Na primeira metade do século XX, um rinoceronte do zoológico do Rio de Janeiro obteve uma alta porcentagem de votos em uma eleição presidencial. Chamava-se Cacareco e era adorado pelos cariocas. Não sei se Bolsonaro é um novo Cacareco, mas o processo eleitoral ainda não termina. O Brasil é um Estado de direito, desde a época de sua separação do Portugal. Temos de esperar com paciência, com distância equilibrada, e continuar pensando que é um grande país amigo e uma democracia moderna que em sua já longa história passou por parênteses democráticos modernos e soube superar com sabedoria política esses parênteses e essas interrupções de sua tradição constitucional.
Foto: Marcello Casal Jr | Agência Brasil
Alguns dizem que a humanidade perdeu a capacidade de se assombrar, mas acho que não é assim, acho que se perdeu a capacidade de reagir aos acontecimentos que nos superam, e isso tem relação com a falta de consciência crítica, de coragem e de decisão para enfrentar as políticas e os mecanismos de dominação. O mártir Luther King disse com muita clareza: “Não me preocupo com o grito dos violentos, e sim com o silêncio dos bons”. Ninguém é dono da verdade, mas algumas verdades são menos discutíveis que outras: Lula está preso para que o PT não ganhasse no primeiro turno. Aqueles que foram cúmplices do golpe contra Dilma Rousseff e da proscrição de Lula hoje se lamentam por abrir uma possibilidade incrível para o terrorismo fascista no Brasil. Se são verdadeiramente democráticos, todos os partidos políticos devem se unir e conclamar a votar em Haddad, que não só significa o retorno da democracia e do republicanismo ao Brasil, como também da capacidade do Governo de proteger o povo da fome, do desemprego, do analfabetismo e da violência do crime organizado. Muitos que estão em silêncio ainda estão a tempo de que a história não os recorde como covardes, como recorda aqueles que deixaram o terrorismo fascista avançar em outras épocas.
Foto: Apu Gomes
A eleição de Bolsonaro será uma tragédia para o Brasil e a região. Na verdade, para o mundo. Literalmente. Um de seus planos mais escandalosos consiste em abrir a Amazônia para que seja explorada por seus eleitores ricos do agronegócio, com consequências devastadoras para o meio ambiente global, assim como para os habitantes indígenas, que, para ele, não merecem nem um centímetro quadrado de espaço, como declarou em um chamamento a um virtual genocídio.
Bolsonaro não é apenas um desses líderes vergonhosos de extrema direita que degradam a política contemporânea. Vai muito além disso. Talvez seu momento mais vil − e há muitos − tenha sido durante o grotesco “golpe suave” da direita, quando um Parlamento formado por notórios criminosos destituiu a presidenta Dilma Rousseff baseando-se em motivos irrisórios. Bolsonaro dedicou seu voto ao chefe da espantosa unidade de tortura da ditadura que foi responsável pela feroz tortura de Rousseff. Talvez não seja surpreendente, vindo de alguém que critica a ditadura só porque esta não assassinou 30.000 pessoas, como na Argentina. Uma lista de declarações horrendas encheria muitas páginas. Seus programas para o país, caso postos em prática, seriam muito benéficos para os investidores e para os super-ricos, à custa da população considerada sem valor, uma categoria ampla, enquanto o país decai para uma caricatura lamentável.
Foto: Bóris Vergara | Xinhua
Sabe-se que os slogans de campanha nem sempre são transferidos para a administração. No entanto, algumas das mensagens do candidato Bolsonaro geram sinais de alerta. Por exemplo, seu forte ceticismo em relação ao Mercosul e à ideia de conduzi-lo a um modelo de união alfandegária, com a implicação de retroceder o esforço já realizado à sua mínima expressão de integração. Isso desmontaria uma das instituições que as democracias trouxeram para a região para superar longos períodos de distanciamento e desconfiança que até incluíam a hipótese de um possível conflito. Se falta algo, é acelerar o processo de integração para assegurar que os benefícios econômicos de fazer parte de um mercado comum consolidem a confiança mútua entre todos os atores e desterrem qualquer opção alternativa.
