16 Outubro 2018
A crise dos abusos sexuais criou uma verdadeira tempestade no Vaticano. Se há alguém especialista neste campo é o padre jesuíta alemão Hans Zollner, psicólogo e teólogo, professor na Universidade Gregoriana e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, instituída pelo Papa Francisco em 2014. Agora, liderou o projeto que resultou na criação do primeiro mestrado para prevenir este flagelo.
A entrevista é de Anna Buj, publicada por La Vanguardia, 15-10-2018. A tradução é de André Langer.
Que erros a Igreja cometeu com os abusos sexuais?
Os erros e crimes que se encontram há setenta anos em todo o mundo são os mesmos: não acreditar nas vítimas, não ouvi-las, proteger os abusadores por uma dificuldade de acreditar que um sacerdote possa ter cometido esses crimes e transferi-los de paróquia com suas promessas de não repeti-los.
Na Europa, algumas famílias das vítimas pediam ao bispo para que não o tornasse público, porque as envergonhava. A culpa era considerada da vítima e não do sacerdote. O papel do poder era mais importante, e a Igreja preferia proteger sua fama do que seguir os ditames do direito canônico. Houve pouca seriedade na seleção dos sacerdotes.
Você disse que os seminários precisam deixar de ser centros fechados à sociedade.
As diretrizes da Igreja chamam os responsáveis para dar uma formação humana, emocional e sexual. Em muitos seminários, esta não é a realidade. Durante muito tempo pensava-se que o simples fato de estar no seminário e rezar resolvia o problema. Não é assim. Os bispos sabem disso muito bem. As crises na vida sacerdotal não surgem por razões de fé, mas por razões afetivas.
O que você recomenda?
Escolher pessoas que sejam capazes. Para um professor de teologia, os responsáveis investem entre cinco e sete anos; para um formador, nem cinco semanas. Há uma grande desproporção entre a importância da formação intelectual e afetiva.
No final dos anos de seminário não há acompanhamento. Há algum choque?
Exatamente. Muitos sacerdotes deixam o sacerdócio nos primeiros cinco anos. O trabalho de um padre hoje não é o mesmo de cinquenta anos atrás, mas o modelo de formação continua o mesmo. Os sacerdotes que querem ser pastores de almas muitas vezes são administradores de bens ou de instituições e não estão preparados. Eles estudam teologia e acabam sendo gestores de escolas. A ordenação sacerdotal não dá essas capacidades.
Acabar com o celibato resolveria o problema dos abusos sexuais?
Todos os relatórios oficiais científicos e encomendados por governos como dos Estados Unidos, Austrália ou Alemanha, críticos com a Igreja, negam que o celibato por si só leve aos abusos. O que eles dizem, e isso também eu digo, é que uma vida celibatária que não é ajudada por uma formação humana sólida e que não vem acompanhada por um estilo de vida integrado, saudável, de trabalho em equipe... pode levar um padre a abusar, porque não consegue conciliar a vida celibatária com as necessidades que brotam.
Ele não encontra satisfação suficiente, nem espiritual, nem humana, nem profissional, em seu trabalho. Muitos abusaram de crianças e adolescentes porque imaginavam um sentido de importância. O abuso sexual é, sobretudo, um abuso de poder de alguém que não tem a força física, nem mental para resistir. O celibato não é a causa, mas uma vida celibatária doentia pode ser um fator de risco.
5% dos sacerdotes do mundo são abusadores.
Entre 1945 e 2010 a média está entre 3,5 e 6%, mais alta entre diocesanos que entre religiosos. Mas desde 2002, nos Estados Unidos, e desde 2010, na Alemanha ou na Áustria, as novas acusações são em menor número. Onde há escândalo público, medidas sérias de formação e diretrizes, já não existem mais abusos.
Uma parte ultraconservadora da Igreja culpa a suposta homossexualidade de alguns sacerdotes como causa dos abusos. Isso tem algum fundamento?
Os relatórios dizem que a homossexualidade não leva aos abusos, mas também dizem que em uma porcentagem entre 70% e 80% dos casos não se trata de crianças, mas de meninos adolescentes. Isto é significativo. Falamos de uma época, entre 1940 e 1970, em que não havia escolas mistas, ou seja, o sacerdote tinha uma relação mais normal com os meninos.
E também devemos observar que alguns provavelmente entraram para o seminário nesses anos, porque descobriram que eram homossexuais, mas acreditavam que poderiam conviver melhor em uma vida celibatária, pensando em uma solução mágica, que com a ordenação a sexualidade desapareceria. Isso se agrava com os fatores que eu mencionei acima. Quando se está estressado, frustrado, sozinho, essas dinâmicas aparecem.
Por quanto tempo a Igreja terá que lidar com essa crise?
Eu sempre disse que interessará durante uma geração. Onde há a atenção da mídia, as denúncias diminuem com o tempo, mas em países em que não se falou sobre isso agora, existe a sensibilidade e a disposição para denunciar. De agora em diante, haverá muito a fazer, também na Espanha, para não repetir erros e fazer justiça às vítimas. É uma infecção que está em todo o corpo, não apenas na América do Norte ou na Europa Central. Devemos abri-la e erradicá-la, mesmo que isso signifique perder dinheiro, fama, nossa imagem ou poder.
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“Uma vida celibatária não sadia pode levar aos abusos”. Entrevista com Hans Zollner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU