09 Novembro 2016
Foi lançado nessa terça-feira pela editora Einaudi o novo livro de Enzo Bianchi, Gesù e le donne [Jesus e as mulheres]. Partindo da narrativa dos Evangelhos, o prior de Bose refaz a relação do Messias com figuras femininas como a mulher doente de hemorragia uterina que ousa a tocá-Lo embora fosse "impura"; a estrangeira grega da origem siro-fenícia e, portanto, pagã; as irmãs Marta e Maria; a mulher apanhada em adultério.
No trecho que antecipamos nesta página, a protagonista é a prostituta que lava os pés de Jesus na casa de Simão, tradicionalmente (mas impropriamente) identificada como Madalena. O texto de base é Lucas 7, 36-50.
O trecho foi publicado por La Stampa, 08-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No nosso relato, Jesus é convidado à mesa por Simão, um fariseu, um homem religioso, observante da Lei e justo, irrepreensível no seu comportamento. Ele aceita o convite, entra na casa dele e se acomoda à mesa junto com ele para esse banquete reservado apenas a homens.
E eis que uma mulher, notoriamente uma prostituta, portanto uma pecadora manifesta e reconhecida como tal pelos habitantes daquela cidade, sabendo que Jesus se encontra à mesa naquela casa, com audácia, se apresenta ao banquete levando um vaso de alabastro cheio de perfume.
Ela entra furtivamente, às escondidas, para-se "atrás" de Jesus (como os discípulos: cfr. Lc 9, 23; 14, 27), aninha-se "aos seus pés" (na posição de escuta, de discípula, como Maria de Betânia: cfr. Lc 10, 39) e faz aquilo que frequentemente fazia por ofício: lavar os pés dos clientes e perfumá-los. Assim também ela faz com Jesus, mas com uma significativa novidade: ela o faz gratuitamente, não solicitada, e lava os Seus pés com as próprias lágrimas, beijando-os com todo o amor de que é capaz. Ela ouviu falar de Jesus, escutou-O e ama-O a ponto de ousar com audácia um gesto extraordinário.
É uma mulher anônima não porque não tenha dignidade, mas porque cada um dos leitores e das leitoras do Evangelho possa não se sentir alheio à sua condição, portanto por ela representável.
E aqui o leitor deve esquecer a tradição, devida à Gregório Magno, que identifica nessa mulher tanto Maria Madalena quanto Maria de Betânia, que fará a unção dos pés (ou da cabeça) de Jesus, às vésperas da Sua paixão. Essa é uma mulher sem nome, que vive no pecado da prostituição. Ofício, este, que, nos tempos de Jesus, na Palestina, não era escolhido, mas ao qual eram destinadas, desde pequenas, as meninas abandonadas pelos pais ou compradas como escravas.
Sim, esta é sobretudo uma pobre mulher, vítima do abandono ou do domínio dos homens, destinada por outros à prostituição.
E eis que, à vista dos gestos feitos por essa mulher, logo se cria um grande constrangimento, e os homens religiosos ali presentes, em primeiro lugar o fariseu que convidou Jesus, ficam escandalizados: Jesus é um rabi que não lhe imputa nada, não a acusa e se deixa apalpar (verbo háptomai, v. 39) por essa mulher, reconhecível como uma prostituta pelas próprias roupas! A intimidade sempre imprópria com uma mulher parece ser uma grave ofensa à Lei, porque essa mulher é impura, é uma prostituta.
O fariseu é forçado pela sua ética a pensar: ou Jesus não é um profeta e não sabe o que está acontecendo nem quem é essa mulher, ou é alguém que, na realidade, ama esses gestos, a companhia das prostitutas, o seu comportamento. A cena é intolerável, constrange, porque, indubitavelmente, tem uma qualidade erótica: essa prostituta apalpa e sente os pés de Jesus, beija-os, lava-os com suas lágrimas e, depois, enxuga-os com os seus longos cabelos. É uma mulher não velada como todas as outras e faz os gestos nos quais as prostitutas são especialistas para seduzir e dar prazer.
Enfim, tirado um frasco de perfume, ela derrama o unguento sobre os pés de Jesus. Isso é realmente demais! Essa eloquência do corpo feminino em relação ao corpo de Jesus, um rabi e profeta, é inédita e dá medo!
Mas Jesus lê tudo de forma diferente: há uma mulher aninhada aos seus pés que toca o Seu corpo, chora-se até lavar os Seus pés com as lágrimas, enxuga-os com os seus cabelos, beija-os sem dizer uma palavra e os perfuma. Jesus vê uma mulher que sofreu e que sofre, que ama, uma mulher à procura de amor, enquanto o fariseu vê uma pecadora.
Aqui está a diferença entre o rabi Jeshu'a e os outros especialistas da Lei, os homens religiosos: Jesus não vê primeiro o pecado, mas o sofrimento, e aqui, principalmente, vê alguém que pode ser amado apesar dos seus pecados e que ainda ama; os homens religiosos se exercitam primeiro em espionar, em medir o pecado, em emitir um julgamento, depois, eventualmente, veem o sofrimento, que impõem aos outros, como resultado do pecado!
De acordo com a Lei e o pensamento dominante, aquela mulher impura, tocando o corpo de Jesus, Lhe comunicaria a sua impureza, mas o Evangelho ressalta, em vez disso, que ela sabe transformar em uma manifestação de amor para com Ele aquilo que sempre tinha desenvolvido como serviço pago.
Impulsionada pelo amor, ela age sem temor: "No amor, não há temor" (1Jo 4, 18)! O que ela faz está no registro amoroso, e Lucas descreve as ações no imperfeito, isto é, como gestos repetidos, caracterizados por uma longa duração: "secava, beijava, ungia"...
As mãos dessa mulher tomam e abraçam os pés de Jesus, as suas lágrimas os banham até lavá-los, os seus cabelos os enxugam, os seus beijos narram com a boca os seus sentimentos, as suas mãos derramam perfume e o espalham sobre os seus pés: gestos que são um conjunto de carícias, de beijos, de experiência tátil entre dois corpos.
A mulher chora porque sente a culpa dos pecados cometidos ou, talvez, chore de alegria, porque finalmente encontrou um homem que realmente pode amar e do qual pode ser amada em troca. Em um silêncio absoluto, ela deixa que o seu corpo expresse a sua linguagem afetiva: audácia, humildade, amor, e tudo está resumido "nas suas lágrimas, o verdadeiro significado escondido naqueles gestos" (François Bovon).
É muito feminina essa atitude de intimidade, marcada pelo fato de tocar Jesus com as mãos e com os cabelos soltos: ela finalmente chegou até Ele!
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Jesus e as mulheres: no amor não há temor. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU