31 Mai 2018
"Medellín propunha-se vencer o torpor dos povos latino-americanos e caribenhos sob a pobreza, a injustiça e a opressão das ditaduras militares. A opressão e a fome não podiam esperar", escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor das Pastorais Sociais.
A “opção preferencial pelos pobres” constitui uma espécie de eixo central ou fio condutor dos documentos publicados pelas assembleias do episcopado da América Latina e Caribe. Mas esse eixo central ganha energia transformadora sobretudo a partir do Documento de Medellín, o qual, por sua vez, significava uma atualização neste continente das intuições e avanços do Concílio Vaticano II. Enquanto o Concílio procurava sacudir a poeira da Igreja como um todo, abrindo-se às novidades do mundo moderno, Medellín propunha-se vencer o torpor dos povos latino-americanos e caribenhos sob a pobreza, a injustiça e a opressão das ditaduras militares. A opressão e a fome não podiam esperar.
Além de inspirar-se nos textos do Concílio, de alguma forma Medellín retrata também o clima de revolução cultural dos anos 1960, com destaque justamente para o ano de 68. Ocupando as universidades dos Estados Unidos, as ruas de Paris e de outras cidades, com a música engajada de Liverpool, na Inglaterra ou da MPB, no Brasil, combatendo o racismo ao lado de Martin Luther King – os jovens viraram a mesa, exigiam mudanças, ao mesmo tempo que abriam novas encruzilhadas nos destinos da história. Não sem razão, no mesmo ano de 68 ocorre o assassinato do líder negro nos USA e o Ato Institucional nº 5 (AI5) no Brasil.
Voltando a Medellín, o documento tinha como título “A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio”. Algumas expressões do texto são emblemáticas de um profetismo e de um engajamento sócio pastoral e político que em todo continente se fazia cada vez mais forte e vigoroso: “Injustiça que clama aos céus” (Cap. 1, n. 1); “frustrações crescentes” (cap. 1, n. 4); “situação de injustiça que pode ser chamada de violência institucionalizada” (cap. 2, n. 15); “um surdo clamor brota de milhões de homens” (cap. 14, n. 2): “vigência de estruturas inadequadas e injustas” (cap. 15, n, 1); “a miséria que marginaliza grandes grupos humanos” (cap.1, n. 1). Diante de tudo isso, os bispos ressaltam a necessidade de “levar a cabo uma autêntica e urgente reforma das estruturas e da política agrária” (cap. 2, n. 8).
Não será exagero afirmar que o tempero dessas expressões vem, ao mesmo tempo, do chão e do alto. No chão de muitos países, combate-se a opressão de regimes militares que tentam silenciar a voz dos pobres, marginalizados e indefesos. A riqueza e a renda concentram-se cada vez mais em poucas e poderosas mãos. No lado oposto, concentra-se igualmente a pobreza e a exclusão social. Por toda parte, o povo se mexe, levanta a cabeça, faz ouvir sua voz: reunidos em milhares de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) espalhadas por vários países, os pobres buscam na Palavra de Deus uma luz em meio à escuridão. Enquanto as palavras bíblicas iluminam a realidade de pobreza e injustiça, essa mesma realidade interpela a Palavra de Deus, conferindo-lhe significados novos, ocultos e dinâmicos. Volta-se a uma releitura da libertação no Livro do Êxodo e da Boa Nova de Jesus nos relatos evangélicos.
Instala-se assim o chamado círculo hermenêutico: as páginas da Bíblia ensinam a ler com fé e esperança a situação concreta em que vivem pessoas; semelhante leitura leva a uma nova prática evangélica, marcada pelo desejo de mudar a realidade socioeconômica e político-cultural; essa prática, por sua vez, reflete-se em uma leitura mais enriquecida da Palavra de Deus; esta volta a iluminar a realidade e a necessidade de novas transformações... E assim por diante. CEBs e Teologia da Libertação (TdL) realizam um casamento feliz, onde teoria e práxis se interpelam, se complementam, se entrelaçam e se enriquecem reciprocamente.
Semelhante modo de agir e de refletir sobre a ação, por outro lado, reforça a “opção preferencial pelos pobres”. Volta-se com insistência à prática do profeta itinerante da Galileia. Tal eixo central ganha ampla cidadania nos demais documentos do episcopado latino-americano e caribenho: Puebla, em 1979; Santo Domingo, em 1992; Aparecida, em 2007.
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Cinquenta anos do Documento de Medellín - Instituto Humanitas Unisinos - IHU