20 Outubro 2017
«A educação sexual não serve contra os feminicídios, porque os rapazes de hoje já sabem tudo. Necessita-se uma educação cultural». O Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, reflete a respeito disso depois de ter escutar as perguntas dos estudantes das escolas romanas que participaram dos dois encontros no Pátio dos Gentis, dedicado ao tema da violência contra mulheres. «Tratamos de nos envolver também na preparação, então pedi que escolhessem 40 rapazes e moças para isto. Apresentaram-se 34 garotas e apenas 6 garotos. Depois, no verdadeiro encontro, haviam alguns a mais. Mas isto demonstra que não é garantido que os jovens, sobretudo os rapazes, sejam tão sensíveis ao problema…».
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 19-10-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Por que em uma época cada vez mais preocupada com a igualdade entre o homem e a mulher ainda vemos essa violência?
O nível dos homicídios na Itália é um dos mais baixos do mundo, mas, em contrapartida, é um dos mais elevados no âmbito dos feminicídios. Significa que há um elemento cultural na base, vinculado com o machismo e com uma sociedade que considerava a mulher como um ser inferior. Há de se recordar que até os anos oitenta, na Itália, o crime de honra não existia.
Quais são as origens deste fenômeno?
Martin Buber observava que existem dois tipos de relações: uma “eu-você” e outra “eu-aquilo”. Na primeira, a outra pessoa é um “você”. Na segunda, um objeto. No feminicídio, o homem considera a mulher seu “aquilo”, não quer que ninguém lhe arranque o que ele considera com uma posse. É a “coisificação” da pessoa, reduzida a objeto. Isto favorece uma perversão da categoria do sexo. Em nossa natureza humana há três níveis de relação: o primeiro é de natureza sexual, fundamental e instintivo. Depois há um segundo, do “eros”, que começa a ser uma realidade já não apenas instintiva e animal: o descobrimento da beleza, da ternura, da fantasia. O terceiro, que chamamos de amor, é esquisitamente humano e encontra-se no nível mais elevado.
Continua sendo assim para as gerações mais jovens?
A cultura contemporânea simplificou estes níveis. Os rapazes têm relações sexuais aos 14 ou 15 anos. Talvez haja um vislumbre de afeto, mas faz parte de uma série de experiências de possessão. A ideia de possessão encontra-se em seus cérebros. Quando estão apaixonados, a relação acontece normalmente mediante mensagens de telefone, com relações frias. É preciso ensinar aos rapazes a ternura, que faz parte do “eros”, e os sentimentos, para que não vivam apenas a parte da possessão. Até há alguns anos, na relação interpessoal tradicional existia o contato entre olhares, entre cores, entre odores. Hoje, em contrapartida, a relação acontece mediante chats. É o problema do “trans-humanismo”. A educação sexual não serve, porque os rapazes já sabem tudo. Necessita-se de uma educação cultural, não apenas psicológica. Um dos sintomas do feminicídio é não ser capaz de considerar o outro como um planeta em si mesmo, com sua autonomia, e não uma coisa para possuir.
Quando acontecem estes casos, discute-se muito, mas e depois?
Já existem análises e dados de sociólogos. Falta o ponto de vista antropológico. A pergunta “por que”, sobre as causas profundas, dá medo. Aqui entra o discurso do pecado e da liberdade da pessoa. Como lemos no romance “A Sonata a Kreutzer”, de Tolstói: quando o sentimento não é cuidado, pode-se passar do amor ao ódio. E há casos nos quais o mistério do mal é muito evidente: pensemos na perversão de matar a filha da própria ex-esposa para provocar uma dor indescritível, como aconteceu em um assassinato recente na Itália.
Como se pode inverter esta tendência? Qual é o papel da cultura?
Tivemos mudanças no ambiente, na atmosfera que respiramos. Ainda que existam agências de educação como a escola ou a Igreja, é difícil criar uma atmosfera diferente: como ensinar as crianças como ter uma relação verdadeira? A cultura contemporânea não te ajuda nisto, e a rede já fazia um direcionamento completamente diferente, dando espaço para a violência. No entanto, não há de se resignar: a cultura e a comunicação não deveriam se limitar a registrar os fatos, mas deveriam refletir profundamente. A cultura poderia fazer algo mais.
O Papa Francisco insiste em dar valor para as mulheres na Igreja. Como andam as coisas?
Naturalmente, no passado não se fez muito. É interessante insistir na função de Maria. O Papa disse uma coisa relevante, superando a lógica “clerical” que é o fundamento da petição do sacerdócio feminino: recordou que no Pentecostes estão os apóstolos (os bispos), mas no centro está Maria, que não é sacerdote, mas conta mais do que todos eles. É preciso voltar a descobrir a função “hierárquica” de Maria e, por analogia, também a função da presença feminina na Igreja. E logo depois está também Madalena, uma santa caluniada porque era considerada uma prostituta (enquanto que no Evangelho, na realidade, não diz nada que ela tenha sido): Na Igreja deveria existir outro espaço, relevante, para reconhecer todas as vítimas no âmbito feminino, para as mulheres que têm vivido uma experiência negativa.
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Violência contra mulheres; Ravasi: necessita-se uma mudança cultural - Instituto Humanitas Unisinos - IHU