Foto: Contacto Hoy
A possível vitória de Bolsonaro é a consequência da destruição do sistema de partidos políticos brasileiros. É uma má notícia para a democracia, corroída pela corrupção a tal ponto que o único que poderia competir com ele, o ex-presidente Lula, está na prisão. Causa-me preocupação que haja algo mais do que populismo em Bolsonaro, que é o fascismo. Preocupa-me também que tenha um componente antidemocrático como o integralismo religioso, que vem com a expansão das Igrejas evangélicas no Brasil. Esse conjunto de problemas, em um horizonte de instituições destruídas, é muito preocupante. Principalmente com um homem que faz parte da linhagem militar de uma ditadura que não foi derrotada nem pela democracia nem por seus próprios erros. O nascimento deste fascista, baseado no elogio da estrutura militar, não prenuncia nada de bom para o Brasil nem para a América Latina.
Foto: Karl Byrnison - Flickr
O incêndio do Museu Nacional é sintomático da falta de eixo, acabou-se a estrutura totêmica, tem a ver com descuido, negligência, abandono. É representativo do fato de haver um enorme abandono da construção de país. Aquilo que foi feito pouco a pouco, de repente alguém aproveita esse nada para soltar um discurso simplista, classista, homofóbico, tudo com oposição, porque “eu não sou assim, não sou como os outros”. E muita gente acredita que essa é a solução. Estamos à beira de uma catástrofe. Há um golpe de Estado aveludado, diferente de como se fazia antes. Há uma espécie de populismo de direita, capitalista, que se agarra ao que lhe convém para manter as grandes fortunas. Acredito que seja algo relacionado a isso, deve ser uma decepção terrível estar no Brasil neste momento. É realmente triste sentir que por mais que se diga não há repercussão, o negócio já está feito. Até há boas notícias, as Bolsas reagem muito bem, ou o que ocorria com Trump, quem sabe não vai ser assim como pensam...
Foto: Bernanrdo Díaz
Parece inevitável não buscar uma relação entre os escândalos de corrupção da Lava Jato ou da Odebrecht e o sucesso de Bolsonaro. Ele é um novo exemplo da crise da representação da liderança, do fracasso da política, que o continente vive. Sua popularidade não é ideológica. Nela há mais desespero do que racionalidade, mais falta de opções do que discernimento. Tampouco é uma novidade: prometer magia e força. Essa parece ser a chave do populismo autoritário latino-americano.
Bolsonaro ainda não ganhou e já é uma preocupação internacional. Suas opiniões são uma desvantagem para o frágil quadro institucional do Brasil e também para a situação que a região vive. Outro autoritarismo personalista não ajudará na complexa crise que a América Latina vive.
Foto: 20 Minutos
Um personagem como Bolsonaro aparece constantemente nos diferentes países do cone sul, do leste e do oeste. É um personagem com um argumento misógino, racista, homofóbico. É difícil de assumir, entretanto, que metade do país o apoie. Imagino como estarão amigos e colegas como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil. Para eles deve ser uma circunstância dolorosa, de solidão e de abandono, de necessidade de transmitir às pessoas que conhecem pelo mundo que eles são o que são. Este Bolsonaro não me parece tão espantoso como o fato de que milhares de brasileiros o tenham percebido como uma alternativa de governo com esse ideário que propõe.
O racismo do Trump é lamentável, porque é a prolongação do passado supremacista da América profunda. E apesar de todas suas barbaridades, sobre as mulheres, sobre seus opositores, seus comentários não se aproximam nem de longe do racismo de Bolsonaro. Sua retórica inclui ódio e incêndio. Contribuem para sua ascensão as igrejas, a pentecostal e a católica, que o apoiam em seus insultos contra o aborto e sobre as drogas. Subjaz em tudo o que faz a vingança contra políticas sociais de Lula e Dilma, que tiraram 30 milhões de pessoas da pobreza.
Foto: Reprodução | Facebook
As pessoas infelizmente reagem muito bem aos discursos mais aberrantes e inesperados. Às vezes ocorre que quando esses personagens, como Trump ou Bolsonaro, ocupam os postos para os quais são escolhidos depois dessas bravatas, baixam o tom e tomam muito cuidado para cumprir suas barbaridades. A estupidez é uma droga que leva as pessoas a irem cada vez um pouco mais longe em suas barbaridades, e as palavras se transformam em placebos, tornam-se inócuas. Mas não há maneira de esquecer o efeito que têm sobre a opinião pública, embora esta deixe de se surpreender com o que escuta.
Foto: Milton Ramirez | Governo da Colômbia
Suspeito que todas nossas advertências contra Bolsonaro e fenômenos afins – Trump, Brexit –, suspeito que nossas desesperadas explicações que invocam direitos, conquistas sociais e valores da tradição liberal são totalmente contraproducentes e nada persuasivas entre uma grande massa de votantes que vê essas figuras grotescas como uma possibilidade de expressar raivas e frustrações contra essa própria tradição liberal. São as contradições internas do liberalismo, é no coração das trevas do capitalismo global onde se engendraram os bolsonaros e os trumps. Não são uma ameaça externa, e sim interna. É evidente que temos que vencê-los nas urnas, nos opor a eles com decisão, mas devemos pensar e atacar as causas profundas do fenômeno. Responsabilizar exclusivamente o progressismo latino-americano das últimas décadas por um Bolsonaro é, no mínimo, um ato de mesquinharia no enfoque. As contradições desse progressismo são apenas um capítulo da história mais ampla do choque entre a lógica predadora do capital e as dinâmicas emancipadoras. Bolsonaro é uma criação de nossas fantasias reprimidas, um amo sob medida para nossas patologias e nosso narcisismo liberal. É preciso começar a derrotá-lo dentro do nosso discurso, do nosso esquema de desejos.
Vejo e entendo o desgosto, a tristeza e a cólera dos brasileiros. Sem dúvida, a crise está aí. E a extensão da corrupção. E o aumento da violência urbana. Mas nenhuma solução pode vir de um populista que não faz senão prometer novas violências e o esfacelamento de seu povo. É preciso recordar as inumeráveis declarações racistas, misóginas, homofóbicas, belicistas e, às vezes, criminosas do candidato que hoje encabeça as pesquisas? E não é evidente que as declarações desse sujeito, assim como o programa que as acompanha, vão contra tudo aquilo do que o Brasil pode se orgulhar: sua multietnicidade, sua tradição e suas práticas de acolhida, seu liberalismo verdadeiro e a coabitação, em suas cidades imensas e belas, de múltiplas crenças?
Custo a crer que a pátria de Chico Buarque e Chico Mendes se deixe assim tentar por um retorno a um passado atroz, que deixou tantas cicatrizes ainda abertas. Custo a crer que o país repentinamente dê as costas ao famoso adágio: Brasil, país do futuro. É por isso que expresso o desejo de que, antes que seja tarde demais, o país rompa o processo antidemocrático mortífero que se iniciou em 2014 e que hoje chega a seu estágio mais crítico. Resta uma semana para evitar uma guinada que dificilmente será reversível. O Brasil deve extrair forças de sua memória sofrida e da lembrança dos horrores da ditadura militar que tomou o país como refém entre 1964 e 1985. Deve dizer #EleNão ao candidato de extrema direita que exibe abertamente seu desprezo pelas regras democráticas. Todos sabemos que o nacionalismo exacerbado, o desprezo pelos direitos humanos e as minorias e a agitação do ódio como estratégia de campanha são as armas dos populistas. E a História, incluída a brasileira, transborda de exemplos dramáticos que indicam aonde isso pode conduzir.
O Brasil não é, certamente, o único país que deve enfrentar uma onda populista. Meu país, a França, vê também como constantemente a República é posta à prova. Mas, até agora, uma frente republicana sempre conseguiu barrá-la. O Brasil pode fazer o mesmo. Pode escolher um candidato sério e probo, Fernando Haddad. Que possa, votando em Haddad, evitar que um homem que com orgulho encarna a barbárie jogue por terra a tão recente democracia. O Brasil vale mais do que isto. O Brasil que o mundo inteiro admira é o das mulheres que se manifestam contra o horror. É o Brasil das Marielles. É o de uma oposição resoluta a Bolsonaro e às suas armas.
Bolsonaro, vitorioso, soberbo e descarado, prova algumas das hipóteses que se tornaram correntes nestes anos. Por exemplo, que o poder territorial dos grandes partidos se debilitou frente a forças que não são originalmente políticas, mas oferecem consolo espiritual e organização comunitária. É o caso dos pentecostais, que já vinham demonstrando sua influência no Brasil e têm representantes no Congresso. Quando a política se torna muito complexa, incompreensível ou longínqua; quando a corrupção dissolve a credibilidade; quando a distância entre o mundo dos representados e o de seus representantes parece um deserto intransitável por ausência de mediações institucionais, então chega um dirigente que propõe uma relação demagógica com os setores sociais que aspira a conquistar. Atiça seus piores preconceitos e constrói cenários onde o medo do futuro cultiva previsões catastróficas.
Ainda prefiro acreditar numa vitória de Fernando Haddad. A outra hipótese seria um desastre para o Brasil e uma vergonha para os brasileiros.
O candidato fez, durante quatro anos, uma campanha tensa, extremamente agressiva, baseada em discursos de ódio, discriminação de negros, gays e ofensas às mulheres. Agora na reta final da campanha a vergonhosa denúncia da Folha de S.Paulo de manipulação de fake news, impulsionadas por Caixa 2 de campanha. Isso sem falar das ameaças à democracia, idolatria a torturadores, desrespeito aos indígenas, ameaças ao Supremo Tribunal Federal. (...) Chamou a atenção do mundo todo para o que está acontecendo no Brasil. Isso sem falar da falta de diálogo e de democracia ao desistir dos debates com seus opositores, tirando da população a possibilidade de conhecer as propostas de cada um. Esse clima negativo e sombrio veio logo depois de anos muito difíceis para os brasileiros, pós derrubada de uma presidente eleita, pós dezenas de escândalos de corrupção que geraram tristeza e desconfiança.
Os ânimos se acirraram e esse clima abriu espaço para o assassinato do querido mestre de capoeira Moa do Katendê, o estupro a outra universitária que usava o adesivo ELE NÃO e outros mais de 50 casos de violência relacionados a apoiadores dele. A violência chegou junto com intolerância, preconceito e discriminação. Lendo esse pequeno resumo que fiz aqui do que ronda esta candidatura, o leitor pode responder junto comigo se ele representa um risco para o Brasil! Infelizmente, nesta eleição, a escolha não é política. Estamos escolhendo entre a democracia e a barbárie para que, daqui a quatro anos, todos possam votar novamente e fazer uma escolha política de acordo com o que acontecer no comando do país, nesses quatro anos que se seguirão. O fascismo precisava de inimigos para crescer e encontrou. Eu sou da paz e contra o fascismo e seguirei meu caminho pelas trilhas da paz, da inclusão, da democracia e do bem, sem desistir nunca do que acredito! Até lancei uma canção essa semana que se chama Pagode Divino e em um trecho ela diz: ‘Nossa libertação tarda, mas não falha’. Independentemente do resultado das eleições, seguirei cobrando o governante, lutando pela nossa liberdade e unindo e fortalecendo a população através da arte”
Um eventual governo de Bolsonaro será um enorme retrocesso político e social. Ele e os filhos desprezam e até ameaçam a democracia e suas instituições. No final de semana o capitão ameaçou os eleitores do professor Haddad. Ele não sabe que muitos desses eleitores votarão em Haddad para defender a democracia? Eu me pergunto por que os eleitores de Bolsonaro não percebem que o seu candidato pretende agir como Nicolás Maduro, o caudilho venezuelano que persegue e prende seus adversários políticos. No fundo, Bolsonaro é movido pelas mesmas taras de Maduro, um político autoritário e corrupto, que recorreu à fraude e à chantagem para se eleger. Ambos são violentos e recorrem a milícias para intimidar e banir seus adversários. Aliás, a admiração de Bolsonaro por Hugo Chávez é antiga. Em setembro de 1999, ele disse numa entrevista que Chávez era “uma esperança para a América Latina”. Os brasileiros anseiam por uma nova política, mas o novo que Bolsonaro representa é o que há de mais velho e obscuro. Os eleitores serão enganados. Em menos de seis meses a classe média sentirá o impacto negativo da política econômica. Por fim, enquanto escritor brasileiro, é uma vergonha ver esse homem bruto, misógino, racista e ignorante na presidência. Ele declarou que seu livro de cabeceira é a obra de um torturador. Que belo exemplo de humanismo e cultura democrática!
Se Bolsonaro vencer as eleições no dia 28 o fará pelas urnas e pelo voto popular. Não questiono, portanto, que essa seja uma eleição democrática. Questiono porém a “qualidade” da democracia que o candidato do PSL representa. Uma democracia que não respeita os direitos humanos e incita a violência o armamento, que não admite a pluralidade de opções de gênero, que humilha as populações negras, e que afirma descaradamente que não admitirá as reservas indígenas instituídas constitucionalmente. Pelo jeito democracia é um conceito que também mudou. Agora serve para definir projetos que a contradizem. Por fim, se Bolsonaro ganhar, vamos ter que estar preparados para o day after e formar uma frente progressista que seja do tamanho do Brasil. Quem sabe um outro Brasil: mais generoso, variado e inclusivo do que esse que estamos vendo tomar força agora, em 2018.
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Intelectuais e artistas da América e da Europa fazem alerta contra Bolsonaro em manifesto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU