06 Outubro 2018
O cardeal Ezzati agiu contra o que o país, os próprios católicos e, especialmente, as vítimas lhe pediam: verdade, transparência, cooperação, todas exigências reais e urgentes, há décadas ignoradas pela hierarquia eclesiástica. Os outros bispos que ainda devem ser interrogados como réus também se calarão?
A reportagem é publicada por Il Sismografo, 04-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O silêncio nessa quinta-feira, 4, do cardeal Ricardo Ezzati, arcebispo de Santiago em regime de prorrogação, diante do procurador Emiliano Arias, na realidade, é algo bastante surpreendente.
O purpurado, imputado por supostas ocultações de abusos sexuais no caso de dois presbíteros, era esperado no tribunal da cidade de Rancagua há semanas. O interrogatório havia sido marcado para o dia 21 de agosto e, depois, adiado para 2 e 3 de setembro, após o pedido da defesa do cardeal.
Nessa quinta-feira, quando todos pensavam que o cardeal Ezzati aceitaria responder às perguntas do juiz Arias, depois de menos de 30 minutos da sua chegada, ele saiu da sede da Procuradoria pensativo e hostil.
Seus advogados – Hugo Rivera e Cristóbal Bonacic – esclareceram aos muitos jornalistas presentes: o arcebispo decidiu se valer do direito de não responder, mas falará em outro momento, também publicamente. É o seu desejo e o seu propósito.
Os defensores, entre outras coisas, como observa imprensa local, também deram a impressão de que não consideram urgentes as respostas do seu cliente.
Nessa quinta-feira, o cardeal Ezzati fez uso legal de um direito e, portanto, não há nada para criticar, pleitear ou contestar ao purpurado. Talvez a única reflexão a ser feita seria aquela que pode ser resumida com palavras que o cardeal Ezzati gosta muito e que costuma usar: “Nem tudo que é legal é sempre legítimo”. Trata-se de uma estratégia processual em relação à qual tanto a defesa quanto a acusação têm o mesmo direito constitucional.
Além disso, o comunicado do próprio cardeal Ezzati, que também é o texto da declaração que o purpurado entregou nessa quinta-feira ao procurador, sublinha que o que foi feito é o que ele quer “por enquanto” e “em conformidade com o direito”.
Basicamente, o arcebispo argumenta: como o meu pedido para fechar essa causa, feito em 14 de setembro passado, que deveria ser analisado pelo juiz logo após o esclarecimento sobre o tribunal competente para continuar o processo (nos tribunais de Rancagua ou de Santiago), ainda não obteve uma resposta definitiva, e, ao mesmo tempo, eu não recebi todos os dossiês solicitados aos investigadores e que eu tenho o direito de conhecer, decidi não responder momentaneamente.
Tudo claro, preciso e muito legal. Irrepreensível.
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As considerações críticas que fazemos, ao contrário, são de outra esfera, a da coerência, da imagem e do impacto midiático e também da ética evangélica, levando-se em conta a grave situação que a Igreja Católica vive no Chile e que se resume em poucas palavras: descrédito, repulsa, rejeição.
Aqueles que aconselharam e convenceram o cardeal Ezzati a se valer desse direito prestaram um péssimo serviço ao arcebispo. Certamente, a escolha do silêncio respondia a considerações jurídicas muito técnicas, mas elas não levavam em conta outras razões, muito mais decisivas a esse respeito: a relação entre a hierarquia católica e a esmagadora maioria do país, além das próprias comunidades eclesiais.
A essa relação, em crise e frágil, o cardeal Ezzati, ao não responder às perguntas da Justiça, deu um golpe fatal. A Igreja Católica no Chile, depois do caso dessa quinta-feira, sai ainda mais enfraquecida, desacreditada e isolada.
Os comentários e as análises mais divulgadas há diversas horas coincidem, essencialmente, quase todas, em dizer: Ezzati agiu contra o que o país, os próprios católicos e especialmente as vítimas lhe pediam: verdade, transparência, colaboração, todas exigências reais e urgentes, há décadas ignoradas pela hierarquia.
Para muitos, o fato do cardeal Ezzati querer se apegar a chicanas jurídicas, direito sacrossanto que não se discute, demonstra, porém, que, nesse caso, o cardeal não conseguia se defender com argumentos sólidos, convincentes e impossíveis de serem desmentidos.
Em poucas palavras, ele devia demonstrar e entregar as provas de que ele nunca acobertou abusos sexuais de alguns sacerdotes da sua diocese. Nada mais. Bastavam as suas declarações oficiais, lacônicas e precisas, e os documentos necessários para comprovar o que disse. Mas, infelizmente, não foi assim.
Se as coisas, como o cardeal Ezzati sempre disse com referência aos casos em que ele é envolvido como acusado de ocultação, são “claras, documentáveis e transparentes”, então ele devia ter falado nessa quinta-feira. Era a grande oportunidade para desmontar uma hipotética máquina de lama contra ele, contra outros cardeais e bispos, contra a Igreja local. Em vez disso, ele preferiu ficar em silêncio.
Esse silêncio, hoje, tornou-se outra pedra no caminho do renascimento e da cura da Igreja chilena, uma gigantesca dor no coração dos católicos que, no silêncio e no anonimato, todos os dias, “fazer Igreja” e “testemunham o Jesus do Evangelho”, sem títulos, honras e aplausos.
A imprensa chilena, ao recordar o calendário dos próximos interrogatórios de bispos, sempre acusados de ocultação de abusos sexuais, se pergunta: “Eles também se calarão?”.
No dia 22 de outubro, deve ser interrogado o bispo emérito de Valparaíso, Dom Gonzalo Duarte. No dia 29 de outubro, será a vez do presidente do episcopado, além de bispo castrense, Dom Santiago Silva. Em 5 de novembro, será interrogado novamente o bispo emérito de Osorno, Dom Juan Barros. Em 10 de novembro, o padre Raúl Hasbún, ex-colaborador dos cardeais Ezzati e Errázuriz, deve se apresentar para um interrogatório, mesmo não sendo acusado.
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Chile. Cardeal Ezzati se cala em interrogatório: um golpe fatal no prestígio remanescente da Igreja no país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU