22 Agosto 2018
Hoje há cinquenta anos, Paulo VI, iniciou a visita apostólica à Colômbia. Foi a primeira visita de um papa à América Latina. Paulo VI, nesta viagem, inaugurou também a II Assembleia Geral dos Bispos Latino-Americanos em Medellín.
Paulo VI, convidou o Irmão Roger Schutz, prior da Comunidade de Taizé, a participar da comitiva papal. Irmão Alois, atual prior da Comunidade de Taizé, num belo depoimento, descreve o significado desta viagem.
O depoimento é publicado por L'Osservatore Romano, 21/22-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo o depoimento, “a viagem para Bogotá reservaria para o Irmão Roger outro evento totalmente inesperado. No avião ele ficou sentado ao lado do Padre Pedro Arrupe (por sua vez convidado pelo Papa Paulo VI), que há três anos era superior geral dos jesuítas. Eles não se conheciam e passaram o tempo todo conversando. Esses dois homens de Deus eram feitos para entender-se um ao outro: o mesmo caráter espontâneo, a mesma abertura do coração e da mente, a mesma amplitude de visão, a mesma paixão para buscar a forma de comunicar Cristo ao homem contemporâneo”.
Paulo VI e Frei Roger na viagem à Colômbia
Foto: L'Osservatore Romano
Quando, em 1968, foi anunciada a visita apostólica do Papa Paulo VI à Colômbia (22-25 agosto), o coração do irmão Roger vibrou. O prior de Taizé conhecia o Papa há muitos anos, desde quando ele ainda era o jovem monsenhor Montini em Roma, substituto da Secretaria de Estado, e sonhava acompanhá-lo na América Latina. Quando ele descobriu que o sonho seria realizado e que, com outro irmão de nossa comunidade, o irmão Robert, ele foi convidado para viajar com o Santo Padre no mesmo avião, como "convidado e amigo do Papa" seu coração vibrou mais ainda. Estou satisfeito por ter, hoje, a oportunidade de explicar o porquê. Eu ainda não estava na comunidade naquela época, mas eu tinha ouvido muitas vezes o irmão Roger falar a respeito; e a memória dos irmãos mais velhos manteve viva em nós a lembrança daquela viagem do nosso fundador com o Papa para Bogotá.
A ideia de acompanhar o Santo Padre naquele novo exercício de seu ministério, que seria essa grande viagem, cativou o irmão Roger. Mais tarde, com João Paulo II, as visitas apostólicas ao redor do mundo se tornariam parte integrante da vida de um Papa. Mas na época de Paulo VI um deslocamento intercontinental ainda era um fato excepcional. O Irmão Roger era grato de poder participar porque, depois dos encontros com João XXIII que o marcaram profundamente, continuava no silêncio do seu coração, uma meditação sobre o significado do ministério de um pastor universal no coração da Igreja. Ele não falava muito sobre isso publicamente, sabia que era uma questão candente nas relações entre cristãos separados. Mas ver de perto o Papa Paulo VI exercer a sua missão universal o interessava e o fascinava.
Três anos após a viagem para a Colômbia, o irmão Roger começou a pronunciar-se sobre o ministério do Papa. Em 1971, ele iria dizer em particular, e, depois, escreveria: "Contemporâneos daquele testemunho de Cristo, que foi João XXIII, seria ainda possível procurar a unidade da Igreja como âmbito de comunhão para todos os homens sem colocar a questão do bispo de Roma? Se cada comunidade local precisa de um pastor que incentive à unidade todos aqueles que se dispersam, como esperar por uma Igreja reconstituída em sua unidade sem um pastor universal? Sua vocação não seria justamente de não estar na liderança (o líder da Igreja é Cristo), mas no coração do coração?". Ele terminaria com a seguinte reflexão, para a qual não são estranhas as palavras corajosas de Paulo VI que ouviu em Bogotá: "Através do uso de uma liberdade evangélica, o Papa, servo dos servos, pode fazer muito para sensibilizar os homens diante da opressão e da injustiça. Sem ele, quem poderá expressar o conjunto dos cristãos, além dos confins da Igreja, nos momentos de ameaças dramáticas para a humanidade?". O irmão Roger repetiria isso em várias ocasiões, ao preço de muitos mal-entendidos entre determinados círculos protestantes.
Acompanhar o Papa, e, mais ainda, acompanhá-lo na América Latina, representou para o irmão Roger um evento muito importante. Há dez anos, o continente latino-americano - e particularmente Colômbia – ocupava grande parte de seus pensamentos e de suas orações em Taizé. A sua atenção para aquele continente longínquo havia sido despertada por um encontro ocorrido dez anos antes, em Roma, em 1958, com o bispo chileno Dom Larraín Errázuriz. Naquele ano, o irmão Roger assistira a coroação de João XXIII pois o arcebispo de Lyon, cardeal Gerlier, havia pedido ao novo Papa, imediatamente após a sua eleição, para receber o fundador de Taizé para sensibilizá-lo desde o início sobre o tema do ecumenismo. O Papa João XXIII aceitou e, em 7 de novembro, três dias após sua coroação, recebeu o irmão Roger e o irmão Max, que se encontravam assim no topo da lista das audiências do novo Pontífice.
Ficando em Roma por vários dias naquele final de 1958, o irmão Roger aproveitou a oportunidade para fazer contatos e conhecer os dois bispos chilenos, monsenhor Larraín Errazuriz e Monsenhor José Manuel Santos Ascarza. Larraín Errázuriz, de Talca, era um homem de grande inteligência e, ao mesmo tempo, de vívida sensibilidade pastoral. Ele se tornaria o maior presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). Ele apresentou ao Irmão Roger a sua visão da situação latino-americana, a sua rejeição da injustiça que reinava no continente, a sua preocupação com os pobres. Entre os dois nascia um vínculo de amizade e confiança.
O irmão Roger ficou surpreso e impressionado em descobrir em seu companheiro também uma autêntica abertura ecumênica. Ele se atreveu a transmitir-lhe uma preocupação: o protestantismo europeu estava naquele tempo muito abalado com a situação dos protestantes na Colômbia que se dizia eram perseguidos. Monsenhor Larraín escutou e, em seguida, apresentou o irmão Roger ao arcebispo de Bogotá, o cardeal Crisanto Luque Sánchez, que também estava em Roma. Após sua conversa, o cardeal escreveu uma longa carta para o irmão Roger, onde, entre outras coisas, dizia: "A hierarquia católica na Colômbia nunca promulgou diretivas de perseguição contra os protestantes nem contra qualquer um [...]. Se tivesse sido derramado sangue protestante por motivos religiosos, como foi dito - embora eu não tenha nenhuma prova nem qualquer informação digna de confiança - eu seria o primeiro a lamentar e a pedir perdão ao nosso Senhor Jesus Cristo em nome de quem tivesse ousado fazer tal coisas".
O cardeal estava pronto para publicar essa carta, mas infelizmente morreu pouco depois. O Irmão Roger iria dar a máxima publicidade àquele testemunho no protestantismo europeu.
Em 1962 iniciou-se o Concílio Vaticano II. O irmão Roger foi convidado como observador, e lá encontrou seu amigo Manuel Larraín. Este lhe relatou que, com outros bispos chilenos, acabara de lançar a iniciativa de uma reforma agrária: "Nós temos terras", dizia ele, "temos pobres, mas não temos os recursos necessários para lançar cooperativas agrícolas que, bancadas no início, poderiam, depois, tornarem-se independentes." O irmão Roger percebeu que isso era um apelo a Taizé para promover um gesto ecumênico e, no ano seguinte, promoveu uma coleta na Europa para ajudar as cooperativas agrícolas criados pela Igreja latino-americana, não apenas no Chile, mas, pouco a pouco, em quase todos os países o continente. Chamou essa coleta de "operação esperança".
Dois anos mais tarde, novamente no concílio, monsenhor Larrain sugeriu ao irmão Roger para adicionar outro componente para a coleta para a América Latina: não só participar na promoção humana dos pobres, mas também para a sua promoção espiritual. Para isso, salientou a falta de cópias do Novo Testamento. Foi então feita uma nova tradução, que pela primeira vez levava em conta o espanhol na América Latina; a “operação esperança” financiaria a impressão de um milhão de cópias. Estas oram enviadas em pequenos pacotes para as paróquias (mesmo para os protestantes, em proporção ao seu número). Taizé manteve para esse fim uma troca de correspondências não só com todos os bispos, mas também com milhares de párocos do continente. Em seguida, com o mesmo sistema, enviou para o Brasil meio milhão de cópias do Novo Testamento em português.
Por todas essas razões, quando, em 1968, o irmão Roger recebeu o convite de Paulo VI para acompanhá-lo na Colômbia, alegrou-se infinitamente por poder passar alguns dias naquele continente ao amado, que ele nunca tinha visitado. Ele se alegrou também com o pensamento de encontrar-se com tantos bispos que se tornaram seus amigos durante o Concílio. De fato, um dos objetivos da peregrinação apostólica seria inaugurar em Bogotá a conferência de bispos latino-americanos, que depois seria realizada na cidade de Medellín. Mas eis que o irmão Roger despertou admiração e preocupação expressando o desejo de permanecer em uma favela em Bogotá. Ele queria compartilhar o máximo possível a vida dos pobres. Explicaram a ele que era perigoso. Ele respondeu que não havia nenhuma razão para ter medo dos pobres. Contaram a ele que o trânsito nas ruas da capital colombiana era caótico, que a circulação se tornaria ainda mais intensa pela presença do Papa e, portanto, nunca conseguiria, ficando em uma favela, participar todos os dias das cerimônias da visita. Ele respondeu que os nossos amigos colombianos conheciam bem a sua cidade e encontrariam os atalhos que lhe permitiriam chegar a tempo para as várias reuniões oficiais. Naquele ponto, os embaixadores da França e da Suíça em Bogotá, ao saber de sua dupla nacionalidade, escreveram para dizer que ele poderia ficar em suas respectivas embaixadas, mas ele agradeceu e declinou ambos os convites.
Alguns amigos colombianos, então, encontraram uma família em uma favela pronta a acomodá-los. Os dois irmãos, Roger e Robert, iriam pernoitar lá durante nove noites, e durante o dia participariam das reuniões da visita papal. O irmão Roger, ao regressar a Taizé, escreveu: "Em Bogotá eu descobri um povo onde os ambientes pobres são fundamentalmente ligados a Cristo. Eles têm um sentido da providência de Deus. Em determinado momento, eu senti muita tristeza em uma família, onde haviam nos recebido para o jantar como irmãos. Eu tinha um nó na garganta por tudo aquilo que via ao meu redor. Tudo parecia desgraça e ruína. Dez crianças estavam vivendo em um espaço minúsculo, uma mulher estava morrendo na casa ao lado. A mulher que nos recebeu me confessou seu desejo mais caro, o de ver construir uma pequena capela. Apesar da escassez de recursos, as pessoas do bairro já tinham reunido um pouco de dinheiro para construí-la. Enquanto ela me falava disso, esta mãe de dez filhos irradiava felicidade. Ele estava se referindo ao Único que pode despertar uma alegria que permite atravessar os desertos. A esperança que nos transmitem as comunidades cristãs na América do Sul talvez possa ser resumida em uma frase: ajudarão a nós, moradores do hemisfério norte, a construir melhor a Igreja que Deus está nos preparando e que será uma comunidade de compartilhamento".
Os momentos que nosso fundador passou em uma favela de Bogotá abriram-lhe um caminho que será retomado mais tarde: sempre que surgia a oportunidade, ele compartilharia da mesma maneira a vida das famílias pobres, em bairros carentes, em Santiago do Chile, em Calcutá ao lado da madre Teresa, em Nairóbi no Quênia, e em outras partes do mundo.
O irmão Roger retornou a Roma no avião do papa, com quem teve uma longa conversa durante o voo. O irmão Robert permaneceu, no entanto, mais algumas semanas na Colômbia, como observador junto à conferência dos bispos em Medellín.
A viagem para Bogotá reservaria para o irmão Roger outro evento totalmente inesperado. No avião ele ficou sentado ao lado do Padre Pedro Arrupe (por sua vez convidado pelo Papa Paulo VI), que há três anos era superior geral dos jesuítas. Eles não se conheciam e passaram o tempo todo conversando. Esses dois homens de Deus eram feitos para entender-se um ao outro: o mesmo caráter espontâneo, a mesma abertura do coração e da mente, a mesma amplitude de visão, a mesma paixão para buscar a forma de comunicar Cristo ao homem contemporâneo.
Desde então, eles manteriam um diálogo constante até a morte do superior geral dos jesuítas. Muitas vezes se encontrariam em Roma. Quando falava do Padre Arrupe, o irmão Roger o apresentava como um santo contemporâneo, definindo-o com duas palavras: discernimento e ousadia. Após a visita do Padre Arrupe em Taizé, no dia de Pentecostes de 1972, o irmão Roger escreveu: "Este homem é o João XXIII da sua ordem, está entre as testemunhas da primavera da Igreja". Além de suas pessoas, daquela amizade resultou em uma profunda comunhão entre a Companhia de Jesus e a comunidade de Taizé.
Quando a doença incapacitou o padre Arrupe, o irmão Roger continuou a visitá-lo todos os anos, na Cúria Geral dos Jesuítas, perto do Vaticano, ouvindo as poucas palavras que ele conseguia dizer e pedindo-lhe toda vez a sua bênção. Ele o via não só lutar contra a doença física, mas também sofrer pela Igreja, sem nunca sentir amargura. Comoveu-se a tal ponto que realizou um gesto único, que nunca tinha feito por ninguém; propôs que ele se tornasse prior de Taizé em seu lugar. Sob seus olhos, ele escreveu: "Venha para Taizé. Será para nós uma alegria para a nossa pequena comunidade. Tem a força para fazê-lo. Venha para nos mostrar o que é essencial, para nós que buscamos a reconciliação sem mais demora. Não seria um problema para mim ceder-lhe o lugar."
Eu também estava presente naquele dia. Arrupe ouviu o irmão Roger ler em voz alta aquelas palavras. Eu o vi sorrir. Ele não podia aceitar, mas aquele gesto de confiança oferecia um pouco de consolo para o seu sofrimento.
Foi assim que, sob muitos aspectos, o convite que o irmão Roger recebeu do Papa Paulo VI, cinquenta anos atrás não só foi para ele a ocasião de fazer uma experiência muito criativa, mas também teve profundas consequências sobre a história posterior da nossa comunidade de Taizé.
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Cinquenta anos atrás a viagem de Paulo VI para a Colômbia. O sonho e a favela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU