09 Mai 2018
Filho da sociedade católica culta e burguesa da cidade de Bréscia, João Batista Montini em sua vida foi além deste mundo, marcando uma época e se tornando um "sinal de contradição" (o título dos exercícios que Karol Wojtyla dedicou ao Papa Paulo VI, em 1975). Não se formou em um seminário, mas em uma casa de Bréscia, onde pulsava com força o sentimento de pertencimento à Igreja local. O bispo era a referência indiscutível além do Papa, enquanto os Montini, com liberdade e crítica, discutiam sobre os vários acontecimentos e sobre as personalidades eclesiásticas. O pessoal de Bréscia queria alguém que representasse seus sentimentos na Cúria e João Batista foi enviado ao Vaticano. Aos 26 anos, ele escrevia que "a vida romana é cada vez mais repulsiva para mim: o provinciano não vive bem aqui."
O artigo é de Andrea Riccardi, fundador do movimento Comunidade de Santo Egídio, publicado por Corriere della Sera, 07-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre em 1920, foi para Roma aos vinte e três com uma identidade: jovem de fé profunda, alimentada pela Bíblia e pela liturgia, era atraído pelas orações dos beneditinos. Escolheu o perfil de padre educador, não político e cultural como Sturzo, não "rebelde" como Murri, não afeito à Cúria como Ottaviani, não erudito como De Luca. Ele escrevia: "A doutrina de Cristo é, pelo seu conteúdo, uma doutrina de liberdade."
Não só era antifascista - seu pai era um deputado do Partido Popular - mas acreditava na pessoa: portanto, não uma fé de preceitos, mas de comunicação e de educação. Essa foi a chave de seu ministério de 1924-1933 na FUCI, onde passou de assistente do círculo romano a assistente nacional: um trabalho que ele tanto amava e tornava-lhe menos árduo o compromisso na Cúria. Mas em 1933 ele precisou pedir demissão. Desde então - escrevia Montini - tornou-se uma "pessoa a ser vigiada em cada atitude, tanto prática como doutrinária, a quem é cabível atribuir intenções inquietadoras."
Um trabalhador incansável, afável, inteligente em enfrentar os problemas, amado pelos diplomatas por seu desempenho no cargo de substituto na Secretaria de Estado do Vaticano. Relatou-me o cardeal Ottaviani, em 1979, em tom bem coloquial: "Montini passava todos nós para trás. Chegava para trabalhar antes de todo mundo e era o último a sair. Trabalhava como uma máquina." Ottaviani foi o coração do "partido romano" que identificou no padre de Bréscia uma pessoa diferente. Na Cúria, Montini procurou uma via de aproximação cordial com a modernidade: uma síntese que se orientava pela renovação de Roma e do papado.
Montini sempre defendeu a figura de Pio XII, também por ter acompanhado e participado de sua obra como "padre comum" - dizia ele - para a paz e alívio dos perseguidos e atingidos pela guerra. O papado parecia para Montini um recurso decisivo no conflito entre as nações e na vida da Igreja, mas que podia ser reformado com perspectiva na simpatia pelo ser humano: "Simpatizar com total amizade". Mas em 1954, a morte do cardeal Schuster abriu o caminho para sua transferência para Milão. Para Montini foi um trauma. O vencedor foi o partido romano: a interpretação do pontificado de Pacelli como baluarte. Em obediência, Montini levou a sério o ministério em Milão, apesar dos sinais de falta de confiança e do controle de Roma. A experiência de Milão, grande cidade europeia com recursos e periferias, o mudou muito. Foi ali que sentiu aquela ansiedade pelos "distantes" que nunca mais o abandonaria. Não teria havido, porém, Paulo VI, sem a realização do Vaticano II, projetado por João XXIII, diante do qual Montini sentia-se, no início, incerto. Ele disse ao jornalista La Pira: "Um Concílio! Mas não teria sido melhor fazer um seminário sobre os problemas da Igreja na Fundação Cini!".
O último dramático confronto com o partido romano foi o conclave de 1963, quando a minoria conservadora no Concílio tentou virar a mesa apresentando como candidato o cardeal Antoniutti, conservador e pró-regime franquista, rejeitado pela França como núncio. O conclave enfrentou uma séria oposição, mas Ottaviani e os outros acabaram por apoiar Montini.
Desde então se tornou Paulo VI, o Papa de todos. Arquiteto sábio do Vaticano II, reiterou o papel do Papa e de uma Cúria renovada. O ponto de vista do Concílio, apoiada pelas Conferências Episcopais, girava ao redor de um Papa-príncipe reformador. O Papa viajava, circulava pelo mundo, pelas religiões e pelas outras Igrejas: "A Igreja deve tornar-se poliédrica para refletir melhor o mundo contemporâneo", dizia o futuro diretor do Corriere della Sera Alberto Cavallari, em 1965.
Após o Concílio Vaticano II, teria proferido este hino ao Concílio: "A antiga história do samaritano foi o paradigma da espiritualidade do Concílio". Em tempos ainda serenos, antes de 1968 e dos protestos, o Papa Paulo VI parecia próximo de realizar o sonho: uma Igreja fiel à tradição, cordial, amiga dos contemporâneos, fonte de um novo humanismo inspirado no Evangelho.
Mas as mudanças deveriam ocorrer sob a direção cuidadosa do Papa, evitando conflitos e fugas para frente (por isso a remoção de Lercaro de Bolonha). Reformista, tenaz, mediador, cuidadoso em trazer os conservadores junto a si. A imensa novidade conciliar provocou apenas o pequeno cisma lefebvriano. No entanto, depois do Concílio, nasceu na Igreja uma opinião pública, origem de movimentos magmáticos e de contestação, que exigia novidades "revolucionárias". Montini não imaginava assim a reforma. Ele sentia a necessidade de estabelecer limites, reivindicar para si, como com a encíclica Humanae Vitae, a reafirmação do celibato do clero ou o Credo do Povo de Deus Em 1972 manifestou as famosas expressões pessimistas: "... de alguma fissura a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus".
Paulo VI não foi popular nem carismático, contestado pelos progressistas, acusado pelos conservadores como origem da crise na Igreja. Sentiu-se só: "A posição é única. Isso quer dizer que me encontro confinado numa extrema solidão". Alberigo, colaborador de Lercaro, falava duramente, em 1977, de "uma prática extremamente oscilante, tímida contraditória" e de "fraqueza que deixa espaço para uma restauração." Atenágoras, Patriarca de Constantinopla, com fina intuição percebeu a grandeza e a fragilidade do Papa. Disse a ele: "Eu sou um homem velho, permita-me este conselho: precisa dormir mais, comer um pouco mais, trabalhar um pouco menos, caminhar no jardim e até mesmo, apesar de tudo, rir."
O retrato de Paulo VI, depois de 1968 e pelos 10 anos seguintes, não foi de um Papa popular e moderno, mas hamlético, definição que tanto o desagradava: triste, acusado de restaurador depois do Concílio. A crise - não um ataque vindo de fora - tocou a Igreja de forma inédita com a saída de sacerdotes e o declínio da prática religiosa. Em um quadro contrastado, emergiu um homem lutador, como nas batalhas de sua vida, ainda com sábia moderação. Combateu todos os dias com a palavra e o governo. Esta foi a longa parte final do pontificado: a tão discutida celebração do Ano Santo de 1975 – na realidade, um grande sucesso de povo, segundo o historiador Dupront – e o Evangelii Nuntiandi, Magna Charta de uma Igreja missionária e de saída, não autocentrada na crise, que para se curar precisava evangelizar. Luz no fim do túnel, não percebida pela imprensa que consolidou o juízo severo sobre o Papa triste. No Jubileu de 1975, lançou Gaudete in Domino, o convite à alegria.
Especificava: "Sem afastar-se de uma visão realista, as comunidades cristãs se tornam lugares de otimismo."
Quem foi Paulo VI? Montini disse a Guitton: "Você quer fazer um retrato de uma pessoa que não existe: Montini desapareceu, foi substituído por Pedro". "Os últimos dias mostraram a probidade de seu gênio atormentado", relatou Dupront. Antes das últimas férias em Castel Gandolfo, visitou no Santo Ofício o velho e cego Ottaviani, como gesto pacificador com o homem do baluarte. A última saída de Paulo VI foi para o túmulo do cardeal Pizzardo, que tanto tinha criado obstáculos para ele. Montini tinha chegado a Roma com ideias claras, as tinha ampliado e aprofundado, tinha enfrentado embates e tinha lutado. No final, havia nele uma rendição pacífica diante de uma história que o superava e não governava, quando sentiu já próximo o final.
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Paulo VI, o combatente suave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU