21 Novembro 2017
“O papa diz que chegou o momento de se abrir à consciência pessoal. Talvez de entender que o deixar morrer não nasce de uma cultura da morte, mas do seu contrário, do amor pela vida”, afirma Beppino Englaro, pai de Eluana.
A reportagem é de Piero Colaprico, publicada por La Repubblica, 17-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O senhor também parece um pouco desorientado com as palavras do Papa Francisco...
É que sempre pedimos que todos – desde o início do caso humano, médico e judicial da nossa filha Eluana – “fossem além”. Agora, descobre-se que quem foi mais além do que todos foi ele, o papa.
E, na sua opinião, quem mais se sentiu abalado com as palavras do papa?
Eu espero que todos os “graníticos”, os fundamentalistas, aqueles que acreditam ser portadores de verdades absolutas. Como aqueles que acumulavam as garrafinhas d’água na frente da clínica de Udine, enquanto Eluana não podia ter nenhum estímulo de sede. É a estes e a outros extremistas, mesmo sobre outras posições, que o papa diz que chegou o momento de se abrir à consciência pessoal. Talvez de entender que o deixar morrer não nasce de uma cultura da morte, mas do seu contrário, do amor pela vida.
Eu não sei se esse conceito de consciência pessoal está precisamente correto, Sr. Englaro, mas...
Mas a solicitação a todos de irem além vem de um papa, em primeira pessoa, e, desculpe-me, já era hora.
Não lhe parece que as palavras do papa parecem se reconectar com as que foram pronunciadas na igreja de Paluzza, pelo humilde pároco, Pe. Tarcisio: “Eluana merece uma grande manifestação de afeto. A Igreja não se sentiu alheia ao teu sofrimento (...) Tu és como uma estrela alpina renascida sobre as rochas depois de um longo inverno”?
Com tudo o que acontecera, no início, nem queríamos o funeral na igreja. Depois, não podia acreditar quando escutei a homilia. Eu era e continuo sendo agnóstico, mas há uma Igreja que escuta a dor, e uma que não a escutou.
Ao site L’Huffington Post, o senhor afirmou que o papa não havia dito nada de novo. Como assim?
Com efeito, foi apenas o convite de vocês a fazer uma leitura mais atenta de todo o texto que não me fez parar na parte que dizia respeito à proporcionalidade dos tratamentos. Ou seja, a proporcionalidade foi invocada muitas vezes despropositadamente, e a consequência é que ela me dá dor de barriga. Porque nós, pais, estávamos no meio do deserto, até virem as sentenças da Cassação [o Supremo Tribunal italiano] e do Conselho de Estado. A grandeza da problemática é tamanha que fez com que até mesmo um papa desse a sua palavra, pela primeira vez.
A carta do Papa Francisco chega em um momento em que a centro-direita italiana brinca de se esconder sobre o fim da vida.
O papa parece tirar todos os álibis de quem sai por aí dizendo que o testamento biológico não respeita os preceitos cristãos. Mais do que isso, hoje, o que podemos esperar? Lembro-me dos dias de silêncio em Udine quando havia o esforço de alguns parlamentares de aprovarem uma lei que impedisse que Eluana respirasse em paz, lembro-me dos insultos. Depois, Eluana faleceu, e a pressa acabou. Isso há oito anos.
Ao lado disso, o que mais chamou a sua atenção na carta?
O pedido de um suplemento de sabedoria aos médicos e a centralidade da pessoa humana. Também é basilar a passagem da carta sobre o fato de que tratar demais constitui “uma insidiosa tentação”, e que nem sempre beneficia “o bem integral da pessoa”. Talvez, ele parece querer dizer aos médicos: se vocês tratassem com mais sabedoria, as pessoas não recorreriam à eutanásia.
Também parece inédito o fato de que o chefe da Igreja Católica relançe a validade dos tratamentos paliativos...
É verdade. O fato de o Papa Francisco não ter esquecido da grandeza e da validade dos tratamentos paliativos é outro degrau. Tínhamos discutido sobre isso com Giandomenico Borasio e com Augusto Caraceni, do Instituto dos Tumores, mas não há um curso de graduação em tratamentos paliativos. Talvez, agora, alguma comissão acadêmica levará isso em consideração.
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Pai de Eluana Englaro: ''O papa foi além de todos'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU