09 Outubro 2017
A sobrevivente de abuso sexual clerical que renunciou após frustrar-se com a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores em março passado manifestou preocupação sobre uma proposta para reestruturar o grupo de forma a não mais incluir o envolvimento direto de sobreviventes.
A entrevista é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 05-10-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em entrevista ao National Catholic Reporter, Marie Collins disse estar preocupada com que uma possível mudança de se colocar os sobreviventes em um novo painel consultivo, separado da Pontifícia Comissão, venha a significar que eles não serão consultados em todos os assuntos que o grupo vier a considerar.
“Tenho sensação de ser um passo atrás”, disse Collins em entrevista por email no dia 3 de outubro.
“A importância da presença de sobreviventes na comissão ficou reconhecida quando ela foi criada em 2014”, continuou. “Ainda é importante que esta perspectiva esteja incluída nas deliberações do grupo”.
“O meu medo é que o painel consultivo venha a ser relegado ao envolvimento apenas em itens considerados adequados a eles, enquanto o restante do trabalho se daria sem a contribuição destas pessoas, dos sobreviventes”, disse ela.
Collins, que era a última participante ativa da Pontifícia Comissão na qualidade de sobrevivente de abusos, renunciou continuar participando do grupo em 1º de março. Em nota escrita ao National Catholic Reporter na ocasião, ela afirmou que decidiu deixar o grupo após perder as esperanças de que os funcionários e autoridades vaticanas cooperariam com os trabalhos.
Na entrevista, Collins respondeu a uma pergunta sobre as recentes declarações feitas por Krysten Winter-Green, que atualmente participa da comissão papal. Winter-Green contou ao National Catholic Reporter, em entrevista no dia 14 de agosto, que o grupo estava avaliando os prós e contras de não ter mais o envolvimento direto de sobreviventes de abuso sexual na comissão e substituí-los por um painel consultivo à parte.
Collins também escreveu na entrevista sobre a possibilidade de que a estrutura da comissão possa se alterar nos próximos meses, quando se completarão os três anos desde a sua criação.
Sugeriu que a comissão receba o poder de auditar como o Vaticano implementa as suas recomendações depois que o papa as aprova. Também manifestou preocupação com que o dicastério vaticano para a comissão não deve desempenhar um papel muito grande nas tomadas de decisão em nome do grupo.
“A mudança mais retrógrada seria tentar transferir a responsabilidade pelo planejamento das diretrizes ou da tomada de decisão sobre como o trabalho deve ser feito, tirando-o dos membros da comissão e passando para o departamento vaticano”, disse Collins. “Se esta perda de independência acontecer, a meu ver ela enfraqueceria totalmente a credibilidade da Pontifícia Comissão”.
O que achou da notícia de que a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores está considerando uma reestruturação de forma que não mais tenha a participação direta de sobreviventes, mas sim tendo-os em um painel consultivo à parte?
Tenho sensação de ser um passo atrás. A importância da presença de sobreviventes na comissão ficou reconhecida quando ela foi criada. Ainda é importante que esta perspectiva esteja incluída nas deliberações do grupo agora neste segundo mandato.
A senhora acha possível que a Comissão ainda seja uma voz confiável sob esse modelo proposto, sem a participação direta de sobreviventes?
O meu medo é que o painel consultivo venha a ser relegado ao envolvimento apenas em itens considerados adequados a eles, enquanto o restante do trabalho se daria sem a contribuição destas pessoas, dos sobreviventes. A meu ver, seria necessário manter o painel informado sobre todo o trabalho da comissão, então ele estaria livre para discutir e contribuir com suas opiniões naquilo que considerarem relevante.
Na nota que escreveu ao National Catholic Reporter quando saiu da Pontifícia Comissão, a senhora disse que havia se retirado porque teria chegado a um ponto onde não conseguia “mais me manter apenas com a esperança” de que a comissão tivesse um impacto no Vaticano. Vê algum ponto de esperança após a reunião do papa, em 21 de setembro, com os membros dela?
O papa sempre apoiou a comissão e as suas recomendações. Este compromisso se confirmou ainda mais pelas suas declarações nesta reunião.
No entanto, o problema tem sido a falta de comprometimento por aqueles delegados por ele a implementar as mudanças. O teste final para eu julgar se ele superou isso seria ver: primeiro, um mecanismo para responsabilizar os bispos, operar com transparência e ver justiça sendo feita; e, segundo, as melhores práticas de salvaguarda sendo implementadas de forma coerente em toda a Igreja com sanções claras para qualquer bispo negligente na implementação.
As dificuldades nestas duas questões dentro do Vaticano não foram desafiadas pela comissão e isso levou à minha perda de esperança em sua eficácia. Se isto mudar, então começarei a ter esperanças de novo.
O período original de três anos de mandato dos atuais membros está chegando ao fim. Tem alguma esperança de que haverá mudanças significativas na comissão? Que mudanças gostaria de ver a fim de torná-la mais eficiente e confiável?
A comissão vem atuando sob um estatuto ad experimentum temporário. Isso quer dizer que um estatuto permanente se faz necessário e ele poderá estar em vigor já no próximo período da comissão, a partir do dia 17 de dezembro. Um novo estatuto poderá mudar a estrutura ou os métodos de trabalho da comissão. Portanto, vai ser interessante ver o que ele conterá.
Eu gostaria de ver um relatório anual emitido pela comissão, detalhando, até onde possível, o trabalho realizado, as recomendações feitas ao Santo Padre e os resultados. Eu também adoraria ver uma atualização com respeito ao progresso das recomendações aprovadas pelo papa. Por exemplo, a diretiva do papa para reconhecer as comunicações/as cartas das vítimas/dos sobreviventes está sendo seguida por todos os dicastérios?
Também seria muito valioso se a comissão recebesse poderes para auditar a implementação de suas recomendações.
Estas mudanças acrescentariam muito à credibilidade da comissão. No Vaticano, pode haver uma obsessão com o sigilo, o que frequentemente é contraproducente, na medida em que até mesmo notícias boas permanecem obscurecidas.
A mudança mais retrógrada seria tentar transferir a responsabilidade pelo planejamento das diretrizes ou da tomada de decisão sobre como o trabalho deve ser feito, tirando-o dos membros da comissão e passando para o departamento vaticano. Há indícios, de antes da minha renúncia, de que as coisas poderiam tender nesta direção. Se esta perda de independência acontecer, a meu ver ela enfraqueceria totalmente a credibilidade da Pontifícia Comissão.
Se decidirem colocar um sobrevivente na comissão novamente, que conselhos daria a essa pessoa?
Certificar-se de estar preparada para um progresso lento e perceber que os caminhos (os modos) do Vaticano não são os caminhos (os modos) do mundo secular. Portanto frustrar-se é inevitável.
Em sua fala à comissão no dia 21 de setembro, o papa admitiu que “a velha prática” da Igreja tinha sido a “de transferir as pessoas de lugar” ao invés de reportar o padre abusador às autoridades. O papa também admitiu que a Igreja demorou demais para tomar “consciência” do problema de abusos sexuais. Estas admissões têm alguma significação para a senhora?
Estas declarações do papa – de que a Igreja demorou e a admissão ainda mais importante de que havia uma prática de transferir as pessoas de lugar ao invés de lidar adequadamente com os padres abusadores – são significativas. Não porque eram novidade aos sobreviventes que dizem isso há décadas. A significação reside no fato de que esta última admissão foi a primeira vez que um papa ou qualquer líder eclesiástico, até onde sei, confirmou que a transferência de abusadores era sistêmica e não apenas um juízo ocasional equivocado de um bispo em particular.
Tomara que possamos ver aquelas pessoas que defendiam e minimizavam esta política sigam o exemplo do papa e reconheçam a verdade do passado.
O que achou da justificativa do papa de que a responsabilidade por casos de abuso deve permanecer com a Congregação para a Doutrina da Fé, até que a Igreja toda tenha consciência da “gravidade” do problema dos abusos sexuais?
O que me surpreende nesta declaração foi a admissão que ela continha de que a Igreja toda ainda não aceitou a “gravidade” do problema dos abusos sexuais. Em 2017, isso é extremamente triste, mas obviamente uma declaração da verdade de uma confirmação do que muitos de nós já sabemos.
Para a maioria das pessoas, não importa quem está lidando com os casos de abuso sexual, desde que estejam lidando com eficiência, com justiça e em tempo hábil.
Como interpreta a declaração do papa de que um padre que ficou comprovado ter abusado um menor não terá recurso à apelação?
Eu interpreto este comentário assim: uma vez que ficou provado que um padre abusou um menor, não deverá haver apelação para reduzir a sanção imposta. Qualquer que seja o julgamento do tribunal canônico sobre a sua punição, ele não deverá ser capaz de ter a pena reduzida por meio de apelação. Isso condiz com a declaração do papa sobre jamais perdoar um abusador e é um indício de sua aceitação dos males e da seriedade dos casos de abuso.
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Ex-participante de comissão papal antiabuso, Collins manifesta preocupação com a reestruturação do grupo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU