07 Março 2018
A exortação do Papa Francisco sobre a família deveria incitar a discussões e debates, mas acusar o seu autor e outros de heresia está completamente fora de lugar, disse o cardeal alemão Walter Kasper.
“Uma heresia é um desacordo tenaz com o dogma formal. A doutrina da indissolubilidade do matrimônio não foi posta em dúvida por parte do Papa Francisco”, disse o cardeal, que é teólogo, ao Vatican News em 5 de março.
A reportagem é de Cindy Wooden, publicada por Crux, 05-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Kasper concedeu entrevista sobre o seu novo livro “The Message of ‘Amoris Laetitia’: A Fraternal Discussion”. Sua entrevista foi publicada poucos dias depois que o bispo italiano Marcello Semeraro para o último artigo publicado aqui nesta semana, de Albano, e o Cardeal Donald W. Wuerl, de Washington, publicaram orientações detalhadas para o acompanhamento dos casais, incluindo os parceiros divorciados e que voltaram a se casar no civil.
Em seu livro, Kasper descreve Amoris Laetitia como uma “renovação criativa do ensinamento tradicional”.
O Vatican News perguntou a Kasper especificamente sobre o caminho do discernimento que Francisco vê para que alguns divorciados e recasados no civil retornem aos sacramentos, entre estes o da Comunhão, sob certas circunstâncias.
“Pecado é um termo complexo. Ele não apenas inclui um princípio objetivo, mas há também a intenção, a consciência da pessoa. E precisa ser examinado no foro interno – no sacramento da Reconciliação – se existe verdadeiramente um pecado grave, ou talvez um pecado venial, ou quem sabe nada”, respondeu o cardeal. “O Concílio de Trento diz que, no caso em que não há pecado grave, mas sim venial, a Eucaristia remove o pecado”.
“Se for somente um pecado venial, a pessoa pode ser absolvida e admitida ao sacramento da Eucaristia”, disse o prelado. “Isso já corresponde com a doutrina do Papa João Paulo II e, nesse sentido, o Papa Francisco está em completa continuidade com a direção aberta pelos papas precedentes. Não vejo razão alguma, portanto, em dizer que é uma heresia”.
A tradição católica, insistiu ele, “não é um lago estagnado, mas uma primavera, ou um rio: é algo vivo. A Igreja é um organismo vivo e, assim, sempre necessita traduzir validamente a tradição católica a situações presentes”.
Falando de forma mais geral sobre Amoris Laetitia, Kasper disse que a leitura do documento tem ajudado muitos parceiros a terem uma apreciação mais profunda do ensinamento da Igreja sobre o matrimônio e a vida em família, bem como sobre as alegrias e os desafios que as famílias, hoje, enfrentam.
“Não é alta teologia incompreensível às pessoas”, disse. “O Povo de Deus está muito contente e feliz com este documento porque ele dá espaço à liberdade, mas também interpreta a substância da mensagem cristã numa linguagem compreensível”.
Num mundo onde há tanta violência, falou o cardeal, “muitos estão feridos. Mesmo nos casamentos existem muitos que estão feridos. As pessoas precisam de misericórdia, empatia, a empatia da Igreja nesses tempos difíceis que vivemos hoje. Penso que a misericórdia é a resposta aos sinais dos tempos”.
Também no começo de março, Semeraro, secretário do Conselho dos Cardeais, organismo internacional consultivo do papa, divulgou uma instrução pastoral sobre como “acolher, discernir, acompanhar e integrar à comunidade eclesial os fiéis que se divorciaram e voltaram a se casar no civil”.
As orientações para a Diocese de Albano, na Itália, foram publicadas depois que as reuniões do conselho presbiteral diocesano de 2016-2017 se dedicou a discutir o cuidado pastoral de tais casais.
As discussões deixaram claro que acolher e integrar à vida paroquial “aqueles que nos abordam com o desejo de ser readmitido à participação na vida eclesial requer uma quantidade apropriada de tempo para acompanhamento e discernimento que irá variar de acordo com cada situação”, escreveu Semeraro. “Portanto, esperar uma nova norma geral, do tipo canônica, que seja a mesma para todos, é absolutamente inadequado”.
Segundo o bispo, não existe o “direito” à Eucaristia, mas sim um direito a ser acolhido e ouvido. Aos parceiros que casaram pela segunda vez no civil sem uma anulação do matrimônio sacramental e que iniciaram uma nova família será pedido que “façam uma caminhada de fé começando por se tornar conscientes da situação de cada um diante de Deus” e que vejam os obstáculos que impediriam a participação plena deles na vida da Igreja.
Os parceiros que recentemente se divorciaram e voltaram a se casar, aqueles que “repetidamente não conseguem” cumprir as responsabilidades para com os filhos e com o cônjuge original, bem como aqueles que fingem que não existe nada de errado com divorciar-se e recasar-se, deveriam ser encorajados a passar um tempo estudando e rezando antes de tentar iniciar o processo, lê-se nas orientações.
Amoris Laetitia, escreveu Semeraro, “jamais fala de uma ‘permissão’ generalizada para que os divorciados e recasados acessem os sacramentos; tampouco diz que o caminho da conversão iniciado com os que o desejam deve necessariamente levar ao acesso aos sacramentos”.
Ao mesmo tempo, disse, os padres precisam reconhecer que “não é mais possível dizer que todos os que se encontram numa assim-chamada situação ‘irregular’ estão vivendo num estado de pecado mortal, privados da graça santificadora”, exatamente porque, como ensina Amoris Laetitia, uma série de fatores estão envolvidos na determinação do grau de culpa dos indivíduos envolvidos.
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Dizer que há heresia em ‘Amoris Laetitia’ está errado, afirma cardeal alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU