12 Julho 2018
Em 1924, o candidato do Partido Progressista a vice-presidente dos Estados Unidos, Burton Wheeler, usou um novo truque para convocar o presidente republicano Calvin Coolidge para a disputa da campanha. Em vez de simplesmente reclamar da falta de vontade do político de debater com seus adversários, Wheeler colocou uma cadeira vazia no palco e fingiu que Coolidge realmente estava na sala.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada em Crux, 11-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde então, a “cadeira vazia” tem sido um símbolo da ausência de um ator crucial em uma conversa, geralmente com a sugestão de que ele ou ela tem alguma explicação a dar pelo fato de não aparecer.
Se houvesse uma cadeira vazia na cúpula ecumênica do último sábado em Bari, Itália, organizada pelo Papa Francisco com o objetivo de rezar pela paz no Oriente Médio, ela obviamente seria a do Patriarca Kirill de Moscou, chefe da Igreja Ortodoxa Russa, e da ausência mais gritante do dia.
Sem dúvida, Kirill enviou aquilo que um colaborador vaticano descreveu como uma “bela carta” em resposta ao convite do papa e também despachou um veterano representante na pessoa do Metropolita Hilarion, na realidade, seu principal vice. No entanto, o evento de sábado foi definido como uma reunião de patriarcas das Igrejas orientais, e a ausência do líder da denominação que representa cerca de dois terços de todos os cristãos ortodoxos do mundo foi profundamente sentida, mesmo assim.
(Para ser justo, ele não foi o único líder ortodoxo a não ir a Bari. O Patriarcado Ortodoxo Grego de Antioquia sequer enviou um representante, presumivelmente por causa de uma política de não comparecer a nenhum evento onde o Patriarcado de Jerusalém esteja representado. As duas Igrejas estão encerradas em uma disputa sobre qual delas tem jurisdição sobre o Catar.)
A decisão de Kirill de não comparecer ao encontro do dia 7 de julho em Bari foi especialmente surpreendente, dado que, em certo sentido, todo o evento foi uma ideia dele.
Em meados de abril, Kirill telefonou para Francisco um dia após uma coalizão formada pelos Estados Unidos, o Reino Unido e a França bombardear alvos militares na Síria suspeitos de abrigar armas químicas. Na época, o líder ortodoxo russo disse aos repórteres que havia enfatizado ao papa a importância de os cristãos se unirem para tentar impedir o derramamento de sangue.
“Falamos sobre como os cristãos deveriam influenciar os eventos com o objetivo de pôr fim à violência, acabando com a guerra e evitando ainda mais vítimas”, disse Kirill.
“Nós propusemos essa iniciativa, sabendo que os cristãos não podem ficar de fora vendo o que está acontecendo na Síria”, disse Kirill. “O nosso diálogo foi significativamente de pacificação.”
O telefone ocorreu depois que Kirill e Francisco quebraram o gelo em 2016 com um encontro no aeroporto de Havana, quando o pontífice estava a caminho do México, terminando com uma declaração conjunta, expressando, entre outros pontos, uma preocupação compartilhada com a perseguição aos cristãos no Oriente Médio e com as violências que assolam a região.
Apesar de as autoridades vaticanas terem enfatizado que a ideia da cúpula ecumênica de Francisco em Bari surgiu antes do telefonema de Kirill em abril, essa conversa obviamente deu um impulso ao encontro e criou grandes expectativas de que o líder ortodoxo russo poderia participar. Quando o evento foi oficialmente anunciado em Roma, em 25 de abril, o porta-voz vaticano, Greg Burke, não descartou essa possibilidade.
Na verdade, existem várias razões bastante claras pelas quais Kirill pode ter pensado que aparecer em Bari seria construir uma ponte longe demais.
Por um lado, as relações de Moscou com algumas das outras Igrejas ortodoxas do mundo nem sempre são as melhores. Essa é a razão pela qual os russos ortodoxos não participaram, por exemplo, do “Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa”, uma cúpula pan-ortodoxa convocada em Creta pelo Patriarca Bartolomeu de Constantinopla em junho de 2016.
Os russos citaram objeções específicas à composição do Concílio ao explicarem sua decisão, incluindo o fato de que representantes das Igrejas antioquiana, búlgara e georgiana não estavam presentes. Por trás de tudo isso, no entanto, está o fato de que Constantinopla e Moscou são rivais naturais pela preeminência na Ortodoxia – o Patriarca de Constantinopla tradicionalmente é o “primeiro entre iguais”, mas Moscou tem tanto os números quanto os recursos para ser o “peso-pesado”.
Neste momento, Moscou e Constantinopla estão discutindo sobre uma possível medida por parte da última para reconhecer a independência da Igreja Ortodoxa na Ucrânia, algo que Hilarion recentemente advertiu que “significaria um cisma, semelhante ao cisma de 1054”.
Além disso, várias disputas teológicas ainda têm um grande peso na relação entre Moscou e Roma. Hilarion lembrou o mundo de uma dessas disputas, sobre a processão do Espírito Santo, em uma entrevista no fim de abril com a TV russa. Questionado sobre os comentários de Bartolomeu de que essa reunião entre o catolicismo e a Ortodoxia é “inevitável” em algum momento futuro, Hilarion expressou um forte ceticismo.
Muitos ortodoxos russos, incluindo uma forte seção transversal de monges politicamente influentes da Igreja, desconfiam de todo o empreendimento ecumênico, vendo-o como um convite a ocultar as diferenças e a diluir a identidade distintiva da Igreja.
Mais basicamente, talvez, Moscou teme há muito tempo que uma “reunião” com Roma realmente signifique absorção, significando uma relação desequilibrada na qual o papa sempre seria o parceiro sênior e, portanto, definiria os termos.
Assim, um convite do pontífice para participar de uma cúpula de alto nível no campo católico – mesmo que Bari contenha as relíquias de São Nicolau, tornando-se um popular local de peregrinação para os fiéis ortodoxos russos também – provavelmente desencadeou uma das ansiedades históricas russas mais profundas sobre aonde tudo isso está indo.
Embora esses pontos possam contribuir para uma explicação, eles não abordam a questão sobre se evitar Bari, em última instância, foi uma medida inteligente para Kirill. Do ponto de vista da realpolitik, pode-se argumentar que ele teria aumentado sua influência tanto com Roma quanto com o resto do mundo ortodoxo ao aparecer; em termos de considerações mais idealistas, pode-se também sugerir que pequenas diferenças doutrinárias devem ceder à causa premente de um testemunho cristão unido em favor da paz no Oriente Médio.
Deve-se dizer, a propósito, que o não comparecimento de Kirill não significa que os católicos e os ortodoxos russos não podem se unir pelo Oriente Médio. De fato, a agência de notícias TASS informou recentemente que os dois lados vão colaborar na reconstrução de igrejas na Síria, destruídas pelo ISIS.
No entanto, não é difícil imaginar alguns céticos se perguntando se há algum sentido em qualquer empreendimento ecumênico, se os chefes das Igrejas católica e ortodoxa russa sequer podem estar em uma mesma sala para rezar pelo Oriente Médio.
De qualquer forma, Kirill pode muito bem sentir que ele não tem muito a perder ao permitir que sua cadeira permaneça vazia. Afinal, o “Silent Cal” ganhou aquela eleição de 1924 em uma verdadeira avalanche, enquanto Wheeler e seus progressistas capturaram exatamente um Estado (Wisconsin, terra natal do seu candidato à presidência, Robert Lafollette).
Não aparecer, em outras palavras, às vezes pode ser uma política inteligente. O que resta a saber é se isso produzirá os mesmos resultados para Kirill em relação a Coolidge.
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Por que o líder ortodoxo russo deixou sua cadeira vazia no encontro com o papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU