16 Agosto 2017
Marco Garzonio, Le donne, Gesù, il cambiamento,
Vivarium, Milão, pp. 248, 18 €
Com o título "Em casa com Marta e Maria", no domingo, 18 de fevereiro de 1990, eu iniciava minha colaboração com este suplemento, fazendo a recensão do livro Gesù e le donne (Jesus e as mulheres) de Marco Garzonio, recém publicado pela Rizzoli (foi reeditado em 2005 pela Vivarium). Naquele ensaio, que trazia em seu âmago um enfoque de cunho junguiano, eram avaliadas as várias ligações e encontros de Jesus com as mulheres, a partir de sua mãe, passando pela Samaritana, Maria e Marta de Betânia (as irmãs de Lázaro), a mulher adúltera, a "pecadora" anônima do cap. 7 do Evangelho de Lucas, a viúva de Naim, Maria de Magdala e a mulher hemorrágica de Cafarnaum. A perspectiva era sugestiva: "A experiência do Jesus-homem dos Evangelhos através desses contatos resulta enriquecida nas atitudes, comportamentos e modos de pensar. E, ao mesmo tempo, tal crescimento em humanidade acaba se refletindo sobre o outro, segundo a dinâmica inerente ao binômio ensinar-aprender".
O artigo é de Gianfranco Ravasi, cardeal e biblista italiano, publicado por Il Sole 24 Ore, 13-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Matteo Crimella, Marta! Marta!, Cittadella,
Assis, p. 524, € 21
Na verdade, são muitos os livros dedicados às figuras femininas bíblicas, mesmo estando ciente das coordenadas "patriarcais" masculinas da cultura em que floresceram as Escrituras, que são Palavra divina em palavras humanas. Na véspera de uma solenidade "matriarcal", como é de fato a Assunção gloriosa de Maria, a mãe de Cristo, vamos lançar o olhar sobre algum livro recente que aborde a presença direta ou indireta da mulher cristã. Para ficar no âmbito dos Evangelhos, escolhemos a reimpressão que foi publicada há alguns meses da obra Marta! Marta! de Matteo Crimella, lançada originalmente em 2009. A ideia origina-se de uma passagem do Evangelho muitas vezes incompreendida, em que as duas irmãs acima mencionadas, Marta e Maria, parecem se tornar o emblema da dicotomia entre existência ativa e vida contemplativa, entre prática e teoria, com a primazia da segunda, de acordo com as palavras de Cristo, que repreende a "dona de casa" Marta, às voltas com as panelas, e exalta Maria, que "escuta a sua palavra" (Lucas 10,38-42).
Na realidade, a limitação de Marta não é tanto em seu empenho concreto, mas sim no fato de que absorve completamente a sua pessoa, de modo que fica "totalmente envolvida" pelo agir exterior, enquanto é necessário - mesmo no empenho concreto - manter aberto um canal de 'escuta' interior para a voz divina. Isso é o que testemunha a mulher do Cântico dos Cânticos, ao confessar que mesmo quando dormia seu coração velava (5,2). De fato, somos sempre profundamente crentes, sempre intimamente apaixonados, somos sempre mães e pais, mesmo quando estamos ocupados e pensando em outras tarefas do dia-a-dia. Crimella, além disso, observa que Lucas ressalta que Maria não está envolvida em escutar tanto Jesus, mas sim "a palavra" de Jesus, uma experiência que por si só é aberta a todos, mesmo após a morte e ressurreição de Cristo. De fato, ao leitor dos Evangelhos, a escuta direta de Jesus é negada, mas não a escuta de sua palavra.
Elena Bonoldi Gattermayer Tre donne della Riforma,
Jaca Book, Milão, pp. 166, 22 €
Mas vamos adiante e, enquanto é reproposto o clássico de Régine Pernoud, As mulheres no tempo das catedrais, vamos analisar um tríptico elaborado por uma medievalista, Elena Bonoldi Gattermayer, que retrata três mulheres da Reforma Protestante, um evento do qual estamos celebrando o quinto centenário. Em um horizonte riscado por sangue em nome da fé cristã, empunhada como se fosse uma espada (fácil é o paralelo com o presente, embora num contexto inter-religioso muito diferente), erguem-se Marguerite de Angoulême, Renata d’Este e Joana d 'Albert, aparentadas entre si através da linhagem dos Valois.
Elas, de diferentes formas, sentiram o impulso de suas consciências para um cristianismo renovado e, superando os condicionamentos de sua própria matriz familiar, social e religiosa, optaram por uma espiritualidade mais radical como aquela oferecida pela Reforma. Isso foi realizado através de um entrelaçamento entre as suas próprias biografias, documentado também por trocas epistolares, enquanto ao redor delas enfureciam confrontos não de ideias, mas de armas entre católicos e protestantes.
Régine Pernoud, La donna al tempo delle cattedrali,
Lindau, Turim, pp. 355, € 26
As páginas de Gattermayer são densas de eventos, alguns dos quais resultam também curiosos, como a chegada de Calvino em Ferrara na casa de Renata d'Este que era duquesa daquela cidade, assim como as reuniões de Vitória Colonna e do frei menor Bernardino Ochino, pregador fascinante e austero, que passou sob o signo do calvinismo. É o ingresso em um território histórico já vasculhado, mas desta vez analisado pelos olhos e percebido pelas mentes femininas livres, insistentes e até mesmo obstinadas dessas três mulheres.
Na esteira do protestantismo, apresentamos um pequeno livro escrito por uma pastora batista que opera em nossos dias no âmbito bíblico e ecumênico, Lidia Maggi. São dois seus trabalhos anteriores dedicados ao tema que estamos evocando (Le donne di Dio e L’evangelo delle donne - As mulheres de Deus e O evangelho das mulheres, em tradução livre, ambos publicados pela Claudiana em 2009 e 2010). Agora, no entanto, destacamos algumas de suas reflexões bíblicas, pujantes em sua essencialidade, atadas pelo fio dinâmico do "caminho", um símbolo fundamental nas Sagradas Escrituras que se abrem justamente com a peregrinação de Abraão de Ur para a Terra Prometida, destinada a apagar a anti-peregrinação de Adão do Éden para a terra desolada da história humana.
Lidia Maggi, Fare strada con le Scritture,
Paoline, Milão, pp. 183, € 15
O Deus bíblico é ativo com o seu povo em marcha no êxodo do Egito, um povo que sempre avançará aos tropeços, tentado por desvios, mesmo sendo sustentado pela carga messiânica e pela meta escatológica. A leitura de Maggi revela, no entanto, o seu olhar feminino que tem sempre um toque de originalidade, como quando interpreta o êxodo que acabamos de citar, com a simbologia do parto.
Era a noite de Páscoa "começou o trabalho de parto e não se podia mais esperar. É preciso ir, enfrentar a noite; acordar as crianças, ficar em silêncio, sair. Como no parto, passar pelas águas que se rompem, se dividem para permitir que venha ao mundo aquele povo recém-nascido, de que ouvimos o choro ... Na saída das águas, após o parto, Miriam segura o pandeiro ... e explode o grito de alegria de uma mãe que deu à luz ao seu filho. E ao momento decisivo do nascimento se seguirá a longo desmame no deserto".
Angelo Casati, Innamorarsi, Qiqajon,
Bose (Biella), pp. 126, 10 €
Concluímos essa nossa nota "feminina" estendendo mais um pouco o símbolo do caminho, através de um delicioso livro de um extraordinário padre de Milão, padre Angelo Casati, 86 anos, ex-pároco e ainda hoje poeta. Ele decidiu reunir, sob a insígnia de Innamorarsi (Apaixonar-se), seus discursos proferidos em casamentos oficiados por ele. São páginas sóbrias, contudo teologicamente refinadas e, literariamente, cadenciadas por uma virtude hoje desbotada e até mesmo perdida, que é a ternura. E também aqui para a mulher e o homem que estão diante de Deus abre-se o caminho da grande viagem! É a imagem da tenda: é montada para a noite, durante alguns dias, e, em seguida volta a ser dobrada; parte-se novamente. Mas então onde está a estabilidade? Está dentro de vocês. É no estar presente de um para com a outra, com o coração e não por hábito".
Notas:
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Apaixonar-se por Marta. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU